Estavam
muitos à sua volta mas, ele estava tão distante que, nem se apercebeu daqueles
murmúrios, que iam dispersando, como se fosse uma oração numa sintonia
perfeita.
A cova estava ali, como uma boca ávida, para devorar os despojos de uma vida.
Maurício olhava mas, o pensamento toldava-lhe a visão, apenas aquele ruído de vozes, sussurrantes, que o deixavam numa confusão entre o real e o sonho. Fechava os olhos, na esperança de estar num pesadelo, mas não, era tudo tão real, a solenidade, o compasso, os sussurros e aquela boca à espera de engolir a urna, que não tardava, iria desaparecer sobre os sons cavos, da terra, que a iriam cobrir.
A cova estava ali, como uma boca ávida, para devorar os despojos de uma vida.
Maurício olhava mas, o pensamento toldava-lhe a visão, apenas aquele ruído de vozes, sussurrantes, que o deixavam numa confusão entre o real e o sonho. Fechava os olhos, na esperança de estar num pesadelo, mas não, era tudo tão real, a solenidade, o compasso, os sussurros e aquela boca à espera de engolir a urna, que não tardava, iria desaparecer sobre os sons cavos, da terra, que a iriam cobrir.
Sentiu o pasmo, as pernas a quebrar numa dormência, o rodopiou na cabeça que não conseguiu controlar. Quando bateu com a cara no chão, duro, já nada sentiu, tinha perdido a noção do espaço, do tempo e da vida.
Acordou, disseram-lhe, vinte e cinco dias depois, num quarto que não era seu, num desconforto de um cérebro vazio. Olhava sem saber, porque estava naquele sítio que não conhecia, quem era, donde tinha vindo.
Entrou
uma mulher, de branco, e um homem de bata azul que perguntaram:
-Como se sente senhor Maurício?
Quem
seria esse Maurício? Se calhar até conhecia mas não se lembrava.
A
mulher de branco devia ser enfermeira, apalpou-lhe a testa, olhou para o nível
de um saco pendurado a pingar, lentamente, para um tubo ligado ao seu braço.
Laivos de memória, pareciam, querer aflorar mas eram tão ténues que, logo se diluíam na confusão, que lhe tomava conta dos pensamentos.
O sujeito
que deveria ser o médico falou também:
-Amanhã
vai ter alta, vai voltar à sua vida lá fora!
Maurício
olhou os tubos ligados ao braço, o médico percebeu a interrogação:
-A
enfermeira Natália vai tirar tudo isso, já não precisa!
-Mas,
perguntou, onde é a minha casa? Não me lembro onde moro!
O
médico abanou a cabeça, olhou como a procurar uma resposta no espaço, maneou os
ombros e saiu.
A
enfermeira Natália sossegou-o:
-Não se
preocupe alguém o vem buscar!
******
Vieram, eram muitos mas para ele era a primeira que os via, um casal chamou-o de filho, a rapariga do casaco vermelho e o rapaz alto, com uma barba alourado, chamaram-lhe mano.
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Vieram, eram muitos mas para ele era a primeira que os via, um casal chamou-o de filho, a rapariga do casaco vermelho e o rapaz alto, com uma barba alourado, chamaram-lhe mano.
Havia outro casal, tristes nos modos e no vestir, pareciam da família, mas não o chamaram de nada, possivelmente eram tios ou primos.
Todos
simpáticos, como se o conhecessem há muito e falavam em coisas como se ele
soubesse a que se referiam.
Aquela
que lhe chamou filho, não se calou um segundo, tinha feito o seu prato
favorito, a propósito não tinha nenhum, tinha à sua espera a musse como ele
gostava, não sabia como podiam saber se não o conheciam e ele, achava que nunca
tinha comido essa coisa.
O casal
triste suspirava, a mulher enxugou umas lágrimas, e disse com voz triste, ele
era muito amigo da nossa filha, vê o estado a que chegou, não conhece ninguém,
não diz coisa com coisa, está mesmo parvinho de todo. Pobre Maurício!
A que lhe chamou mano, mascava pastilha elástica e o da barba mandava mensagens, dum telemóvel, com uma sofreguidão como se o mundo estivesse para acabar.
