quinta-feira, 29 de março de 2012

Eu, o meu Blogue e o dilema




Não é fácil ter um Blogue, ou melhor dizendo, é fácil mas é difícil mantê-lo.

Precisa de ser alimentado, tratado, adulado e embelezado a cada momento.

O meu Blogue tem sido o meu refúgio, o meu confidente.

Nele descarrego as minhas frustrações, os meus lamentos e as minhas angústias.

Nele deixo pedaços da minha vida.

Nele encontro, tantas vezes, o motivo que me leva a continuar.

Do meu Blogue parto para a visita a todos os outros que me encantam, me emocionam e que tanto me ensinam.

Tento adivinhar quem os escreve. Penso conhecer pelo que dizem. Julgo irmana-los pelo que sentem.

Gosto de escrever para mim mas adoro compartilhar.

Fico agradecido, sensibilizado, com as frases lindas que às vezes recebo.

Sei que muitas vezes são apenas pela amizade, mas mesmo assim, fico vaidoso. Confesso!

Mas, agora, apareceu-me o dilema.

Estou um pouco cansado e penso que não vale a pena continuar.

Ando confuso sem saber bem o que fazer.

Penso acabar e fazer como sempre fiz, escrever e arrecadar na minha gaveta das memórias.

Memórias que o tempo irá apagando.

Mas é difícil e estou a tentar ganhar coragem.

Olho para a página e vacilo, parece que me cumprimenta e sorri.

Estou confuso. Não sei o que fazer!

Se, os muito poucos, que algumas vezes me visitam um dia não me encontrarem, não estranhem.

Foi por que me meti ao caminho.

Sempre nos podemos voltar a encontrar “noutravoltadotempo”.

Quem sabe?







terça-feira, 20 de março de 2012

Marcela

Para todos, hoje, dia mundial do Blogue.




Desceu a rua devagar fingindo uma indiferença que não sentia. Olhou, quase de forma casual, a janela da Marcela como se isso não fosse o motivo desta passagem.

Andava meio doido, pensava nela de uma forma tão imensa que até parecia que estava impregnado do seu cheiro.

Olhou a montra do café, sem grande esperança, mas podia acontecer ela estar lá, mas não, só o senhor Ascenso ao balcão ia ajeitando os bolos na vitrina. Podia entrar e perguntar se a tinha visto hoje mas  podia parecer mal e tornar as coisas mais difíceis.

Ela não simpatizava com ele e já o tinha feito sentir. Foi no baile, da Sociedade os Amigos do Grilo, que a convidou para dançar e ela com andar de desdém o enxotou com um:

-Dá à sola menino e desempara-me a loja faz favor!

Adérito ficou triste mas aceitou a frase como um desabafo, afinal nunca tinham sido apresentados e uma menina tem que saber manter as distâncias.

Ia ser persistente e quando ela se apercebesse das suas boas intenções ia ter, de certeza, um comportamento diferente.

***

Pensou fazer uma serenata, mas aqui na terra era capaz de ser um pouco insólito,  pois as pessoas um pouco conservadoras reagiam mal a tudo que fosse inovação. Mas como em tudo na vida há sempre um primeiro dia para começar.

Ia escrever uma cantiga, não sabia bem como, pois nunca fizera nada do género, mas como já havia dito, era preciso iniciar.

Pensou que o nome da sua amada não era fácil de rimar, pois para Marcela apenas lhe vinha à cabeça vitela, o que diga-se não parece nada apropriado, nem fivela e muito menos morcela.

Ah lembrou de repente que bela podia  servir para a cantiga. Talvez assim:

Marcela estou à luz da vela
Com o coração meio partido
A pensar em como tu és bela
Eu podia ser teu marido

Podíamos mesmo casar
Oh meu amor...meu amor
Não posso assim mais andar

Pensando em ti minha flor

Oh meu amor...meu amor
Oh meu amor desgraçado
Oh meu amor...meu amor
Tenho coração destroçado



De facto era difícil encadear esta rima de forma a impressionar a sua eleita, tinha que ser algo de especial, quase mágico, que a entontecesse, frases em que a paixão fosse tão evidente que a sufocasse.

