sábado, 23 de julho de 2011

Vou de férias, mas volto breve.



Dançar é como caminhar nas nuvens em alegres rodopios


Estive, há dias, a apreciar um grupo de jovens a dançar.

Era uma mistura de rapazes e raparigas. Não se sabia bem quem dançava com quem.

A dançar, disseram eles, pois o que eu vi foi apenas um ritual de movimentos desconchavados e sem qualquer ligação com aquilo a que chamamos, normalmente, dançar.

 Um levantava o ombro direito, como se algo na roupa o estivesse a incomodar, enquanto na sua frente, o outro abanava a cabeça em suaves movimentos de rotação.

Uma das raparigas, parecia possuída de alguma desagradável comichão, pois o seu tronco, parecia coçar-se numa mão imaginária.

Havia, de facto, para todos os gostos. Desde os que abanavam um pé, como se quisessem confirmar que o mesmo ainda se encontrava agarrado à perna, enquanto outra rebolava as imensas nádegas num saracotear despropositado.

Todos com um ar absorto, alheios, como se não estivessem ali a abanar-se ao som de um tum...tum...tum....tum...que parecia não ter fim.

Lembrei-me, então, como antes era diferente o dançar. Agarrados num agradável amplexo, corpos cingidos num ritmo que nos embalava e conduzia.

Tempos modernos, coisas que me ultrapassam.

Mas que fazer quando se começa a ser coroa.

Que saudades!

domingo, 17 de julho de 2011

O café da manhã





Todos os dias passava à minha porta deixando no ar a fragrância de flores acabadas de colher.

Não se pode dizer que fosse bonita, mas tinha um encanto muito especial.

Rosto um pouco anguloso, pouco feminino. Lábios carnudos e palpitantes e uns olhos negros, penetrantes que prediziam um mundo de promessas e paixão.

Os cabelos de um negro corvino balançavam ao ritmo de um andar bamboleante.

Caminhava com um saracotear que obrigava os nossos olhos a um balançar constante.

Transportava no regaço dois hemisférios, marmóreos e palpitantes.

Corpo esguio, curvilíneo e com uma “felinidade” que nos deixava presos num mar de pensamentos, de emoções e de desejos.

Era o nosso madrigal para um dia motivado.

Era como o café da manhã. Quente e reconfortante.

Sabia que fazia os corações palpitar ao ritmo do seu andar.

Sorria, num sorriso de dentes alvos. Gozava com o desconforto dos basbaques e dos mirones de boca-aberta.

Sentia-se feliz, distribuindo encanto.

Passava confortável com o desconforto dos que se alimentavam do aroma que os inebriavam.

Era o motivo para um dia mais feliz.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

O meu canto






Os salpicos do meu Blogue, são lágrimas da minha vida;

Pedaços que o tempo deu, memória nunca esquecida;

São lamentos que eu deixei. São coisas do meu passado;

Ternuras que recebi, dum destino mal fadado;

Agruras nunca esquecidas, que carrego no meu ser;

Imagens que nunca morrem, não as quero deixar morrer;

Grito, lágrimas e desgosto que o destino me reservou;

Saudades, que me atormentam, de quem foi e me deixou:

São ressaltos disfarçados em poesia sem rima;

Para enganar a tristeza que me postaram em cima;

São canções que eu não canto e ninguém as quer cantar;

Emoção tão reprimida, que ainda me há-de me matar;

Lágrimas do meu sofrer. Poemas do meu sentir;

Saudades do que passou, medos do que está para vir;

Tormentas que me angustiam de forma tão dolorosa;

Saudade do que não tenho, nesta vida tão penosa;

Romance do infortúnio, que um dia hei-de escrever;

Palavras por mim gravadas que ninguém irá ler;

Renascer no tempo vindo, num tempo que chegará;

Num dia que não existe e que nunca existirá;

Morrer como quem nasce, na dor de quem nos pariu;

Deixar por fim esta vida... pensando que não existiu.


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Percurso...




Saltei dos bancos da escola
Para a dureza da vida,
Deixei de lado a sacola,
Ficou a infância esquecida;

Fui poeta, fui cantor
Quanto amei e fui amado!
Fui camponês, lavrador.
Fui herói e fui soldado,

Andei por terras da além,
Sem saber que procurar.
Não encontrava ninguém
Ninguém me queria encontrar;

Por muitos fui esquecido
Nesta luta sem ter fim
Não perdi, nem fui vencido
Nesta existência ruim.

Só tenho o que me sobrou
Da caminhada esquecida,
O pão que o diabo amassou
É o que me resta na vida.

Tantas mulheres que eu amei
Muitas raças muitas cores,
Mas nunca as esquecerei
Diferentes nos seus amores.

Lutei, andei para frente
Nunca me deixei vencer,
Pois sempre tive na mente
Antes quebrar que torcer.

Mas um dia que já passou,
Finalmente fui vencido
Foi tudo, nada ficou
E agora ando perdido.

