sábado, 23 de fevereiro de 2013

Quase perfeita – Fim








Agora acaba mesmo! Nunca pensei ter que ressuscitar os mortos, para dar continuação a este estória. Não deve ter saído muito bem! Peço desculpa! Mas fiz o possível!



Saíram em silêncio, Ângela agarrou com força a mão de Licínio, as ideias entrecortavam-se na cabeça, queria ser racional mas o pensamento não a deixava ter um raciocínio lógico.

Licínio sentiu aquela procura de apoio e protecção, segurou-lhe a mão com um carinho tão grande, que ela olhou-o e sorriu.
Foram até ao carro sem trocar uma palavra, os pensamentos pareciam querer saltar, era um silêncio que parecia ecoar.

Começaram viagem e, Ângela, não se conteve:

-Sabes amor, houve qualquer coisa naquela velha que me pareceu falso! O choro não era sentido, era forçado e só a fragilidade lhe dava alguma credibilidade, a polícia não vai às casas por causa de um seguro, não sei o que é mas… fiquei com uma pedra no sapato!

Licínio gostou do sabes amor, Ângela era terna mas faltava-lhe uma pequena dose de romantismo.
Sorriu-lhe de forma, quase embevecida, antes de responder:

-Fiquei baralhado, não queria dizer nada para não parecer insensível, mas juro, que não acreditei na história que nos contaram.
Naquela idade, quem perde um ente querido veste luto carregado e a mulher estava com roupa de cor.

Ficaram os dois em silêncio, tentavam alinhar as ideias, mas não era fácil, pois havia duvidas e interrogações, a que não sabiam responder.

Ângela foi a primeira a quebrar o silêncio:

-Tenho estado a pensar, se o acidente foi no dia 25, de há três meses, tem que haver noticias nos jornais e registos na polícia, ou nos hospitais!
Licínio olhou-a embevecido:

-Tenho a namorada mais esperta de Lisboa e arredores! É isso, vou começar por ai, vou ver todos os jornais do dia e dos dias seguintes, vou falar com um amigo da bófia que me vai ajudar.

Não digas, por enquanto, nada ao Elias!


*****

Licínio encarnou com satisfação este papel de detective, estava entusiasmado.

Pegou na esferográfica e estabeleceu um plano, não podia esquecer nenhum pormenor.

Anotou, cuidadosamente, tudo o que a avó de Joana tinha dito, embora parecendo que havia fantasias e contradições convinha analisar, pois, apesar das suas dúvidas podiam corresponder à realidade, realidade que não queriam mas que tinham que aceitar, pois, podia ser verdade.

Anotou a compra dos principais jornais dos dias 25 e 26 de Maio, depois ia falar com o amigo Albino que era comissário da polícia. Estava na dúvida por onde começar, mas se calhar o primeiro passo era falar com o amigo. Os jornais vinham depois!

Foram três dias intensos, falou com o comissário que lhe prometeu ir indagar, passou um dia de visitas a jornais onde comprou, como tinha previsto, os diários que normalmente publicam essas notícias.

Leu, de fio a pavio, todas as notícias, muitos acidentes, mas nada relacionado com o que procurava.

O Albino telefonou-lhe eram 10 horas e confirmou a notícia que já esperava, nenhuma emergência em relação a esse, hipotético, desastre.
Pegou no telemóvel e ligou para Ângela, quando a ouviu, com a voz mais doce que conseguiu:

-Olá amor, estou cansado mas muito entusiasmado. Tem calma! Vamos combinar assim, vens passar a noite comigo, aqui, e amanhã vamos a caminho de Cascais para desmascarar a velha que nos intrujou. Pois é verdade! Não querida, não houve nenhum acidente! Eu preparo o jantar. Um beijo!

****

Ângela acordou esfomeada, a noite abriu-lhe o apetite!
Sentiu, na cozinha, o reboliço atarefado de Licínio, o cheiro a café acabado de fazer aguçou, ainda mais, o desejo de um pequeno-almoço reforçado.

