quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Para onde vais Saramago?



Quem me conhece um pouco sabe que no aspecto religioso, tenho uma concepção um bocado estranha.

Não me considero ateu, pois não sou propriamente ímpio. Laico é um conceito muito lato de não religioso e o agnóstico tem uma filosofia de vida um pouco baseada em princípios, como se estivesse indeciso e, ainda, sem estar preparado para um conhecimento absoluto.

Ando num limiar um pouco absurdo, pois só acredito no que vejo e sinto, e sou muito incrédulo perante as teorias que as diversas Igrejas nos tentam propagar.

Tenho um respeito muito forte pela fé e convicções de todos e, confesso que muitas vezes tenho pena por não acreditar e, até inveja por não ser capaz de a ter (a fé).

Mas vão perguntar porque toda esta arrazoada de palavras?

É simples estive a ler uma obra chamada Caim.

É um livro, mas pareceu-me mais um vómito de quem, no desespero da senilidade, pouco já tem para dizer.

É de um mau gosto total, falho de imaginação, num emaranhado de factos totalmente deslocalizados e sem nexo.

Para mim, é apenas um aproveitamento de muito mau gosto, de factos bíblicos, com o único fito de ganhar mais uns cobres.

É confranger, depois de ler o Memorial do Convento, de ser confrontado com as diferenças sociais do Século XVIII e, a epopeia da construção do Mosteiro ou, na Jangada de Pedra, com a grandeza e a pequenez da vida e a forma irónica como são tratados as autoridades e os políticos, ser capaz de digerir este amontoado de palavras.

Quem leu, como eu, essas obras fica perplexo como pode o génio que as concebeu ter descido ao ponto de escrever este Caim que não passa de uma pobre e triste banalidade.

De verdade, Saramago, não necessitava de se aviltar tomando como base um Livro, considerado sagrado, num jogo de promiscuidade, de sexo, de crime e de violência.

A Bíblia não é propriamente um exemplo de virtudes mas, tenhamos a consideração que merece, nem que seja por respeito a quem a segue.

Tenho a certeza que se o Saramago tivesse a ousadia de escrever sobre o Alcorão, com a mesma pouca-vergonha como escreveu sobre a Bíblia, um dia o iriam encontrar pendurado pelos tomates, se ainda os tiver, numa trave de qualquer edifício de Lanzarote.

Esta é a minha opinião, mas como em tudo, respeito quem pense de forma diferente.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O cão da minha vizinha.



Por vezes confundimos a realidade com a ficção ou, então, ficamos na dúvida.

Eu tenho uma vizinha que parece ter sido tirada de um conto de Charles Dickens.
Mas cada um é como o criador o fez e esta não pode estar muito agradecida ao artista.

Mas isto é só um aparte, pois o que verdadeiramente interessa é o cão.
Sim… ela tem um rafeiro, lindo, ladino e, mesmo sem ter pedrigree, tem uma certa linhagem, não fica nada a dever a muitos animais que as senhoras exibem, pavoneadas, nas passadeiras das exposições.

Este cão é especial e quando me vê, parece que se apercebe de como eu gosto dele, abana o rabo, salta-me às pernas e late com alegria pedindo festas e mais festas.

Mas a Dona Perpétua, assim se chama a dona, logo se encarrega de o levar a puxões de trela.

Raios partam a velha! Fico mesmo frustrado, pois o animal mostra grande carência de mimos e, não imagino aquela saca de banhas desengonçadas a acarinhar o pobre bicho.

Até para se ser cão é preciso sorte!

Ontem estava eu sentado nos degraus da minha escadas, na porta de entrada, facto estranho, pois não me lembro de alguma vez ter feito tal coisa, mas a nossa cabeça às vezes leva-nos a realidades que nem lembram ao diabo.

Como dizia, estava sentado no degrau e apareceu o Manjerico, que nome arranjou para o pobre animal.

Saltou na minha frente e com uma voz bem timbrada disse-me:

-Então, estás sentado no chão como os cães?