Parecia um estranho no meio de pessoas que nunca vira, diziam que eram família mas a família a gente não esquece e não se recordava de nenhum deles. Julgou que estava acordado, não era um sonho, beliscou a perna e doeu, era real.
Afinal o que se passava, seria que era extraterrestre e não sabia. Não podia ser, esta gente parecia conhece-lo, até sabiam o nome, porque ele tinha uma leve ideia de ser Maurício.
A rapariga que mascava a pastilha, pegou-lhe no braço e encostou-se como se fossem velhos amigos, com um sorriso feliz disse:
-Vens com a mana e os pais, o mano vai levar os teus sogros!
Sogros,
pensou, se tenho sogros devo ser casado!
Ainda não tinha falado mas, não se conteve:
-Mas
sogros como?
Olhou
os seus denominados pais, antes de responder:
-São os
pais da Mila, logo são teus sogros, mas não penses nisso! Um dia vais recuperar
a memória e ficarás a par de tudo.
Não estava confortável com esta situação, tinha acordado, talvez, há dois dias, de um sono que lhe deixou um buraco negro no cérebro, limpou-lhe as memórias e criou um vazio angustiante. Não sabia quem era, donde tinha vindo e agora estavam-lhe a impingir uma família, talvez fossem simpáticos, mas era pouco, ele não os tinha escolhido.
Estava como uma criança para adopção, a família
escolhe a criança mas, a criança, não tem a possibilidade de escolher a
família.
Estava
farto duma irmã que mascava pastilhas, dum irmão de barba rala agarrado ao telemóvel,
duns pais tão apagados e ausentes que pareciam dois estranhos, no assento
traseiro.
Não podia continuar, estava a tempo de por fim a esta palhaçada.
Não podia continuar, estava a tempo de por fim a esta palhaçada.
Tomei coragem e gritou:
-Parem esta merda, estou farto disto, quero sair!
A mana estancou o carro, mas de forma tão desastrosa que o mesmo rodopiou, bateu com força no separador, saltou e só parou no fundo da ribanceira.
Maurício foi a única vitima, o lugar ao lado do condutor é, quase sempre, o pior.
Agora, se lhe fosse permitido, ficava a saber que a boca ávida, daquela cova, esperava por ele.
27 comentários:
Certamente, ao chegar no outro lado da vida, Maurício recuperou a memória...
Beijos, Manuel!
Um pouco macabra esta estória, mas aqueles que seguem viagem no lugar do morto, provavelmente diriam o mesmo que o Maurício, se pudessem!
É horrível e arrepiante pensar que alguém pode ser enterrado ainda com vida.
Terá sido o caso?
Abraço, Manuel.
Bom dia
Hoje carregaste as cores desta história onde todos e qualquer um de nós embarcamos uma vez na vida.
Não tivemos escolha ao nascer e nunca escolhemos a família.
Ao morrer esquecemos o que fomos ou quisemos ser...A cova é um fim...
Continuo a teimar e a querer acreditar que não há-de ser assim... Haverei de adormecer ...
Depois acordarei num mundo diferente onde reinará a justiça e a paz...e ninguém será mais que os outros...
Bom dia bom domingo!
Uma história arrepiante mas que vale a pena ler e gostar, e vc sempre com a gentileza de me visitar deixando lindas palavras
Abraços de sempre
•✿.•°°•°°•.•✿⊰Rita!!!!
Que história Manuel...Apavorante, acordar assim, sem entender nada, e pior ver pessoas que não se lembra quem são.
Beijos e ótima semana!
Caro Manuel,
sempre surpreendente! Sempre a se revelar!
Sonhos e realidades se juntam numa coisa só. Ótimo texto!
Abraços
Leila
Viver sem memória é uma morte em vida.
Deve ser desesperador!
Apesar de que alguns fatos seriam interessantes de se esquecer, mas... não é bem assim..
Enfim, teus escritos sempre me põe pra pensar.
Beijinhos
Viver sem memória é uma morte em vida.
Deve ser desesperador!
Apesar de que alguns fatos seriam interessantes de se esquecer, mas... não é bem assim..