Perdido para todo o sempre
Por tudo o que me levou,
Ando esquecido entre a gente,
De mim, nada mais restou.

Eu era um crente total,
Até muitas vezes rezava,
Agora por bem ou para o mal
Já não creio em mais nada.


quinta-feira, 7 de julho de 2011

As aparências....





Alguém escreveu:

…sinto falta do escritor instigante, digamos "sapeca" e super criativo

Vou tentar matizar. Pode ser?






Tinha um porte que merecia respeito.

As mulheres, sempre que aparecia no escritório, ficavam doidonas e davam gritinhos de aprovação.

Diziam que era um pão, que era a receita exacta para ser genro das suas mães, e outros sem número de baboseiras.

Na realidade tinha uma bonita figura, alto, esguio e com um porte atlético invejável. Era, quase, um Adónis.

Tinha um cabelo loiro, ondulado, revolto e que mantinha numa estudada forma de casualidade.

Os olhos tinham uma cor indefinida, que se estendia entre um azul-turquesa e um cinzento claro.

O sorriso, sempre afivelado, deixava luzir uns dentes brancos e bem tratados.

De uma cortesia que por vezes se tornava servil, mantinha os corações de todas as “gajas” daquele escritório, num constante alvoroço de suspiros.

Todas à espera de um convite para o cinema ou para uma visita a um qualquer museu. Sim, naquela altura mais do que isso, seria arrojo.

O seu passado tinha algo de romântico e secreto o que ajudava toda aquela aura de mistério e desejo.

Era cubano, refugiado. Tinha fugido a um regime que o não aceitava.

Confesso que nós, os outros homens, sentíamos alguma inveja com tanta deferência.

Mas tínhamos que nos render a uma evidência, de facto o G., vou chamar-lhe assim, tinha sido bafejado pelo distribuidor da beleza num dia e que todos os outros estavam distraídos.

Um dia, recordo como se fosse hoje, a notícia chegou como uma bala.

As mulheres não acreditavam, diziam que eram estórias de invejas. Vi mesmo algumas lágrimas rebeldes.

Os homens, esses, rejubilavam empolados, com toda a testerona à flor da pele.

O G., foi apanhado de joelhos em frente ao seu ajudante e, disso temos a certeza, não estava a rezar.

Nunca mais soubemos do tipo.

Tal como tinha surgido se eclipsou.

No nada.


quarta-feira, 6 de julho de 2011

HAHAHEL




A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se...... (Declaração dos direitos da criança).





Apeteceu-me tirar a mochila, enche-la de sonhos, esperanças e ilusões.

Fazer-me à estrada.

Voltar ao passado, percorrer caminhos já antes trilhados.

Reparar os sonhos nunca antes realizados.

Pedir a Hahahel umas asas, sólidas para que o Sol, tal como às de Ícaro, não as derreter.

Estar outra vez contigo, luz dos meus olhos, ouvir a tua voz sábia e beber
avidamente tudo o que não tivestes tempo de me dizer.

Pegar e reparar os estilhaços de amores mal resolvidos.

Não ir trabalhar aos doze anos. Ir para a escola. Ir estudar.

Mano António queria chegar a tempo de impedir que qualquer Deus te levasse. Preciso de ti, mal te conheci mas sinto tanto a tua falta.

Encontrar uma mão que me levasse é escola e me libertasse de todos os fantasmas.

Ter Natais como todas as outras crianças, com doces e brinquedos.

Não ter medo do escuro, da noite, da solidão.

Ser um menino como os outros e saber sorrir.






domingo, 3 de julho de 2011

Olhos negros……




Estavam ao meu lado os olhos mais negros que jamais me tinham fitado.

Corpo esguio, cabelos desgrenhados pela sujidade acumulada, rosto magro e
vincado pelos infortúnios do dia-a-dia.

Não tinha mais que oito anos mas parecia arrastar em si a decadência
de uma geração.

Mirava-me do fundo daqueles fundos lagos de escuridão com uma súplica
nos lábios gretados.
Na mão estendida a caixa de pensos rápidos, no rosto a tristeza vincada
por muitos medos que um sorriso triste não conseguia disfarçar.

Olhei fascinado para o mundo de tristeza e desespero que aquele olhar
deixava aperceber.

A custo uma cansada voz, deixou o pedido:

-Compre senhor!

Fiquei fascinado pelo sumido grito de desespero, pela reza do apelo.

Os olhos negros, profundos, presos na montra dos doces e a mão
estendida com a súplica na voz entoavam no mundo vazio que me rodeava.

-Queres um bolo? Perguntei para quebrar o drama de uma vida e disfarçar
a vergonha que de mim se apoderou.

Estendeu um magro dedo e apontou.

Agarrou e com um sorriso cinzento arrastou o corpo esquálido para o Sol que
lá fora, continuava a brilhar.

Deixei o donut, larguei o café e sai envergonhado por andar indiferente ou
não querer ver os dramas escondidos à vista de todos.