sábado, 28 de agosto de 2010

O segredo de um quintal cimentado




Habituei-me a vê-la todos os dias sentada num pequeno banco à porta da sua casa.
Tinha uma idade indefinida, a pele encarquilhada em sulcos de pergaminho emolduravam uns olhos vivos, inquietos. Andavam sempre num constante vaivém na procura de quem vinha, de quem ia e de quem passava. Nada lhe escapava.

Foi, talvez, no ano passado que a conheci, foi uma coisa do acaso, daquelas situações que nos acontecem.

Ia eu apressado a caminho do transporte quando de forma inesperada um pombo me atingiu na manga do casaco com aquela coisa mal cheiroso que os queridos animais largam sem pedir licença.

Fiquei, devem calcular, pior que estragado olhando para uma manga besuntada daquele tão mau aromático produto.

Ouvi, então,a Dona Carmem, numa voz lamentosa chamar:

-Meu senhor, venha cá que eu limpo o seu casaco com um pouco de água quente.

Fui mesmo, não me podia apresentar à entrevista naquele estado.

Limpou a porcaria e depois com um pano embebido em água quente deixou a manga como se nada tivesse existido.

Desta forma começou a nossa amizade e, agora, sempre que passo pela rua da Dona Carmem temos um largo paleio.

-Sabe meu senhor eu não me chamo Carmem! Quando vim servir para Lisboa, tinha 16 anos, a minha senhora disse que o meu nome não era próprio para uma menina e eu escolhi outro, escolhi Carmem.

Gostava desse nome, era igual ao de uma artista espanhola que me encantava.
Fiquei Carmem e esqueci o nome que a minha madrinha me tinha dado que era Hermengarda, como se isso fosse nome para gente.

Foi uma senhora muito importante na minha vida, tratou-me como se eu fosse da família. Estive nessa casa até casar, casei com 22 anos e vim morar para aqui.

O casamento foi o maior erro da minha vida. Enquanto namoramos ele era o rapaz mais gentil que conheci, educado, cheio de atenções e no primeiro ano de casados também foi assim, Depois mudou e os maus tratos começaram, chegava perdido de bêbado, implicava com tudo e daí até as agressões não tardava nada. Andava toda negrinha.

-Mas, balbuciei eu, porque não fez queixa dele?

Abriu os olhos, fez um beicinho que lhe vincou mais as rugas do rosto.

-Naquele tempo? Não valia a pena, a polícia dizia que entre marido e mulher ninguém metia a colher.

Era levar e andar calada porque até, com vergonha, escondía das vizinhas.

Fiquei sem saber o que dizer, mas ela continuou:

-Foram 10 anos de sofrimento até que ele desapareceu de uma vez por todas.

Mas, perguntei eu:

-Desapareceu?

-Sim, faz no dia 10, do mês que vem, 35 anos que o maldito desapareceu para nunca mais voltar.

Sabe que nunca esqueço o dia, porque foi nesse que eu cimentei o meu quintal, era de terra muito macia, mas eu cimentei-o. Já tinha comprado as pedrinhas, julgo que se chamam gravilha, e o cimento. E eu próprio fiz o trabalho, tinha visto como o meu pai, que era trolha, fazia.

E, perguntei eu:

-O seu marido nunca mais deu noticias?

-Nunca mais para alegria da minha alma. Passados dois anos a polícia chamou-me para dizer que desistiram da busca, que se calhar tinha ido para o estrangeiro.
Para o estrangeiro! Só sei que o maldito nunca mais me apoquentou.

-Mas, perguntei eu, porque cimentou o quintal nesse dia? Isso faz-me confusão.

Olhou-me com o sorriso mais enigmático que eu alguma vez tinha visto. Sorriu e baixando a voz segredou-me:

-Sabe porque lhe faz confusão eu ter cimentado o quintal?
Sabe?

-É porque o senhor é mais esperto que os polícias todos.



terça-feira, 24 de agosto de 2010

Roteiro de umas férias




Programámos a saída para as 8 da manhã, saímos às 10, os habituais atrasos das mulheres.