Fiquei banzado. Um cão a falar, estou a ficar maluco, senil, ginja? Algo de anormal se passa comigo.

Não pode ser…os cães ladram, não falam!

Mas o Manjerico com um ar trocista insistiu:

-Pensavas que os cães não falavam? Mas falamos e se alguma vez lestes o La Fontaine já o devias saber.

-Mas, balbuciei, nunca ouvi um cão falar, nem conheço quem tenha ouvido. Só nos desenhos animados e isso é ficção.

-Pois, nunca prestaram atenção, é o grande mal dos humanos. Já a minha dona nunca me ouve. Leva-me 10 minutos de manhã à rua e anda à pressa para eu me despachar. Depois deixa-me fechado em casa até que volta ao almoço e lá vou mais dez minutos. Não chega, precisamos de mais, temos que cheirar para saber quem passou antes de nós.

-Mas, disse eu, todos os cães falam ou tu és um caso isolado?

-Achas que eu sou um caso isolado? És mesmo humano. Cão é só para companhia, não serve para se escutar! Os cães falam todos, vocês são limitados e não têm capacidade para nos compreenderem.

-Devo estar a ficar pirado!

-Não está não!

Agora tenho que ir embora porque a minha dona que é uma megera, mas gosto dela, está a chegar e eu não quero que me ouça a falar.

Fiquei banzado, um cão que fala e logo comigo.

Não sei o que dizer, eu… sentado no degrau a falar com um cão! Ao que o mundo chegou!

Tenho que ir ao médico, cão não fala e se estou a ouvir então o caso é já desesperado.

Que barulho é este? Ah... é o despertador.

Pela primeira vez gostei de te ouvir.

Porra… que alivio, pensei que me tinha passado dos pirolitos. Que pesadelo!

Agora tenho um dilema, sempre que vejo o bicho parece que ele me olha de uma forma trocista.

Será?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Marcas




Tentou abrir os olhos mas a dor aguda que o percorria apenas lhe deixou entrar uma confusão de luzes, barulhos e sons que não conseguia compreender. Havia uma espiral de claridades azuis, girândola que atravessava as pálpebras cerradas.
Queria falar mas as palavras ficavam perdidas num emaranhado de confusão que não sabia explicar.

Não sentia o corpo, estava leve, num levitar doce e tranquilo.

Viu o pai, chamava-o de joelhos na areia molhada da praia. Correu para os braços fortes que abraçaram com amor o seu corpo ainda tão frágil.
Era tão criança a correr atrás da bola que o pai atirou para longe. Correu molhando os pés na água que se espraiava na areia.
Ao longe a mãe sorria.

Viu-se a receber o canudo da formatura, a mãe tinha os olhos molhados de lágrimas, de satisfação, pelo seu menino. A Laura, está ao lado da mãe, e sorri com tanto amor que lhe apetecia deixar o lugar e correr para os seus braços e, beijá-la com todo o amor que sentia.

Era o dia do casamento, sentiu-se ridículo naquele trajo de cerimónia, A Laura estava deslumbrante, tão radiosa.

Sentiu-se a levitar numa doçura e numa tranquilidade como nunca tinha sentido.

Era uma música diferente, sons que nunca antes escutara, uma harmonia que o embalava como se flutuasse num mar de pétalas perfumadas. A luz avançava devagar num salomónico de luzes suaves, que o levavam enleado em reflexos de rostos que conhecia mas de que se não lembrava.

Depois.... foi o silêncio.

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Jornal Correio da Manhã do dia 24 de Dezembro.

Mais um grave acidente ceifou uma vida na flor da idade e deixou outra em estado muito grave.
João Gomes, um jovem de 23 anos, quando chegou ao Hospital já era cadáver, a sua esposa Laura Gomes está em observação com prognóstico muito reservado.
Segundo testemunhas do acidente, foi o excesso de velocidade e o estado do piso, devido ao mau tempo, os causadores do grave despiste que originou mais uma tragédia na véspera do Natal.
As autoridades julgam (.......)


segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Translúcido.



