segunda-feira, 15 de julho de 2013

Despedida







Há palavras que doem, há momentos dolorosos  e decisões que nos tolhem.

Quem me conhece, um pouco mais do que aqueles que fazem o favor de me acompanhar, por aqui, sabem que eu sempre vivi rabiscando os blocos que me acompanharam, hoje, substituídos pelo computador ou IPad.

Vivi momentos em quem o escrever, era bem mais que escrever. Sem ser cura, disfarçava as dores que me apertavam, me oprimiam e que só vão morrer quando eu partir.

Mas, confesso! Estou muito cansado e desiludido, sinto um vazio que nem as frases já conseguem preencher, sinto uma nostalgia letárgica, um sentimento que não sei, bem, explicar.

Ando pelos vossos Blogues, que amo, porque sempre me acompanharam, e apenas deixo palavras de circunstâncias porque me falta a verve para ir mais além.

Eu queria e, há muitos meses que o penso, mas só hoje ganhei a coragem que me tem tolhido o desejo.

Vou fechar este Blogue, devagar, da forma menos dolorosa, quase sem o sentir.

Tudo, tal a vida, tem um fim!

Vou sofrer, vou ter a sensação de, mais uma vez, perder parte da minha existência. Mas vou fechar!

Devagar, quase despercebido.

Se um dia aqui chegarem e,  este espaço, seja apenas espaço, fiquem certos de que ando por ai, a espreitar, no silêncio, mas sem nunca os esquecer.

Afinal, todos vós, já fazem parte de mim!

Perdoem esta lágrima rebelde!
Manuel





O que me dói não é 
O que há no coração 
Mas essas coisas lindas 
Que nunca existirão... 

São as formas sem forma 
Que passam sem que a dor 
As possa conhecer 
Ou as sonhar o amor. 

São como se a tristeza 
Fosse árvore e, uma a uma, 
Caíssem suas folhas 
Entre o vestígio e a bruma. 

Fernando Pessoa

sexta-feira, 12 de julho de 2013

A escolha







Dona Matilde limpou as mãos ao avental, num gesto quase casual, tentou abafar a raiva mas não conseguiu, foi mais forte que ela e gritou:

-Ah filha de um chibo, se te ponho as mãos deixo-te sem conserto!

Rosinha ficou sem pinga de sangue, nunca pensou que a mãe fosse senhora para tamanha linguagem.

-Filha de um chibo!  Como podia dizer tal coisa, o defunto pai não era nada disso. Se fosse, então o que chamar à mãe?

Arranjou coragem e enfrentou-a:

-Então mãe é preciso essa linguagem e esses palavrões?

-Palavrões? Palavrões vais tu ouvir quando te puser as mãos em cima. Ou pensas que isto fica assim? Pensas que eu vou aturar essas modernices! Não te passe isso pela cabeça, prefiro ver-te num caixão!

-Oh mãe, não digas isso, Deus ainda te castiga! Choramingou Rosinha.

-Ouve rapariga, não venhas com lágrimas de crocodilo, não queiras apelar a sentimentos, porque isso é uma coisa que tu não tens, se os tivesses olhavas para o pobre do Hilário que parece um cão vadio, ofegante a seguir os teus passos, a beber as tuas palavras, a adivinhar os teus pensamentos. E tu, tu, minha cabra, miras e finges não ver! Olhas, aproveitas as benesses e nem uma festa na cabeça do pobre cachorro.

-Mas mãe não compreendes, a minha felicidade para ti não conta! E sabes mais? Prefiro que me vejas num caixão, nem irias sentir minha falta, mas posso garantir que não te vou dar esse prazer! Vou seguir a minha vida! Gostes ou não gostes! Se o pai fosse vivo, tenho a certeza que me ia compreender e dar-me a apoio que tu não me dás.

Matilde corou, parecia que lhe ia dar uma coisa má, enrolou as mãos no avental num gesto nervoso e gritou:

-Deixa o desgraçado do teu pai em paz! Porque se ele voltasse e visse, o que eu ando a ver, morria outra vez, e desta vez ia morrer feliz!

Rosinha empinou o nariz, limpou os olhos, empertigou-se naquele orgulho mascarada de altivez e bateu com a porta, enquanto ia sussurrando:

-Vou respirar para a rua, aqui só cheira a retrógradas, a velhas!

Saiu rápida, mas ainda sentiu um sapato a bater na porta, que acabara de fechar.

A mãe era para esquecer, antiquada, bota-de-elástico. Não tinha paciência para a aturar. Tentou, Deus sabe que sim.

Mas que havia de fazer, o raio da velha, não aceitava que a filha se tivesse apaixonado por outra mulher, mas estava decidida ia viver com a Clarisse.

Clarisse era a mulher da sua vida!






segunda-feira, 1 de julho de 2013

A vida








Maria do Rosário estava apaixonada, nunca se sentiu assim, uma doçura desinquieta, um formigueiro na barriga, um acelerar no coração.

Já muitas vezes desejou e se sentiu atraída por rapazes,  ia com eles no sentido e adormecia com uma humidade, lascívia e confortante, mas agora era diferente, sonhava com um de mãos dadas, pensava em passeios à beira mar, olhos nos olhos, suspiros doces, beijos gordos e molhados, agora era um amor diferente, preenchia o corpo, alimentava a alma e dava sentido à vida.
Agora, sabia ela, era amor de verdade.