Estômagos aconchegados depois de uma noite bem colorida, meteram-se à estrada.
Havia um certo nervosismo, Licínio queria parecer forte mas um nervoso tolhia-lhe os pensamentos e tinha medo, pois algo que o ultrapassava estava a acontecer. Mas tinha que parecer forte, tinha que impressionar a sua Ângela.

Quando chegaram à porta da vivenda, a primeira surpresa. Estacionado, mesmo em frente, estava o carro que o Licínio já conhecia.

-Sabes, Ângela, estou a ficar nervoso, aquele automóvel é o deles!

Ângela, muito serena, tentou acalmar o namorado, a voz não lhe saiu muito convincente mas tentou:

-Mas isso é bom vem confirmar o que já suspeitávamos! Vamos estacionar e visitar, outra vez, os senhores.

A vivenda não parecia a mesma, os canteiros bem arrumados, a relva cuidadosamente aparada e os muros de buxo delimitando os carreiros.

O som do carrilhão era diferente, aquela dingue-dongue, suou de uma forma um pouco mais estridente.

Surpresa geral, na porta ao longe, apareceu a cabeça do Ambrósio que com voz cerimoniosa perguntou:

-Em que os posso servir?

Quase em simultâneo responderam:

-Precisamos falar consigo ou com a menina Joana!

O portão disparou e com toda a suavidade foi-se escancarando. Entraram, alguma relutância, mas avançaram resolutos.

Ambrósio mandou-os entrar e, indicou-lhes lugares para se sentarem, antes de responder:

-Com a menina Joana não vão poder falar, está muito longe e, ainda, vai demorar algum tempo, mas se eu puder ajudar, digam por favor!

Ângela contou-lhe da última vez que aqui estiveram e da conversa com a avó da Joana.
O homem pareceu surpreendido e perguntou:

-Tem a certeza que estiveram aqui, nesta casa?
-Temos a certeza! Responderam os dois.

Ambrósio ficou pensativo, puxou um Cadeira e sentou-se em frente deles.

-Mas qual o interesse em falar com Joana?

Ângela contou o sofrimento do filho e da promessa que fez em o ajudar.

-Já sei quem é, respondeu o homem, a menina contou-me e parece-me que o seu filho também lhe deixou recordações.

Se calhar não devia, mas eu tenho uma enorme dedicação pela Joana e vou contar.

A Joana como sabem é invisual, tem uma Neurite óptica retrobular, não se sabem bem as causas mas pensamos que foi a partir do acidente, que os sintomas se agravaram.

-Mas que acidente? Perguntou Ângela.

-Foi há doze anos atras, o pai da Joana teve um acidente muito grave. Um despiste onde, infelizmente, o meu cunhado e a avó da Joana perderam a vida, Joana, por milagre, sofreu poucos danos mas os médicos pensam que o choque pode ter causado a inflamação do nervo óptico, Salvou a vida mas perdeu a visão!

A minha irmã, mãe da Joana ficou, com devem calcular, destroçada perdeu o marido, a sogra e ia perdendo a filha.

Foi aí, que eu me tornei o seu guardião e os seus olhos, passei a ser a sua luz e ao mesmo tempo a sua sombra.

Agora apareceu a esperança, uma clinica em Sidney, tem conseguido grandes avanços na cura desta doença.

A Joana e a mãe estão na Austrália, a minha sobrinha vai ser operada e temos esperança no sucesso da intervenção.

Quando regressarem, prometo, que se a minha menina recuperar a visão vos telefono e combinamos um encontro!

Ângela, com o entusiamo, agarrou nas mãos do Ambrósio e, quase, com violência pediu:

-Promete que vai telefonar, seja em que condições forem, não importa o resultado da operação! O meu filho está apaixonado pela Joana!
O resto não importa!

-Prometo, conclui Ambrósio, deixem o vosso cartão!

****

Hoje, na Basílica da Estrela, realizam-se dois casamentos.
Joana e Elias, Ângela e Licínio juram, perante Deus, o amor que os une.












domingo, 17 de fevereiro de 2013

Podia ter sido diferente!







Já foi há muito tempo e a minha memória já me atraiçoa, só o pensamento me mantêm algumas recordações.

Tenho a certeza que foi em Maio, as tardes primaveris traziam o chilrear dos pardais que, em bando, tomavam conta das árvores.

