Cada
homem deve descobrir o seu próprio caminho (Sartre)
Era
sempre o mesmo marasmo, aquela rotina que tornava a vida numa chatice, que se
pegava à pele e tornava o dia-a-dia numa monotonia que doía e lhe deixava uma angústia
que não sabia explicar.
Por
vezes, embrenhava-se na leitura de "O Ser e o Nada" mas o
existencialismo de Jean-Paul Sartre, um pouco taciturno, apenas servia para
adensar a opressão que o levava aqueles momentos de depressão, em que se
isolava como se as pessoas fossem marionetas que, apenas, serviam para agudizar
o mal-estar que o entorpecia.
O
seu médico já o tinha alertado para os perigos dessa amorfia, para esse casulo
que vicia, corrompe e, tantas vezes, leva a desistir como, se desistir, fosse a
solução.
Hoje
sentia de forma mais acentuada essa compressão, esse andar perdido entre as
gentes sem se aperceber que, ele, fazia parte dessa multidão que o baralhava
como se fossem robôs, que giravam ao sabor de um acaso, a que ele não queria
pertencer.
Voltou
a insistir, mas os personagens não pareciam reais, estavam desfocados, e
emaranhavam-se de tal forma que pareciam fazer parte doutra onda, que não
aquela, onde o seu pensamento se concentrava.
Perguntava,
muitas vezes, a si mesmo se não estaria a ficar doido, se a sua mente não o
estaria a levar num caminho autista, num espiral egocêntrico, num desencadear
de sentimentos antagónicos, queria fazer algo mas a solidão e o isolamento eram
o seu maior prazer.
Já
começou tantas vezes, que lhe perdeu a conta, a leitura de “Assim Falou
Zarathustra (Also Sprach Zarathustra)” mas Friedrich Nietzsche, naquela
linguagem, provoca-lhe náuseas, e a ideia de que o " homem deve ser
superado" ou o conceito de que "Deus deve estar morto" vai além
da sua compreensão.
Ele
sente os conceitos filosóficos de uma forma diferente, não compreende a
filosofia que põe em dúvida se a realidade é a que aprendemos pelos sentidos.
Não percebe o recurso a constatações empíricas para provar ou refutar uma tese.
É
prático, para ele a vida é nascer, viver e morrer com a mesma naturalidade de
uma metamorfose, não gosta daquele rebuscar existencial de amores, desamores,
paixões, aventuras, trivialidades e a chatice do trabalho, pois parafraseando
Pierre Reverdy - o tempo que precisamos para não fazer nada é tanto que não nos
sobra tempo para trabalhar - e, isso é a verdade.
É
mais prosaico um dia em reflexões sobre o que motiva aquele ziguezaguear
confuso de uma mosca, do que correr para o nada, num suar desconfortável só
porque alguém se lembrou que correr é saudável.
Se
calhar está a "endoidar", como diz a sua melhor e, única, amiga,
Sofia. Mas ela sabe que não.
Ele
não compreende Sofia, tem tudo o que quer, é dona de uma fortuna herdada dos
pais e, trabalha, calculem que trabalha como se não houvesse amanhã. Nunca
compreendeu essa obsessão pelo levantar cedo e perder o dia à volta de papéis e
de problemas, quando podia estar calmamente em casa, ou em qualquer local
paradisíaco, a gozar do prazer de nada ter que fazer a não ser o prazer de não
fazer nada.
A
Sofia é uma amiga muito especial e, ele sabe como ela o ama, como aprecia a sua
intelectualidade, como se delicia com a sua expressão estética e com as
divagações à volta da existência.
Ela
sabe que o seu descanso constante não é mais do que a interiorizarão dos seus elevados
pensamentos.
Ele
gosta dela e ela, não tem duvidas, ama-o desde sempre. Vão casar, vão ser
felizes.
Vai
poder continuar a fazer aquilo de que, verdadeiramente, gosta.
Que, de verdade, é
não fazer nada.