terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Na praia





Eu vi… quando emergistes da onda como deusa das águas, cabelos revoltos em espuma, seios como promontórios de cumes rosados. Figura mágica de beleza que inebria.


 Eu compreendi … os olhos dos homens embalados pelo teu andar. A inveja das mulheres quando caminhavas na areia encharcada. Diva de corpo coleante, sorriso de marfim. 
   

Eu senti …. os teus olhos procurando os meus. Lábios de carmim húmidos de sensualidade, sorriso de Sol radioso. Beijo salgado que adoça a fome dos meus sentidos.


Eu entendi … o chamamento do teu corpo. Doçura de cabeça em descanso na almofada do meu peito. Corpo agitado, olhos ternos, boca ardente.


Eu percebi...o dia acabou a noite vai começar.






domingo, 22 de janeiro de 2012

Minha rica orelha ou uma coisa melodramática






Não sei se era o Sol que de repente começou a entrar pelas frestas da persiana, ou se era o cantar dos pássaros que em suaves trinados me iam despertando, A verdade é que abri os olhos com a sensação de não saber onde me encontrava.

Olhei com curiosidade tudo o que me rodeava, uns quadros na parede com motivos campestres que me eram, totalmente, desconhecidos e no tecto um candeeiro de vidrinhos que iam brilhando à medida que a luz ia rompendo a penumbra do quarto.

A pouco-e-pouco as ideias iam surgindo de uma forma difusa embora as minhas recordacões não me permitissem, ainda, descobrir porque estava a despertar num ambiente que me era desconhecido.

Tirei uma perna com dificuldade, o corpo doia-me e havia em mim um torpor desconfortante, mas a custo conseguí por-me de pé e cambaleando aproxime-me da janela para expreitar onde me encontrava. Foi com multo custo que conseguí levantar as persianas e olhar atravez de umas grossas grades que me separavam de um terreiro onde algumas árvores de fruto amenizavam a aridez do terreno.

Arrastando o corpo, onde todos os ossos reclamavam, tentei a porta do quarto que nem se mexeu, embora o meu muito esforço.

Voltei a sentar-me na cama a tentar recordar como vim aquí parar e o que podía ter acontecido para me encontrar nesta clausura. Voltei a insistir, mas a porta apenas me causava gemidos, à medida que os meus músculos se esforçavam na tentativa de fazer ceder a cortina que me separava do dia lá fora.

Aos poucos os vapores que me toldavam o cérebro estavam a libertar os meus pensamentos. Havia como que uma imagem difusa, a bebida, a mulher e aqueles dois homens que me ampararam quando tombei.
Depois uma escuridão que não me deixa ver mais nada.



Quando entrei no bar, senti o sorriso e aquele olhar eivado de promessas e o jeito dengoso de mil caricias.
Quando me perguntou se lhe pagava um copo, eu já estava naquela fase parva em que passei pensar com a parte menos adquada do corpo.
Afivelei o meu melhor sorriso antes de peguntar o que estava a beber.

Olhou-me, quase descarada, sorriso de mel escorrendo nuns lábios de cerejas maduras.

Ajeitou o corpo na cadeira e pestanejou antes de me responder:

-Estava a beber um daikiri mas bebia outro.

O empregado olhou-me esperando o meu assentimento.

-Traga dois por favor.

- Espere, eu vou buscar e coleou o corpo num jeito que me deixou embasbacado.


Voltou com os dois copos e poisou as bebidas, enquanto com um olhar doce me ia seduzindo.

Antes de pegar no copo, estendeu-me uma mão esguia e bem cuidada.

-Sou a Jenice e o senhor, se não me engano, é o doutor Seabra?

Mas, balbuciei:

-Como sabe o meu nome?

-Mas quem não sabe? O jovem mais desejado, o futuro herdeiro da família Galiano Seabra !

-Bom, muito me conta, e eu que pensava vir a um bar, beber um copo como qualquer, passando despercebido.

Não me estava a sentir muito bem, era a cabeça que girava de forma descoordenada.