Eu estava à janela, a tentar descobrir como me desenvencilhar de um nó de gravata que se tinha ensarilhado de forma estranha. Foi aí que a vi.         
Estava na rua em frente ao café do Esgalho, o Sol batia-lhe na cabeça e os cabelos pareciam espigas de milho douradas.
Desci a escada a dois e dois e, num instante, fiquei ao seu lado, descobri o melhor sorriso e meti conversa:

-És a Susana que mora na Travessa do Possolo, filha do Zé da Nora, não és?

Escarneceu e com ironia foi dizendo:

-Deves estar a armar-te em parvo ou que? Tás farto de saber quem sou! Até andamos, na primária, na mesma escola, tu nos rapazes e eu nas raparigas.

Tive que me esforçar, pois o raio da rapariga desconcertou-me.

-Tens razão, desculpa mas não sabia como meter conversa. Sou mesmo parvo!

-Se tu o dizer quem sou eu para contradizer, mas afinal o que queres? Perguntou.

-Estar contigo, conhecer-te melhor. Até quem sabe sermos amigos, respondi.
-Bom! Começou ela, posso ser isso tudo e até mais, é só uma questão de preço, comigo nada é à borla! Queres passear comigo uma hora, pagas vinte e cinco tostões, para ser amigo, só amigo, é o mesmo preço, se quiseres algo de mais especial o preço começa nos 10 escudos e pode ir até aos cinquenta. E, para tudo, quero pagamento adiantado, nada de paga depois.

Com essa de não receber antes, o padre Virgulino levou-me à certa e ficou a dever-me 5 escudos, mas lixou-se porque caiu no alçapão da Igreja e partiu o pescoço. Alguém o abriu sem ele dar por isso. Gozou, não pagou, mas não lhe fez proveito!

Fiquei sem palavras, não sabia o que dizer, foi tudo tão inesperado e só me saiu:

-Mas isso é pecado e é proibido.

Deu uma gargalhada, virou-me as costas e foi dizendo:

-Se os padres gostam é porque não é pecado! Além disso o físico é meu!

Fiquei com uma sensação de frio a percorrer-me o corpo, como que um arrepio que começou nas pernas, percorreu a coluna e se concentrou num ponto do cérebro, que me dava como que uma agastura difícil de explicar.

***

Estou a ser parvo, pensei, a rapariga esteve a gozar comigo, ela não é nada disso. Se fosse já muita gente comentava e eu nunca ouvi nada.

Que o padre Virgulino, de forma que ninguém soube explicar, se emborcou pelo alçapão abaixo e o encontraram no outro dia mais morto que morto, isso é verdade, mas se calhar aproveitou este episódio para caçoar comigo. A gaja é tramada!

Amanhã vou falar com ela, não quero ser mais gozado. Isto tem a ver com a escola, eu como era filho de um Morgado era a vítima das brincadeiras dos rapazes, até que um dia me deu a veneta e dei uma valente sova no Marcolino, foi remédio santo, nunca mais me atazanaram o juízo.

****

Encontrei-a no Café Central, foi fácil, o cabelo brilhava ao longe, estava só, numa mesa, ao lado da janela. Quando me viu não se conteve:

-Sch, Roberto, ainda te lembras de mim? Pagas um café?

Pedi dois ao balcão e fui sentar-me na mesa, mas antes perguntei:

-Posso?

Deu uma sonora gargalhada:

-Podes eu não te cobro nada, companhia à borla!

Bebemos, calmamente, os cafés em pequenos sorvos, quase como num ritual.

-Sabes? Comecei, ontem desconcertaste-me, quase acreditei em ti. És tramada!

-Mas, perguntou ela, e agora em que parte deixastes de acreditar?

-Em tudo rapariga, em tudo!

-Pois, disse ela, não acreditas que virei puta!

Mas é verdade, não me considero mas sou, eu não quero ficar nesta parvalheira, quero sair daqui, quero respirar e para isso preciso de dinheiro. Os meus pais são os melhores, mas não tem onde cair mortos, trabalho não há e eu, quero e preciso de dinheiro. Tenho um corpo que muitos desejam, não tenho pejo em explorar o que é meu. Mas sabes que a crise até nisso existe, até hoje não tive um único cliente, contínuo casta e pura como quando nasci, mas tenho esperança que as coisas melhorem, quero ir para Lisboa estudar.