Rumámos a Porto Covo à procura da tranquilidade das tardes calmas desta vila. Foram três dias de pura ociosidade, com umas idas à praia ao entardecer, quando o Sol já não deixa marcas no corpo. Ficávamos até o astro desaparecer num horizonte avermelhado, prenúncio de mais um dia de calor intenso.

Ao fim do dia íamos até ao Café Marques beber a bica e acabávamos a noite lambuzados por um gelado, daqueles que engordam mesmo... mas que nos sabem tão bem. Férias são férias.

Depois, como que num regresso às origens e numa procura do alento que nos alimenta a alma, nos conforta o espírito e nos acalma as saudades fomos ao Alentejo profundo, aos recônditos de uma província esquecida.

Foi uma travessia por entre os raios de um Sol abrasador que tornava a estrada um tapete luzente e cheio de reflexos. Paramos em tudo onde os líquidos frescos pudessem mitigar esta secura que se apoderava de nós.

Finalmente Amareleja, terra parada no tempo, onde o sossego só é quebrado por alguma mosca entediada que teima em nos azucrinar a paciência.

Amareleja, vila perdida na imensidão do nada, onde o calor fustiga de forma tão intensa que até as próprias aves que se afoitam a cruzar o espaço caiem numa agonia de morte.

Quando a tarde ia esmorecendo os raios de calor, continuámos até Sobral d’Adiça, pequena aldeia empoleirada na serra do mesmo nome. Ruas desertas. Só à porta de alguma taberna, mais fresca, alguns homens olhavam curiosos para quem se atrevia a bulir com a calma de uma tarde quente.

Foi apenas uma passagem na tentativa de descobrir um mistério que anda comigo, que faz parte de mim. Mas... ainda não foi desta.

O dia estava a acabar e o nosso apetite leva-nos até Safara, ao Restaurante Arcada. Para mim é poiso obrigatório. Pelo telefone já tinha encomendado o Ensopado de Borrego, nem todos quiseram, mas eu não dispenso. Estava, como sempre, divinal.

Fomos pernoitar a Santo Aleixo da Restauração, pequena aldeia onde o tempo parou, mas que me enche de tão boas e gratas recordações. Só me apetece fechar os olhos e ficar numa letargia que me retempere.

No dia seguinte, depois de um pequeno-almoço diferente, com um pão próprio, um queijo especial, umas “popias” alentejanas e uns bolinhos folhados com gila, deixámos já com saudades, este pequeno pedaço do passado e continuamos para a derradeira fase destas curtas férias.

Que me perdoem os que se arvoram na defesa do “faça férias em Portugal”, mas os hábitos, os preços e as condições levam-me a outras paragens, tão próximas e tão diferentes.

Punta Umbria foi o destino seguinte.
Magnifica, feita para o turismo. Imensos quilómetros de praias com dunas de areias douradas, mar calmo, duma tranquilidade que convida e com águas com uma temperatura que corpo agradece.

De manhã partíamos à descoberta, para a tarde escolhemos a Praia de La Bota. Porque? Calhou, gostamos de uma praia isolada entre pinhais, dunas de areia fina, águas quentes.

Havia muita gente, mas pela dimensão não se notava.

Ficávamos até que o Sol mergulhava, também, na quietude do mar.

À noite perdíamo-nos na multidão, no marisco fresco, nas “cañas” geladas e nas conversas até que o sono nos vencia.

Agora olho para os papéis que esperam por mim, para o computador que hiberna até que lhe carregue no botão.

Adeus férias, voltemos ao trabalho









terça-feira, 3 de agosto de 2010

Finalmente






Vou de férias.

Vou andar por ai ao sabor da vontade, sem horários e sem roteiros.

Quero espreguiçar-me ao Sol, rebolar na areia, tomar o pequeno-almoço na esplanada, vou esquecer que existe televisão e não vou comprar jornais.

Vai ser mesmo BOM