Senti-me desfalecer e, ainda, me apercebi de uns braços fortes que me arrastaram antes da queda.

Depois, só o escuro.



Era isso! Foi a bebida que me drogou e agora estou encerrado neste quarto com uma porta à prova de arrombamento e com umas janelas com poderosas grades.

Só não sabia o motivo.

Alguém estava a abrir a porta, ia finalmente saber o porque desta clausura.

Era um gajo enorme, de tal forma que a pistola que empunhava parecia um brinquedo.

Deu-me um empurrão que me atirou, como se fosse uma folha,contra a parede.

Largou uma gargalhada perante a minha fragilidade antes de sibilar

-Ouça rapazinho mimado, vamos ver se os seus paizinhos largam o gito antes de cortar uma orelha do seu menino! Vão saber que não estamos a brincar. Têm dois dias para arranjarem a massa.

Deu uma gargalhada, deixou um prato de alumínio com algo que devia ser a minha refeição. Cerrou a pesada porta e, pelo barulho dos passos, afastou-se.

Era então isso, fui raptado e os velhotes estavam a ser pressionados para pagarem um resgate. Tinha que pensar, tinha que arranjar uma maneira de escapar. Mas como?

Estava entre quatro paredes, num quarto estranho, uma espécie de cela com uma cama, uma mesa redonda e uma cadeira com um forro desbotado, ao canto detrás de um biombo uma sanita e um pequeno lavatório.

Perscrutei o que a minha prisão me mostrava, para além das arvores mal tratadas, mas apenas me era dado um céu muito azul matizado com pequenos cirros.

Estudei as grades, mas além de grossas estavam bem entroncadas na parede de pedra pelo que seria impensável qualquer tentativa por este lado, restava a porta que parecia solida como um rochedo.

Comi o que me deixaram no prato, uma massa espapaçada com carne. Não sei se foi a fome ou se a cozinheira era boa, pois apesar de tudo estava saborosa.

Comecei num quase desespero e sentia o que os meus pais estariam sofrendo, se saberem bem o que deviam fazer. O meu pai era um grande empresário mas, ultimamente, era eu quem geria os  negócios, pois a sua saúde não era a melhor.

Mandar uma mensagem era impensável, pois tinham-me tirado o telemóvel.

As idéias andavam baralhadas no turbilhão no meu pensamento, fugir era impossível, mandar mensagem estava fora de questão . Alem de não ter telemóvel também não sabia dizer onde me encontrava.

Pensei, idéia louco, atacar o guarda quando ele voltasse a aparecer mas era tão grande e ainda armado que seria pura loucura ou suicídio.

Sentei-me no chão, ao canto da sala, cogitando uma solução.

Da fora, muito ao longe, escutei o barulho de uma mota, sinal de que havia um caminho não muito longe.

Lentamente ia escurecendo e eu sentia uma tristeza e impotência que me mantinha totalmente em alerta. Ouvi, novamente, uns passos que se aproximavam, o desespero tomou conta de mim. Olhei em redor e nada que pudesse servir de arma.

Abriram a porta e senti um grosso ferrolho que, certamente, a fechava por fora.

Era outro, também, grande e atlético como o anterior mas menos agressivo.

Disse boa noite, tirou o prato e deixou uma tijela de sopa e um naco de pão.

Tinha uns olhos frios e pouco amistosos, mas apesar de tudo não usou de nenhuma violência, apenas disse:

-Coma porque tudo se vai resolver. Deixou um sorriso tão duro que senti como se uma lâmina de aço me tivesse atravessado.

Senti o fecho a trancar a porta e uns passos a subir, ou descer, uns degraus. Depois o silêncio.

Tinha que agir depressa pois o tempo começava a jogar contra mim, não tardava e vinte e quatro horas estariam gastas e, essa ameaça, de cortar uma orelha podia ser a sério.

Foi uma noite de insônias, sonhos tenebrosos, um barbeiro com uma afiada navalha de barba corria atrás de uma pobre orelha. Tão estranho uma orelha separada do corpo.