-Mas, balbuciei, disseste que o padre te ficou a dever 5 escudos!
Olhou-me de uma forma, tão angelical, que voltei a sentir o tal arrepio.

-Acredita Rodolfo, o safado do padre apalpou-me o rabo, gritei com ele e disse-lhe que ia fazer queixa. Prometeu dar-me 5 escudos para ficar calada mas o sacana nunca me pagou!

-Mas, diz-me, Susana tens mesmo vontade de fazer isso?

Percebi uma lágrima disfarçada, talvez fosse impressão minha, mas os olhos azuis brilhavam intensamente:

-Não sei e tenho medo de quando chegar a isso não ser capaz! Tenho mesmo muito medo!

Foi aqui, tenho a certeza, que as lagrimas correram pelo rosto.

-Seca essas lágrimas! Pedi. Vou-te fazer uma proposta, esqueces esses planos malucos, eu empresto-te o dinheiro para ires estudar. Depois, quando arranjares emprego vais-me pagando. Que dizes?

Agora chorou mesmo, vi o peito arfar e o rosto ficar sulcado por riscos brilhantes. Passou os braços em volta do meu pescoço e:

-Juras que fazes isso? Juras mesmo? Porque não vamos os dois?



* * *
Durante dois anos, pontualmente, todos os meses lhe enviei um vale.

Um dia recebi uma carta, lacónica, só percebi que tinha um emprego, não precisava mais do empréstimo e que um dia me iria pagar tudo. Só isso, mais nada, nenhum agradecimento.
Pensei, um dia aparece, por aí, e logo agradece!

Vão passados, talvez 50 anos, e estou na mesma janela apanhando um pouco do Sol que me ajuda a aquecer as articulações e me alivia as dores destas malditas artroses.

Olhei para onde fora o café do Esgalho, hoje é uma loja de chineses. Parece-me ver um cabelo brilhando, como espigas de milho douradas, e lembrei-me da Susana que depois daquela carta nunca mais deu notícias.

Passou tanto tempo e nunca a esqueci, e ainda hoje, decorridos todos estes anos tenho a certeza, que ainda a amo e vou continuar a amar!

Faltou-me coragem para tudo ter sido diferente!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Quase perfeita – Conclusão





Esta estória é para ter acabado como a publiquei no dia 24 de Janeiro, mas pediram-me a continuação. Eu não me apetecia, porque adivinhava um final pouco romântico, mas a vida é mesmo assim!




De repente o rapaz alegre, desprendido e que encarava a vida como um jogo, que cada dia desfrutava da melhor maneira, olhava o Sol de manhã e já não via a magia.

Perdeu a alegria, ficou apático, refugiou-se nos estudos e mais nada lhe despertava o interesse.

Queria comer, mas os alimentos ficavam enrolados na garganta.
Perdeu o apetite!

Dona Ângela, a mãe, estada preocupado, o filho sempre foi um rapaz alegre, pronto para a brincadeira e, de repente, a tristeza tomou conta dele, como se algo de muito grave tivesse acontecido.

-Elias, que se passa contigo filho? Perguntou dona Ângela? Se calhar posso ajudar, fala comigo!

Os olhos de Elias ficaram cheios de lágrimas, tapou a cara com as mãos, enquanto ia arrepelando o cabelo.

Quase num lamento, com a voz distorcida pela insegurança, respondeu:

-Mãe estou apaixonado!

-Mas, Elias, isso é sinal de alegria e eu só vejo, em ti, tristeza!

Respondeu num soluço:

-Era mãe! Se eu soubesse por quem! Mas não sei quem é, como se chama e onde a posso encontrar!
Estou perdido e não consigo deixar de pensar em alguém, que vive dentro de mim, mas não a consigo descobrir cá fora!

Dona Ângela ficou em silêncio, não tinha palavras, era uma situação para a qual não estava preparada.