Enfim, teus escritos sempre me põe pra pensar.
Beijinhos
Viver sem memória é uma morte em vida.
Deve ser desesperador!
Apesar de que alguns fatos seriam interessantes de se esquecer, mas... não é bem assim..
Enfim, teus escritos sempre me põe pra pensar.
Beijinhos
Será que esse grande coração pudera esquecer alguém tão pequenina como eu? Não que eu queria provas mais no silencio que me ingratidão trouxe se isso tivesse acontecido me seria pouco.
Visitas anonimas não contam,por isso deixo minha passagem cheia de amor por aqui.
Saudades... saudades.. saudades...
Luddmilaferreira@gmail.com(Podes me escrever? Estarei ansiosamente esperando.)
Será que esse grande coração pudera esquecer alguém tão pequenina como eu? Não que eu queria provas mais no silencio que me ingratidão trouxe se isso tivesse acontecido me seria pouco.
Visitas anonimas não contam,por isso deixo minha passagem cheia de amor por aqui.
Saudades... saudades.. saudades...
Luddmilaferreira@gmail.com(Podes me escrever? Estarei ansiosamente esperando.)
Eu não perco um detalhe, gosto demais das suas historia, imagino cada personagem.
Mauricio:acordou rodeado de pessoas que ele já não lembrava, deve ser terrível, renasceu para logo depois morrer, Nossa !
Parabéns por mais uma historia surpreendente.
O ser e a memória do não ser, entrecruzam-se em paisagens distintas.
Sempre a surpreender-me!
Beijinho
º✿♫ Trágico, mas ele já estava morto mesmo!!!!
Só tu para escrever uma história de terror dessas!... espero nunca ter amnésia... morte em vida!...
º° ✿✿ Ótima semana!
º° ✿✿ ♫° ·. Muito carinho, muita saúde.
Eu não me esqueci nem deste espaço nem do amigo Manuel. Prometo visitá-lo com mais regularidade :)
Esse morreu duas vezes.Coitado!
Sempre surpreendente, Manuel.Sempre brilhante.Adoro.
Beijinhos.
Chego aqui e com a certeza de sempre encontrar boa leitura. Não me enganei, mais uma vez! Tuas inspirações, lindas e estranhas,rs...Gostei muito! abração e tudo de bom,chica
Uma narrativa primorosa! O talento (se é que essa coisa existe) é nítido e pulsante. Tu controlas a história e o mundo todo que tu cria, e nós viajamos nele como cúmplices.
parabéns pelo blog
te aguardo lá tmb, abraço
diademegalomania.blogspot.com
Manoel: puro suspense por aqui..adorei!! abraços carinhosos
Sem memória mas a adivinhar a morte...sempre surpreendente estes contos magníficos que nos deixa aqui.
Abraço
Posso até jurar que você já teve experiência parecida com a do Maurício, até a família entrar no carro para o epílogo. Contista como você, está pra nascer!Adoro!
Beijos, Manuel,
da Lúcia
final surpreendente...
se calhar ele morreu mais que uma vez!
:(
Manuel: abraços de belo dia pr ati.E obrigada pela visita ao meu Cotidiano.
Olá Manuel
Uma estória, mas que podia ter mesmo acontecido. Na forma como a conta é que está a sua arte... eu não só leio, como vejo; todos os personagens,o quarto do hospital,o carro, a ravina,tudo ao pormenor como num filme. E é assim com todos os seus textos.Bem haja!
Grata pela visita e comentários no meu birras.
(O meu marido não ficou triste; antecipou-se com a conformação para o pior "e desta vez nem gritou" - foram golos que souberam a pouco...)
Mas o entusiasmo vai voltar.
Abraço.
Dilita
BHoas festaas Manuel
Estarei por aqui, antes do Natal, mas, desde já agradeço os seus sinceros votos, deixados no meu blogue.
Voltarei, se Deus quiser.
DIAS MUITO FELIZES, porque natal é sempre que quisermos.
Olá, Manuel!
O prometido, é devido.
FELIZ NATAL E UM ANO NOVO EXCELENTE, SOBRETUDO COM SAÚDE.
Beijos , com estima.
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