Acordei cedo, ao longe ouvia um galo cantar, e o sol começava a despontar. Não sei as horas pois o meu relógio desapareceu.

A minha cabeça não parava na procura de uma idéia, algo que me ajuda-se a encontrar uma saída, uma pista para me libertar.



Uma ideia começou a florir na minha mente, era quase louca mas o que me restava afinal? Tinha duas alternativas, uma a mutilação, até mais certo a morte, na outra a esperança de lutar pela sobrevivência. Lembrei os meus pais o que estavam a sofrer, e de uma forma especial a minha mãe com todos os problemas de coração.

O plano era simples se eu conseguisse algo que servisse de arma, um tubo, um pau ou algo para dar uma pancada forte e pôr a dormir uma dos gorilas que me visitava.
Era isso mesmo, a cadeira, se eu conseguisse tirar uma perna era uma boa arma.

Foi uma tarefa difícil mas ao fim de algumas hora e a muito custo, consegui.

Era um bom pedaço de madeira dura que usado de forma certa e com força podia resultar.

Agora tinha que engendrar o resto do plano.

O que sobrou da, cadeira, foi para debaixo dos lençóis que juntamente com as almofadas davam a sensação de estar alguém deitado. Dei os últimos retoques e pareceu-me perfeito. Agora ia esperar ouvir os passos, esconder- me detrás da porta e rezar para que tudo resultasse.


Não tardou uns passos no exterior anunciavam a indesejada visita.

Entrou e gargalhou:

-Então o menino quer o jantarinho na cama?

Reuni toda a minha força e descarreguei, violentamente, a improvisada arma na cabeça do carcereiro. O pau partiu mas ele tombou como que anestesiado.

Retirei-lhe a pistola, fiz o lençol em tiras para o amarrar e amordaçar.



Era um corredor e estava vazio, tinha que me despachar antes que estranhassem a demora. Ao fundo uma janela, sem grades, dava para o terreiro das árvores que atravessei numa corrida, até uma estrada deserta.

Corri doidamente na esperança de um carro que me pudesse salvar. Apareceu uma carrinha, gesticulei desesperadamente até que o condutor parou.

A polícia conseguiu apanhar os três meliantes, dois homens e a tipa que compartilhou comigo a maldita bebida.

Minha rica orelha! Ufa!


domingo, 15 de janeiro de 2012

Momentos






Nada mais havia a acrescentar. Tudo o que havia a dizer já fora dito. O ódio fazia parte do seu dia-a-dia.

Desde muito cedo que o vinha acumulando. Cada dia que passava, mais e mais se enraizava aquele mal-estar que lhe azedava o espírito.

Veio para a cidade ainda menino. Quando o meteram na camioneta olhou com saudades tudo o que deixava para trás, o Miranda seu companheiro de aventuras, a Manca assim se chamava a velha burra em cujo dorso era o herói que cavalgava por montes e vales.

 sentia saudades das sortidas á horta do Senhor Miguelito, onde saciava a fome que a malga de feijões e o pedaço de broa lhe deixavam.


O barulho do motor da camioneta misturado com todas as conversas chegavam ao seu cérebro de forma difusa e mais aumentavam a confusão que lhe ia na cabeça. Apenas sabia que o Senhor padre lhe tinha arranjado um emprego na cidade, onde diziam que iria trabalhar para vir a ser um grande homem. Só não compreendia porque precisava de ir tão longe e o não deixavam ser homem mesmo ali na sua terra.

 O Chico Ventura era o homem que todas as moças queriam conquistar, diziam que o maior e mais valente de todos e nunca precisou de sair da terra para ser homem.



 Finalmente a camioneta começou a sua marcha cansada a caminho da grande cidade.

 Olhou, pela primeira vez, os restantes companheiros de viagem.

Ao longe ainda conseguiu ver a torre da Igreja que lhe parecia acenar num adeus, que o deixou com uma lágrima que disfarçou com o punho da blusa. 

Durante muito tempo foi vendo os campos que pareciam fugir. Quando paravam havia um mar de pessoas á espera de quem chegava ou as despedidas de quem partia.