Tinha que reagir, o filho estava a atravessar uma fase difícil e ela tinha que fazer qualquer coisa.

Sentou-se ao seu lado e pediu:

-Vá, conta tudo à mãe!

Elias, olhou-a com os olhos embaciados, mas sentiu um enorme conforto em poder compartilhar, toda a mágoa que sentia dentro do peito.

-Sabes mãe? A primeira vez que a vi pareceu-me que, Tétis, tinha emergido das águas para me encantar. Olhei, aquela imagem, e senti que tudo tinha mudado, pensei que o destino estava a traçar o meu caminho.

Mas fui ingénuo e deixei-a fugir sem, sequer, lhe ter perguntado o nome. Mas não desisti, procurei e Deus deu-me, uma segunda oportunidade.

Lá estava ela, novamente radiosa, como se estivesse à minha espera.

Voltei a meter conversa! Não me tinha esquecido! Conheceu-me pelas mãos tão suaves e delicadas.
Foi aí, que percebi que era cega, fiquei tão perturbado que a deixe ir embora, outra vez, sem sequer, lhe perguntar o nome.

-Mas o facto de ser cega faz alguma diferença? Perguntou a mãe.

-Não mãe! Gritou Elias.

Dona Ângela abraçou o filho, limpou-lhe as lágrimas e prometeu:

-Eu vou ajudar-te, juro que vou!

***
Ângela do Carmo era uma mulher determinada, de convicções, viúva há 14 anos. Foi pai e foi mãe e estava orgulhosa, da forma como tinha criado e educado o filho.

Mantiveram, sempre, uma grande cumplicidade, partilhavam as mágoas e as alegrias. Nunca tiveram segredos, aliás, apenas um que ainda, agora, não tem coragem de contar.

Ela tem um amante!

Uma relação de oito anos. Não queria casar, nem uma vida em comum, queria, apenas, um companheiro numa relação aberta, sem compromissos, sem amarras e sem obrigações.

Era como dizia, para ela própria, uma necessidade para se sentir viva.

Hoje, o filho, precisava e ia estar presente.

Prometeu ajuda mas, confessava, não sabia por onde começar. Talvez o Licínio, o seu namorado a pudesse ajudar.
Tem tempo e é muito perspicaz!

****
Licínio adorou a ideia, desde que se reformou, apenas se sentia bem na companhia da Ângela, o resto do dia era passado num total enfado, numa pasmaceira.

Pensou escrever um livro mas as ideias, que eram muitas, não saiam fluídas quando as queria por no papel. Pensou, se calhar esta coisa, da escrita, não é para quem quer, deve ser preciso algo mais que vontade!

Mas, Ângela, escondia do mundo o namoro como se fosse algum sacrilégio ou pecado, quando todos, incluindo o Elias, sabiam dessa relação.

*****

A estratégia estava montada, se Elias a viu, por acaso, em dias sem qualquer ligação lógica, era preciso estar atento a todos os momentos.

Sempre que o Sol fizesse parte do dia, Licínio, montava uma espécie de sentinela móvel, perscrutando todos os que se sentassem nos bancos ao longo do cais, nos carros de estilo que por ali estacionassem e pelos motoristas fardados em espera atenta.

Foram doze longos dias, também o tempo não ajudou, mas naquele sábado, um descapotável, estacionou na marginal e um motorista, com guarda pó cinzento, pegou delicadamente nas mãos de uma linda mulher e conduziu-a, carinhosamente, para um lugar vago num banco.

Com a mesma destreza voltou ao carro, encostou-se e ficou atento.

Chegou a hora, pensou Licínio, vou começar pelo motorista.

Aproximou-se, quase de forma casual, olhou com ar de aprovação o automóvel, e de um modo a mostrar apreço perguntou:

-Este modelo é recente?

O homem era estranho, magro, macilento e tão pálido que parecia ter saído de uma longa doença.

Olhou o recém-chegado, sem estranheza, e de forma natural respondeu:

-Este carro será sempre recente, tenha a idade que tiver!

Não lhe pareceu muito lógica a resposta, mas não podia desarmar:

-Hoje está um belo dia para, trazer a menina……a apreciar esta bela paisagem!