Conheceu-o, por acaso, é daquelas coisas que acontecem, deve ser o destino. Foi na casa da Margarida, num fim de tarde que prometia mas, de repente, começou a chover intensamente. O boletim meteorológico já a tinha avisado mas, como sempre, não ligou.

Ele estava lá, era primo do marido da amiga.

Prendeu-lhe os olhos, percorreu-lhe o corpo, sentiu-lhe o cheiro, tomou conta do seu querer. Queria falar mas ficou sem graça, aparvalhada.

-Que se passa rapariga, perguntou Margarida. Nunca te vi, assim, tão calada!

-Desculpa amiga, sussurrou Maria do Rosário, mas há momentos de magia e até as mais tagarelas, como eu, se deixam prender.

Depois arrependeu-se de ter falado, corou, gaguejou e foi até à janela fingindo ir espreitar a chuva.

Mário, assim se chamava o Apolo, percebeu o encabulamento da rapariga, já era normal causar esse enlevo nas mulheres.
E gostava!

Mas esta parecia diferente, não foi só físico, sentiu magia, uma atracção feita do desejo da presença, de gosto pelo olhar e do prazer pelo estar. 

Era linda, assim lhe pareceu, olhos que brilhavam, intensamente, numa cor indefinida,  rosto emoldurado por fartos  caracóis negros, lábios maduros e um corpo com tudo no sitio certo e nas quantidades devidas. Deus, quando a concebeu, não estava de férias, redundante, mas graças a Deus!

A tarde ia caindo e a chuva parecia querer continuar, eles bem avisaram!  Mário aproveitou para perguntar:

-Maria do Rosário, julgo ser esse o teu nome, posso deixar-te em qualquer lado? Está o chover e eu tenho o carro mesmo defronte da porta!

A rapariga tremeu, sentia algo a trepar pelas pernas, jura que um frio lhe percorreu a espinha e se foi diluir, num doce calor, num sítio que não era capaz de dizer.
Quis falar - muito obrigado não vale a pena! - mas o desejo deu-lhe uma martelada na cabeça e apenas lhe saiu:

-Muito obrigado mas vou aceitar, nem guarda-chuva tenho!


*****

Começou assim, como a nascente de um regato, timidamente, depois tonou-se firme, intenso e apaixonado.
Correram todos os caminhos do amor, ternos, doces, relaxantes, brutos e loucos.
Foram brisas e tempestades, doidos, irracionais e meigos, tão meigos como as sedas deslizantes dos lençóis.

***
Um dia, desgraçadamente, há sempre um dia, ele não apareceu.

­-É a minha ânsia, dizia Maria do Rosário, afinal ainda é cedo!
Já passou uma hora, nunca se atrasou cinco minutos.

-Estará farto de mim! Imaginou com pavor.
 Não pode ser, ainda ontem fizemos o amor mais doce e intenso, mais firme e mais selvagem, tal como ele, como nós, gostamos.

-Foi o trânsito, deve estar numa zona sem rede, o telemóvel não dá sinal.

-Será que me usou e agora desaparece, assim, subtil como apareceu!
-Não lhe perdoaria nunca, era capaz de o matar, não seria de mais ninguém!

Telefonou para todo o seu mundo, e para o mundo comum.

Ninguém sabia dele.

-Alguma das suas parvoíces! Disse a tia Aninhas. Tal como o ano passado, quando se meteu no avião e foi para umas maluquices em África!

-Não, não pode ser, gritou Maria do Rosário, ele não me fazia isso!

********

Nem sempre as más notícias são as primeiras a chegar, foi no dia seguinte, às 11 horas, que o telemóvel tocou, Era a Emília:

-Rosário, vem já a minha casa! E desligou.

Sentiu uma agonia que lhe deixou um zoar na cabeça, queria pensar e nada, as ideias troavam num desalinho total. Que terá acontecido?

Não gostou do que encontrou, caras pesadas, olhos vermelhos de choro, um cheio acre a desgraça.

-Mas o que se passa?  Perguntou Maria do Rosário. Que foi? Contem-me por favor?

-Tem calma, pediu Emília, vamos ter fé, vamos rezar. O Mário teve um acidente, com a mota, está no hospital e muito mal mas ele é forte. Vamos pedir a Deus!

-Se ele morrer eu morro com ele, juro, chorou Rosário.

Deus não os ouviu, ou não quis ouvir, ou então, fingiu que não estava atento e o pobre Mário não resistiu.
Morreu nesse dia as 21 horas e sete minutos.

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Maria do Rosário carregou um luto de três dias, pensou com tristeza nos bons momentos, nos passeios românticos à beira rio, recordou com saudades as serenatas que ele improvisava, não cantava bem mas a voz rouca tinha uma certa magia, reviveu  aqueles momentos, de pura loucura, nos imagináveis lugares onde aconteciam , sem tabus, sem medos, quase irracionais.

Viu, como num filme, o cadáver sereno naquela urna cheia de dourados, o mesmo sorriso que a morte não soube apagar, depois aquela mole imensa a caminho dum cemitério onde, o forno grande, transformou em cinzas o que restou de uma vida.

Foi o regresso a casa, agora mais vazia, diferente, sem as gargalhadas roucas. Silencio, apenas silencio que dói, de forma estranha, dentro de nós.

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Encontraram o corpo passados dois dias, vestida de noiva, com um esgar de sofrimento no rosto.
As pessoas dizem que foi do desgosto, os médicos sabem que foi do veneno.




Esta bela música foi oferta de uma grande amiga , no sexto aniversário do meu Blogue.