Bem tentou mas a sua inspiração não ia além de um pobre verso de pé quebrado um pouco piegas, reconheceu, mas nem todos podem ser poetas. Ele, Adérito, era abegão e perito na sua arte.

Prantou-se frente ao espelho e fazendo ritmo com uma caixa de fósforos meia cheia ou, se preferirem meia vazia, entoou de forma esganiçada

Oh meu amor....meu amor
Não posso assim mais andar


O pobre cão não estava à espera e não suportou, latiu e fugiu desesperado antes que a casa desabasse.


Tomou nova posse e insistiu

Marcela estou à luz da vela
Com o coração   .......


A caixa de fósforos tentava, em vão, seguir o ritmo sem o conseguir, não por culpa dela, mas porque os soluços da voz não permitiam afinar qualquer som.

***

Levou quase toda a noite, estou estilos, poses e até chá de perpétuas roxas para aclarar a voz. Quando o cansaço venceu adormeceu em sonhos de Romeu sem Julieta, em serenata ao som de bandolins que traziam nos trinados dos acordes uma Marcela levitando como uma pétala de rosa que docemente ia poisar nas suas mãos trémulas.

***

Era sábado, o dia estava cinzento, nostálgico, quase feito para o amor.

Adérito sentiu a mensagem, o chamamento, o momento. Sabia que tinha chegado a hora.

Ao cair do dia ia avançar, tendo o lusco-fusco como aliado. Tomou posição debaixo da janela da sua eleita, os fósforos estavam prontos na caixa meia cheia, ou meia vazia.

Começou a aclarar a voz,  nuns arranques libertadores dos resquícios do tabaco, quando num repente São Pedro, talvez para não assistir ao assassinato das musas, abriu as comportas e o diluvio caiu impiedoso sobre os fósforos deixando a caixa empapada e a pingar.

Adérito, tal como a caixa, parecia uma esponja a gotejar.

Olhou com tristeza para a janela e pensou que não valia a pena, o destino não deixava.

Se tivesse coragem ia comprar uma corda.
Mas a paixão não era assim tanta.
Ia aguentar.





quarta-feira, 14 de março de 2012

Surreal

Quero agradecer a todos os que, nestas três semanas, me enviaram mensagens e mostraram preocupação pela minha ausência.
Estive fora por motivos pessoais, mas estou de volta feliz e orgulhoso pela maravilhosa amizade que vamos construindo neste espaço que partilhamos.
Muito obrigado







Quando surgiu, assim de repente, houve como que um arrepio a percorrer-me o corpo, não só pelo insólito da aparição como, também, pela forma estranha da figura.

Era surreal, um misto de mulher e de ave, o corpo era alto, esguio e de certa imponência, os braços, unidos ao corpo por grandes membranas, eram longos e terminavam numa espécie de garras, a cabeça oval enfeitada de plumas terminava num bico adunco, onde duas enormes narinas pareciam farejar tudo o que a rodeava.
Os olhos, cor de fogo, chispavam ódio.

Pousou com fulgor na procura de alguma presa, farejou o ar, escancarou o enorme bico e emitiu uma espécie de grunhido, esfregou com ímpeto as estranhas e enormes patas.

Fiquei, quase, paralisado e encolhido junto ao tronco de uma palmeira. Rezei baixinho na esperança de passar despercebido ao estranho ser. Quase não respirava.

O medo apoderou-se do mim, queria respirar e tinha receio.

De repente o monstro sentiu o cheiro, dilatou as narinas emitiu estranhos ruídos, as garras retesaram-se e um silvo medonho encheu o espaço.

Saltou na minha direção, estava perdido, só me restava combater.

Aguentei o embate, agarrei-lhe as patas e lutei. Rebolamos embrulhados num misto de plumas e de sangue, num esbracejar de fúria e ânsia.

Senti a queda, estava no chão do quarto embrulhado nos lençóis.

Respirei de alívio.





Grande pesadelo.