Há momentos em que escrever se torna doloroso. As palavras doem dentro de nós.
São como cinzéis burilando o emaranhado do nosso pensamento.

Queremos dizer mas não conseguimos, tudo está confuso, num vórtice de ideias dispersas no turbilhão que nos habita.

Sabemos o que queremos exprimir, mas não sabemos dar forma a esta desordem de reflexões, que nos magoam e, não nos deixam ser lineares nas palavras e luminosos nas ideias.

A voracidade do pensamento tropeça no limbo da inquietude que nos baralha, no desconforto das palavras que se atropelam, no tumulto das ideias que gritam.

Há dias em que só nos resta meditar e, na penumbra da nossa sala, escutar esta música.

Depois... deixar que a nossa imaginação nos leve pelos caminhos do imaginável, embalados no doce torpor destes sons.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Desencanto




Deitei...docemente a cabeça no teu regaço,
Senti teus dedos brincando nos meus cabelos,
Deixei-me vencer... devagar... pelo cansaço,
Andei feliz, encantado, em sonhos belos.

Tinha voltado, outra vez, à minha infância
Corri, contente, os mesmos caminhos
Senti no rosto o prazer de ser criança,
Sofri...outra vez... a falta de carinhos.

Procurei...igualmente em vão, o que não tive
A meninice a que os meninos têm direito,
Mas nada encontrei... só uma vez se vive.

Voltei...desiludido... tenho aqui o que preciso,
Voltar ao passado não me deu o que não tive,
Abri os olhos e vi feliz o que me resta... o teu sorriso.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

NATAL




O Natal é uma quadra cheia de um misticismo que respeito.

Em tempos idos, quando as sombras negras não faziam parte do meu ser, eu venerava a época Natalícia, parecia uma criança no entusiasmo. Era dos primeiros a fazer a arvora de Natal que enfeitava com bolas coloridas, fitas douradas e lâmpadas que acediam e apagavam e, que culminava com uma estrela no alto.

Adorava. Era uma alegria que me deixava extasiado.

O presépio, feito de figuras que tentava conjugar, pois muitas vezes não tinham a menor consonância entre si. Mas gostava de as distribuir entre tufos de musgo, carreiros de mini pedrinhas brancas e, a terminar um pequeno espelho disfarçado imaginava a aparência de um lago onde um cisne – maior que muita figuras – dava a nota final a esta mistura entre o sacro e o profano.

Os meus rapazes ajudavam, desajudando, numa alegria que nos contagiava e nos deixava felizes na cumplicidade.

Tudo mudou. Hoje não gosto do Natal. Não gosto, talvez por egoísmo, talvez por razões que só eu sei compreender. Mas não gosto!

Reconheço, no entanto, que é uma época distinta, há no ar um cheiro diferente, as pessoas ficam mais solidárias, o que me desgosta, pois a solidariedade devia fazer parte do nosso dia-a-dia.

Mas não gosto mesmo nada desta época, aliás, deixei de gostar.

Deprime-me, faz-me lembrar Natais que nunca mais terei e que guardo dentro de mim.

Não gosto mas cumpro as tradições, os outros não podem ser penalizados.

E os meus bebes, são quatro, não tem culpa do que o destino fez ao avô, ao tio, ao primo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Quase um conto de Natal.



Esta história, que aqui deixo, faz parte das minhas mais gratas recordações. È real, não é mais uma estória fruto da minha imaginação.



Há alguns longos anos atrás, quando eu ainda sentia a magia do Natal, havia um homem de cerca de 80 anos, alto, elegante e com uns olhos azuis cheios do mistério de uma vida longa e dolorosa, que todos os meses, invariavelmente, pelo mesmo dia e, sempre, pelas sete e meia da noite batia à minha porta a pedir uma esmola.

Preferia, sempre, algo que pudesse levar para ajudar a uma refeição. Não queria dinheiro.

Vestia, com distinção, um fato já muito puído pelo uso, uma camisa branca deformada e uma gravata quase tão velha como o dono.