Depois novamente a estrada, as vacas que pachorrentamente olhavam a camioneta enquanto mastigavam a tenra erva.

Finalmente o sono tomou conta do corpo franzino, de tal forma que nem se lembrou de comer o farnel que a tia Alzira lhe tinha preparado.



Ia fazer um ano que deixara a terra. Como se lembrava, ainda, da viagem e do dia em chegara a Lisboa. 
O Miguel, o seu colega, estava à espera, e com o saco dos poucos haveres tomaram um eléctrico que deslizava por entre o meio da confusão de carros e de pessoas que passavam apressadas indiferentes a tudo os que  as rodeavam.



A taberna era enorme, com um grande balcão coberto por uma pedra preta onde os homens pousavam os copos. Algumas mesas dispostas, de forma irregular, onde o dominó dominava a atenção. Grandes pipas encostadas as paredes completavam o resto do cenário.

Entrou amedrontado e tremeu quando o seu patrão, o Senhor Ernesto, com o sobrolho franzido avaliou a fraca figura que o padre lhe tinha enviado.

-Então o que sabes fazer meu rapaz?

-Senhor, sou o melhor a levar as cabras e as ovelhas para o pasto. Gargalhada geral.

-Pode crer que é verdade! Nem o meu pai consegue melhor que eu.

Quem passava á porta parou para ver o motivo de tanta galhofa. Os homens largaram os copos e punham a mão na barriga para se conter.

Não percebia o motivo de tal risota, ou seria que todos aqueles pensavam que era fácil levar e recolher os animais, carregar com os cabritos recém nascidos!



Nessa noite sentiu todas as saudades do Mundo. Pensou na tia Alzira que lhe mitigava a fome com uma fatia de bolo com mel, no Miranda que agora tinha a Sofia toda para ele, na Manca que o tornava rei das pradarias, da mãe que um dia fechou os olhos e abalou. Até o pai, sempre tão severo, lhe veio ao pensamento.

Nunca teve tanta vergonha.

Adormeceu engolindo o desejo de chorar.



Viveu, assim, dois anos de maus-tratos, de fome, de injúrias.

A resistência estava cada vez mais abalada, o ódio fazia parte do seu ser.


Um dia a taberna não abriu. Foi necessário arrombar a porta.

O proprietário Senhor Ernesto, estava morto, figura macabra. Um fio de sangue escorria num canto da boca.



O Lino não apareceu, a tarimba estava vazia.

Nunca mais o encontraram, ninguém sabe dizer o que aconteceu.



Na terra dizem que nas noites estreladas, um jovem pastor, apascenta o mais bonito rebanho de brancas ovelhas e, tal como Pã, corre pelos bosques deixando as mais belas melodias.
  

Afirmam que é verdade, mas ninguém tem a certeza.......


 





segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Foi assim que aconteceu…ou o sonho de uma noite mal dormida.

Qualquer facto, semelhança ou parecença com algo que tenham visto, lido ou escutado será por mera coincidência.
Isto foi um, ou é, sonho meu.
Que me perdoem.






Há coisas difíceis de explicar, foram enraizadas no espirito das pessoas ao longo dos séculos e ficam como que fazendo parte da própria existência. Não vale a pena tentar contar a verdade, ninguém vai acreditar, pois ainda nos olham de través como se, o que dizemos, fosse alguma heresia.

Era um dia de Dezembro, Jedi acordou mais cedo com a agitação da mulher. Miriam estava com dores e, não admirava nada que a hora do parto estivesse próxima. Olhou-a de forma terna, passou-lhe a mão rude pelo rosto antes de lhe dizer:

-Vou chamar a tua mãe, ela vai tratar de tudo, a tua hora está próxima, não tarda, vamos ser brindados pelo   Senhor com uma criança para dar sentido á nossa vida.
 Pousou-lhe um leve beijo na testa e saiu para a quietude do dia que estava a nascer.