-Joana! Exclamou o homem, a menina Joana!

Fingiu desinteressar-se, anotou a matricula deixou umas boas tardes e foi espreitar a rapariga.

Elias tinha razão, era uma bela e linda mulher. Vestida de forma simples mas com, estudada, elegância e requinte.

***

Telefonou à Ângela, quando ela atendeu, com a voz mais misteriosa que conseguiu disse-lhe:

- Sabes amor! Tenho notícias muito boas, mas só te conto tudo se aceitares, finalmente, casar comigo!
Logo falamos, em minha casa. Tá bem?

Desligou e dirigiu-se para o autocarro, ia falar com um ex-colega, precisava saber em que nome estava registado o automóvel.

Ângela chegou às oito horas, vinha ansiosa, transpirava curiosidade por todos os poros, mas aos olhos de Licínio estava, como sempre, linda.

Deu-lhe um beijo fugidio e pediu:

-Conta tudo, diz-me o que descobristes homem, antes que eu rebente de ansiedade!

Licínio sorriu, fez um ar importante, antes de responder:

-A diva chama-se Joana, mora em Cascais! Tenho aqui a morada e o Elias tem bom gosto, a rapariga é cá um borracho que nem te digo!

Ângela deu uma gargalhada antes de responder:

-Pois tem, é como a mãe! Podemos ir amanhã a Cascais falar com a rapariga?
Mas, por enquanto não conto nada ao rapaz!

-Contigo vou a todo o lado! Respondeu o namorado.

Foi fácil encontrar a Vivenda, era enorme, rodeada por um jardim mal tratado, onde as ervas cresciam juntas com as flores, a relva há muito não era aparada.

Tocaram ao portão, o som de um carrilhão fez-se soar ao longe.

Passaram alguns minutos e ninguém respondeu, Licínio voltou a insistir e o mesmo som distante, mas agora alguém abriu a porta e espreitou.

Uma voz velha, algo sumida e denotando muito cansaço perguntou:

-Quem é?                                                               

Ângela, respondeu:

-Minha senhora, vimos de Lisboa e gostaríamos de falar com a Joana!

A voz, ainda, pareceu mais velha e cansada:

-Entrem, mas já disse tudo o que sabia!

O portão rangeu, como se há muito não tivesse servido, mas lentamente abriu o suficiente para poderem entrar.

Percorreram o pequeno caminho, de saibro, onde as ervas despontavam por entre as pedras.

A mulher tinha um ar, mesmo muito cansado ou, talvez seriamente doente. Magra, extremamente magra, as olheiras fundas davam-lhe um aspecto tão triste que contagiava.

Olhou-os do fundo de uns olhos piscos e perguntou:

-São da polícia, não são?

Os dois, quase, em uníssono:

-Não, não temos nada a ver com a polícia, só queremos falar com a Joana!

A velha deixou cair umas lágrimas  das poucas que lhe pareciam restar. Deu um aí, tão fundo que doeu ouvir. Depois com aquela voz cansada e sumida falou:

-Vai fazer três meses, agora no dia 25, que a minha neta Joana e o Ambrósio, o nosso motorista, tiveram aquele terrível acidente.
Deus não quis que se salvassem, morreram os dois.
O Ambrósio ficou ali mesmo, a Joana ainda esteve dois dias em coma, mas não aguentou, partiu também. A minha neta era doida por estar ao pé do mar, ficava horas olhando as ondas, enquanto o Ambrósia esperava como um cachorro dedicado.

Parou, um pouco, para ganhar força e continuou:

-Naquele dia, um doido chocou contra eles, foi uma coisa horrível! Não consigo esquecer!

Ângela estava petrificada Licínio, mais racional, perguntou:

-A sua neta era invisual?

-Não! Respondeu a velha, mas se tem resistido, segundo o médico, ia mesmo ficar cega, os olhos ficaram muito mal tratados. Pobrezinha!

-E o carro? Perguntou, Licínio.

-O carro? Bom o carro não tem conserto, foi por isso que pensei que fosse a polícia, por causa do seguro.

Desculpem mas estou muito cansada, agora têm que ir embora!
Não me achem indelicada!