Era de grande eloquência e senhor de uma sabedoria fruto da experiencia de uma longa vida.

Num dia de Dezembro, à hora de sempre, tocou a campainha e com a distinção habitual pediu ajuda para aconchegar o estômago.

Eu, talvez imbuído pelo espírito do Natal que já se sentia no ar, perguntei-lhe se não quereria jantar comigo?

Notei o brilho do azul dos olhos cintilar de forma mais intensa e timidamente disse:

-Gostava muito, vou-me sentar aqui nas escadas e agradeço de todo o coração.


-Vai jantar comigo, na minha casa, na minha mesa confirmei eu.

Comeu com uma delicadeza que fazia adivinhar ser alguém de princípios a quem a vida abandonou no fim da jornada.

Falou pouco. Contou, apenas, que tinha feito 81 anos em Novembro, não se lembrava bem do dia. Disse que o filho, que deveria ter agora 45 anos, era advogado. Mas, que havia esquecido que tinha um pai velho.

Vivia, por caridade, num quarto que uma senhora lhe dispensava.

Só pedia, em cada casa, apenas uma vez por mês.

Assim, dizia ele, não se tornava maçador e sempre o iam ajudando.

Acabada a refeição, lembro-me como se fosse hoje, olhou-me e de forma acanhada disse:

-Há uma coisa que eu não bebo há alguns anos, mas se hoje me desse um eu aceitava.

-Diga, balbuciei, se eu tiver.

Olhou-me, quase com timidez, antes de dizer:

-Era um cafezinho.

Bebeu-o com satisfação. Pediu licença para se levantar, agradeceu e encaminhou-se para o frio da noite.

Não resisti, fui buscar a minha única gabardine e disse-lhe para a vestir.

Espreitei pela janela, vi-o desaparecer na esquina da rua. Figura alta e elegante a que a minha ex-gabardine dava conforto para o ajudar a vencer o gélido ar dessa noite
de Dezembro.

Para mim esse Inverno foi mais frio, era a minha única gabardine e, eu gostava tanto dela.

Mas valeu a pena e nunca me arrependi.

Foi a última vez que o vi, não mais apareceu.

Provavelmente o filho voltou a lembrar-se que tinha um pai. Velho sim! Mas o seu pai.



sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Mais diálogos da Maria Inês




Todos nós conhecemos uma Maria Inês. Eu conheço uma que, por vezes, serve para estes meus escritos.



-Mãe…oh mãe.

-Que é rapariga? Essa gritaria toda para que?

-Que dia é hoje?

-Sexta-feira. Porque?

-Não é isso, Que número de dia?

-Oh rapariga, dás comigo em maluca. Hoje é dia 4. Que se passa?

-Porque estou lixada! Esta gaita já está oito dias atrasada.

- Já fizestes asneira? Este teu juízo, ou melhor, falta dele não te auguram nada de bom. Eu já estava admirada que isso só tivesse acontecido agora. Não prestas para nada, a não ser para me dares desgostos.

-Mãe não seja assim. Oh pá… são coisas que acontecem. Eu sou gira e tenho que viver a vida.

-Desgraçada! E quem é o sujeito que te fez isso?

-Sei lá! Pode ser o Augusto, o Gilberto, o Vítor, o André ou o Ricardo.

-Valha-me Deus! Ao que o mundo chegou. E agora o que pensas fazer?

-Sei lá! Agora vou fazer uma dessas cenas para ver se estou grávida. Depois ou estou ou não estou.

-Isso é uma verdade de Monsenhor La Palisse

-Que merda é esse do tal Monsenhor?

-Esquece! Se tiveres prenha que pensas fazer da tua vida?

-Ora vou ganhar umas massas. Cada um dos gajos dá-me pasta para a parteira. Recebo de cinco e pago um, logo fico a ganhar quatro. Se não estiver ,digo que estou, eles pagam na mesma e ainda ganho mais. Diz lá que eu não sou esperta!

-Meu Deus criei um monstro!