Jedi era carpinteiro, naqueles tempos era uma arte difícil, não havia ferramentas apropriadas e só a habilidade dos artesãos para dar forma aos toscos objectos da época. Não tinha razão de queixa, havia sempre algo para fazer, arranjar as rodas dos carros que o empedrado dos caminhos quebrava, ou outros pequenos artefactos que lhe iam encomendando.

Conheceu Miriam em casa de Lucas e ficou, desde logo, preso pela beleza, pela suavidade dos movimentos, pela doçura da voz e, sobretudo, pelo encanto do olhar.
Sabia que ela era uma criança e ele, um homem feito, mas o coração não escolhe e se a família o aceitasse era ela a eleita para sua esposa.

Miriam também sentiu uma grande atracção por aquele homem maduro que de forma tão terna a observava e, quando ele lhe sorriu não foi capaz de desviar o olhar, como convinha a uma donzela e sorriu também.

Foi fácil, Jedi era muito conceituado, a mãe e os homens da família aceitaram o pedido e deram como esposa Miriam a Jedi.

Foi simples o casamento, mataram um borrego, dançaram no terreiro e o vinho animou a cerimónia.


A casa de Jedi era modesta, feita por ele, mas tinha conforto suficiente para o casal e para os filhos que o Senhor lhes reservasse.
Jedi amava Miriam e ela sentia, pelo esposo, uma adoração que não sabia bem explicar, dava-lhe uma segurança que ela não sentia desde que o pai morreu. Era terno, delicado e parecia adivinhar-lhe os pensamentos.

Agora que a idolatrada esposa ficou grávida Jedi sentiu que a sua vida fazia sentido, tinha um motivo para se sentir feliz, apetecia-lhe gritar para que todos pudessem partilhar da sua felicidade.

Foi procurar os seus únicos amigos, para poder compartilhar a alegria que o invadia e para dar larga ao orgulho que o deixava vaidoso.

Baltazar, Belchior e Gaspar, os reis das prendas, ficaram surpreendidos com a presença de Jedi e saudaram-no com alegria.

-Por aqui, Jedi, tão cedo! Olha que o Sol, ainda, mal aparece no horizonte!

Jedi acariciou as longas barbas, enrolou desajeitadamente o quipá entre as mãos nodosas, sorriu de uma 
forma tão franca que os outros ficaram surpresos.

-Não podia esperar mais, teriam que ser vós os primeiros a partilhar da felicidade com que o Senhor me abençoou, vou ser pai, Miriam está esperançada, um menino ou uma menina vem a caminho.

-Vamos saudar a tua alegria, disse Belchior, enquanto enchia quatro canecas de um delicioso vinho da sua colheita particular.


A hora estava a chegar, ia chamar Eli, sua sogra, para juntamente com as mulheres dos partos ajudarem Miriam nesta hora de sofrimento e de alegria.

Jedi gostava que fosse uma menina, mas sabia que Miriam sonhava com um menino, o Senhor, em toda a sua sabedoria  iria decidir.

Foi uma noite longa, as mulheres estiveram numa azáfama constante mas, eram cinco horas da madrugada, de um dia que se adivinhava frio, quando a criança deu o primeiro vagido.

-É um rapaz, gritou Eli, vão chamar Jedi!




Jedi rejubilou e esqueceu, desde logo, que tinha pensado numa filha.

Olhou embevecido o rapaz que tentava desajeitadamente mamar, enquanto Miriam olhava com doçura o rosto do filho e se apercebia da alegria do esposo.

-Jedi, disse Miriam, este é o filho que o Senhor nos mandou.

Jedi sorriu, a felicidade era tanta que nem se apercebeu das palavras da esposa.

-Vai ser Yeshua, vai ser esse o nome do nosso filho.

 Miriam gostou do nome, olhou o marido com ternura, depois adormeceu vencida pelo cansaço.




Yeshua cresceu feliz, ajudava o pai nos trabalhos do campo. Baltazar ensinou-o a ler com a Bíblia, Gaspar falou-lhe dos Romanos que os oprimiam e Belchior contou-lhe de um Messias que estava para aparecer.

Yeshua pensou, se vem um Messias é necessário levar a todos a palavra, anunciar a sua vinda, preparar o caminho para a sua chegada.



 Jedi morreu numa tarde quente de Verão, partiu sereno, com a mesma tranquilidade com que sempre viveu.

Yeshua não verteu uma lagrima, meteu-se ao caminho e começou a lançar a semente do que estava para vir.

Falou de coisas que as pessoas não entendiam. Dar a outra face, quando nos agrediam uma. Perdoar aos nossos inimigos. Dividir o nosso pão pelos que nada tem, não cobiçar a mulher do próximo.

Não havia dúvida que este Yeshua era um idealista, falava em sociedade sem classes, em sermos todos iguais e outras coisa que levaram os seguidores a pensar e a dizer baixinho, embora não sabendo ainda o que isso era:

-O fulano deve ser comunista!



Era estranho, os correligionários não entendiam os ensinamentos, mas gostavam e eram muitos os que se iam juntando, embevecidos nas suas palavras e promessas de um Mundo melhor e de um reino onde todos seriam iguais.


Certo dia na margem do rio Jordão, encontrou o seu primo João, um profeta que apregoava a vinda de um Salvador. João era um homem de grandes convicções. Baptizou Yeshua e gritou a necessidade de libertarem a sua terra do jugo dos Romanos.

Yeshua disse então:

-Vamos construir o nosso exército, enfrentaremos os Romanos e expulsá-los-emos para além deste mar que nos divide, mas sem usar a brutalidade. Vamos fazer como uma grande pacifista, Gandhi, que daqui a 1.900 anos, irá construir um grande estado, sem recorrer a guerras e a violências.

-Assim seja, gritaram os milhares de fiéis, enquanto entoavam cânticos de louvor a um Messias que estava anunciado.




Yeshua e os seus doze mais chegados companheiros, reuniram-se num jantar a que resolveram chamar a Ultima Ceia, para combinar a estratégia.
Dividiram o pão e o vinho, sem desconfiarem que entre eles um espião, Loudas, ia tomando nota de tudo para entregar ao inimigo a troco de 12 shekels de ouro.



  
Os romanos, bélicos, habituados a grandes batalhas, olharam incrédulos para aquele exército, mole humana, encabeçada por homens que apenas agitavam ramos de oliveiras e de palmeiras.

Foi uma hecatombe, dos poucos seguidores que restaram nada se sabe, parece que voltaram aos seus lares.


Segundo diz o livro, dos que se sentaram à mesa na tal ceia, julga-se que:

-Loudas apareceu pendurado pelo pescoço numa figueira. Quando chegou o IMEN já era cadáver.

-Onze emigraram, sabiam que isso um dia isso lhe iria ser sugerido, tornaram-se apóstolos e foram pregar o Evangelho por esse mundo fora.

-Yeshua não mais apareceu.


 Muito se fala, mas ninguém tem a certeza do que aconteceu.

 Pensam que morreu mas que ressuscitará.

Dizem os iluminados que um dia vai aparecer para consertar, se ainda for possível, este mundo que se está a afundar.






Ad imo corde, tenho esse direito, que seja em Portugal com uma vassoura para dar uma varredeira nessa corja que se governa e, que, tal como expulsou os vendilhões do templo, enxote os palradores do parlamento.


 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O padre o sacristão e a mulher





 O padre Zé Maria tinha um sonho, não era propriamente um modelo de virtudes, mas sonhava ter um dia uma estátua no Largo da Igreja a imortalizar a sua beatitude e bondade.

Mas sonhos são sonhos e, por vezes, atraiçoam os caminhos e desígnios dos pobres mortais, sujeitos às tentações que o criador na sua bendita sabedora, vai colocando no caminho dos pobres e incautos mortais.

Foi para padre, não propriamente por vocação, mas para fugir ao trabalho no campo que lhe estava destinado. Valeu-lhe o cónego Desidério que convenceu os pais e o encaminhou para o seminário.

Não foi fácil, a vida era dura e a inteligência nunca foi o seu forte, mas chegou ao fim e hoje estava nesta paróquia onde era admirado e respeitado por todos.

Ainda se lembrava no dia em que celebrou a missa nova, foi na Igreja da sua terra, e o orgulho dos seus pais foi a melhor recompensa, para aquela seca e sacrifício dos anos em que esteve amarrado às regras e exigências dum curso, em que lhes eram impingidas teorias e retóricas que, pensava ele, nada acrescentavam a este mundo.

Mas agora sabia que tinha valido a pena, assegurou o futuro e sentia-se confortável com a forma como os seus paroquianos o tratavam, respeitavam e o enchiam de mimos e atenções.

O trabalho era muito e, agora que festa da aldeia se aproximava, sentia que lhe era difícil dar conta do recado, amanhã ia telefonar ao Senhor Bispo, a pedir a ajuda dum padre que lhe desse algum alivio em tantas tarefas que tinha pela frente.

 Assim o pensou e assim o fez, e o Senhor Bispo com toda a sabedoria que o Pai do Céu lhe tinha concedido disse-lhe:

 -Oh padre Zé Maria, porque não arranja um sacristão para o ajudar em todas as lides da Igreja?                                                                                                                                            

Realmente, pensou Zé Maria, por isso é que ele é Bispo para se lembrar das coisas certas e para resolver todos os problemas.

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Não conhecia ninguém para essa tarefa mas, amanhã ia falar com o presidente da junta de freguesia que decerto o ia aconselhar.

O presidente da Junta, José Serôdio, garantiu-lhe ter, numa aldeia próxima, um tipo que podia dar um belo sacristão, assim ele estivesse disposto a isso.

Era educado, temente a Deus e estava desempregado, amanhã mesmo ia conversar com ele e, se estivesse interessado, mandava-o falar com o padre Zé, que agradeceu com um Deus o abençoe.


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O rapaz tinha bom aspecto, parecia educado e estava disposto a começar em breve, era só mudar para a casa da Igreja.

O padre respirou de alívio, o sacristão percebia do assunto, diligente e com um sentido de organização que deixava o sacerdote feliz. Podia, enfim, dedicar-se à igreja sem a preocupação e as burocracias que tanto detestava e que, ao mesmo tempo, tanto o ocupavam, não só por ser desorganizado como por alguma inaptidão para assuntos que fossem além do que aprendeu, tal como missas, casamentos, baptizados e funerais. Agora estava tranquilo.

Terminada a eucaristia das 9 horas, Serafim, assim se chamava o sacristão perguntou:

-Senhor Padre não se importa que a minha mulher me ajude nestas lidas? Além de me dar jeito também é bom para ela não estar tanto tempo sozinha.

-Não sabia que eras casado, ripostou o padre, mas por mim tudo bem, a igreja só tem a agradecer. Mas já me devias ter apresentado a tua mulher, afinal esta casa também vai ser a dela.

Serafim corou, de fato devia, mas era um bocado tímido.

-Peço desculpa, senhor padre Zé, mas ela esteve a assistir à cerimónia e ainda está na Igreja, eu vou chamar.

Quando Zulmira entrou na sacristia, o padre ficou estarrecido, era padre mas não deixava de ser homem. A rapariga era mesmo o género que bulia com o pequeno demónio que o habitava. Era uma moça roliça, peito arfante num apertado corpete que deixavam ver duas calotas esféricas, túmidas e tentadores. O padre estendeu a mão, quase tímido, enquanto os olhos continuavam hipnotizados na visão que o perturbava.

Zulmira flectiu o joelho e pousou-lhe um leve beijo no dedo médio e pediu:

-Sua bênção senhor padre.

- Que Deus te abençoe minha filha, disse o padre, enquanto pensava quanto gostaria de ser ele a abençoar.

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A grande festa da aldeia estava próxima, os filhos da terra, emigrantes, que labutavam por esse mundo fora estavam a regressar às origens, as ofertas à Santa Padroeira, fruto das promessas dos devotos, iam enchendo o manto da imagem, que tinha que ser guardada não fosse algum amigo do alheio ser tentado pelos anéis, fios, pregadeiras de ouro e imensas notas que o cobriam.

O nosso padre andava perdido entre o dever e o pensamento que o atormentava, bem pedia a Deus força para resistir mas, o pai, ou não queria ou não podia ajudar.

Os pensamentos, santos, do padre estavam a tornar demoníaca a sua vontade, e o seu cérebro estava a cogitar a forma de poder encontrar-se a só com o motivo dos seus desejos, a Zulmira.

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Ia mandar, amanhã, o Serafim à cidade para comprar umas tantas coisas necessárias para ter a Igreja divinamente paramentada no dia da procissão. Ia de manhã, na carrinha da paróquia, e deveria voltar ao fim da tarde. Entretanto, o inocente padre, ia requisitar a Zulmira para o ajudar nos assuntos da sacristia.

O marido entrou na carrinha e Zulmira foi a caminho da sacristia ajudar no que fosse preciso.

O padre saltitava ao redor da moça, palavras ternas, atenções a que ela não estava habituada.

-Sabes Zulmira, dizia o padre, se eu encontrasse uma mulher como tu deixava a batina e casava.

-Oh senhor Padre não diga coisas dessas que eu fico sem jeito! Eu sei que esta a mangar com uma pobre rapariga da aldeia, quem iria acreditar que alguém, como o senhor podia gostar de uma simplória como eu!

-Juro rapariga que é verdade, dizia ele enquanto as mãos iam acariciando os hemisférios dos seus pensamentos. Zulmira bem o sacudia mas o padre estava atrevido.

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Sebastião, não gostava muito de andar sozinho de viagem, estava acostumado a andar com a sua mulher, mas era preciso, tinha que ser.

Andou três quilómetros quando a viatura foi tomada de soluços, primeiro deu um solavanco mas continuo a andar, deu mais um e ainda não parou, ao terceiro foi de vez, ficou estática.

Abriu a tampa do motor e olhou, mas nada lhe parecia fora do sítio, tinha óleo, tinha gasóleo, velas a carrinha não usava. Não sabia o que poderia ser.

Empurrou-a para a berma e ficou na expectativa de que alguém pudesse passar e, assim, conseguir uma boleia de volta.

O tempo passou e nada, só lhe restava voltar a pé, também era só três quilómetros, ia meter-se ao caminho.

Foi uma hora bem puxada, o que valia era estar um dia fresco. A igreja ainda estava fechada, o senhor padre devia estar na sacristia. Ia entrar pela porta do fundo.

Não gostou do que estava a ouvir e, muito menos, com o que se lhe deparou quando entrou. O padre tentando apalpar as mamas da mulher e a pobre Zulmira, em pequenos desvios, pedindo:

-Esteja sossegado senhor padre Zé!

O sacerdote quando se apercebeu, esfregou as mãos na batina, fingindo indiferença e tentando disfarçar o que Serafim tão bem estava a ver.

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O povo anda num alvoroço, o padre desapareceu de forma misteriosa e, com ele, todas as oferendas que eram muitas, cordões de oiro, anéis, alfinetes e dinheiro, bastante dinheiro.

Quem havia de dizer, parecia tão interessado no seu povo, mas a tentação até deixa perder os que melhor deviam resistir.

Fizeram a festa mas não foi a mesma coisa, não houve procissão e os fieis apenas puderam passar pela igreja e saudar a Padroeira que, tal como eles tinha um ar muito infeliz, talvez porque ao contrário dos outros sabia o que se tinha passado e, também, porque tinha o manto vazio das oferendas dos fieis.

Serafim e Zulmira voltaram para donde tinham vindo, sem padre não era necessário sacristão.

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Vão passados cinco anos e a polícia não deu pelo rasto do padre Zé Maria. Vão arquivar o processo.

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A Igreja, dizem os mais crédulos, está assombrada, Nas noites escuras ninguém se aproxima, ouvem-se cânticos como se alguém estivesse a celebrar uma missa.