Um ano novo está à porta, deixemos a tristeza e
vamos tentar um sorriso:
Todos nós conhecemos uma Maria Inês. Eu conheço
uma que, por vezes, serve para estes meus escritos.
Escutem este, entre mãe e filha:
-Mãe…oh mãe.
-Que é rapariga? Essa gritaria toda para que?
-Que dia é hoje?
-Sexta-feira. Porquê?
-Não é isso, Que número de dia?
-Oh rapariga, dás comigo em maluca. Hoje é dia 4. Que se passa?
-Porque estou lixada! Esta gaita já está oito dias atrasada.
-Já fizestes asneira? Esse teu juízo, ou melhor, falta dele não te auguram nada de bom. Eu já estava admirada que isso só tivesse acontecido agora. Não prestas para nada, a não ser para me dares desgostos!
-Mãe não seja assim. Oh pá… são coisas que acontecem. Eu sou gira e tenho que viver a vida.
-Desgraçada! E quem é o sujeito que te fez isso?
-Sei lá! Pode ser o Augusto, o Gilberto, o Vítor, o André ou o Ricardo.
-Valha-me Deus! Ao que o mundo chegou. E agora o que pensas fazer?
-Sei lá! Agora vou fazer uma dessas cenas para ver se estou grávida. Depois ou estou ou não estou.
-Isso é uma verdade de Monsenhor La Palisse
-Que merda é essa do tal Monsenhor?
-Esquece! Se tiveres prenha que pensas fazer da tua vida?
-Ora vou ganhar umas massas. Cada um dos gajos dá-me pasta para a parteira. Recebo de cinco e pago um, logo fico a ganhar quatro. Se não estiver, digo que estou, eles pagam na mesma e ainda ganho mais. Diz lá que eu não sou esperta?
-Meu Deus criei um monstro!
-Mãe, há muitos pais Natal? Perguntou Clarinha.
A mãe ficou um pouco preocupada, não sabia bem como responder. A menina tinha apenas seis anos e ainda vivia o sonho, lindo, de acreditar no Pai Natal, no trenó e nas renas. Não queria que a filha perdesse, tão nova, toda essa magia.
- Que pergunta, Clarinha, então não sabes que Pai Natal só há um!
- Mas insistiu, a criança, eu já vi tantos e eram, todos, diferentes. Vi um gordo à porta da loja dos brinquedos, depois vi um magrinho na esquina da rua, das casas bonitas, estava a fumar e o Pai Natal não devia fumar. Pois não, mãe?
Maria do Carmo pensou quanta falta lhe fazia o marido, ele saberia explicar bem todos estes porquês, mas algo o chamou e ficou ela e a filha.
Foi difícil, não estava preparada para ser pai e mãe ao mesmo tempo e muito menos para ter tantas carências que a estavam a atirar para situações que, na verdade, não queria, mas tinha que alimentar a magia do Natal no sonho da filha:
- Sabes, Clarinha, que só há um Pai Natal, é o que vem deixar as prendas ao meninos e meninas que se portam bem, os outros que estão por aí, são a fingir para enfeitar as lojas.
- Mãe, voltou a criança, e eu portei-me bem, não portei?
- Muito bem meu amor, és uma menina muito especial. Respondeu a mãe.
*****
Foi num domingo, de Maio, estava um Sol que convidava a um momento de laser no bar à beira mar.
Maria do Carmo pediu um gelado, não conseguia resistir a duas bolas, regadas com um licor de chocolate, e foi sentar-se numa mesa ao fundo da esplanada.
Com muito cuidado, parecia uma criança, ia tirando porções muito pequenas, para o fazer durar mais. Era um quadro lindo, a colher deslizava suavemente, tentando segurar uma fina tira de sorvete, com algum licor, que depois com os olhos semicerrados, deixava derreter de forma, quase sensual, na língua.
Na sua frente, Albano, estava fascinado com o gesto, com o encanto sedutor da imagem. Era digno de ser visto, uma mulher linda num êxtase total, absorvida no delicioso sabor de um sorvete que ia deixando, muito lentamente, derreter na boca, de forma, quase, sensual.
Não resistiu, era demasiado, Foi comprar um gelado, aproximou-se e delicadamente sussurrou:
- Há imagens que ficam comigo para sempre, tem magia.
É difícil descrever este momento, queria ficar com ele eternamente!
Posso sentar-me e fazer-lhe companhia neste momento tão especial?
Maria do Carmo corou, não pensava estar a ser alvo de atenção. O moço era giro e parecia simpático. Porque não?
- Esteja à sua vontade, respondeu, a mesa não é minha e esqueci que não estava só, deixei-me levar pelo prazer que um bom gelado, sempre, me provoca.
Albano sorriu, tinha um sorriso saudável, dentes perfeitos nuns lábios desenhados por um artista, os olhos de uma cor indefinida, pareciam cinzentos, e altamente sedutores.
Tentou continuar o diálogo:
- Sabe menina, desculpe, não sei o seu nome!
Ela quis hesitar mas respondeu:
- Maria do Carmo, mas não importa o meu nome, tenho que ir embora!
- Lindo nome! Elogiou Albano. Mas só podia ser assim, para condizer com a dona! Não vá já embora, vamos prolongar este momento, de prazer, até acabarmos os nossos gelados!
Não pode evitar um sorriso antes de responder:
- Também não sei o seu nome e não me importa! Mas não se arme em sedutor barato!
Ele corou e quase gaguejou ao responder:
- Desculpe, tem toda a razão, fui importuno e sem princípios! Sou o Albano e juro que não sou nada do que diz, foi uma atracção natural e sinto que também não lhe fui indiferente.
- Oh! Exclamou ela, também é convencido e pretensioso!
- Não diga isso! Suplicou Albano.
Depois foi um amenizar da conversa, os sorrisos que dizem mais que mil palavras, os gestos simples e a cumplicidade que alicerça os sentimentos.
******
E foi assim, desta forma simples, que começou uma história de amor.
Momentos de ternura, caminhar de mãos dadas, promessas feitas no calor da paixão, juras eternas e compromisso de um seguir juntos, até que Deus os separe.
Foi um namoro de seis meses, casaram em Dezembro, não estava previsto, mas naquela manhã, Maria do Carmo deu a novidade:
- Amor estou grávida!
Albano ficou tão feliz que apenas lhe saiu:
- Vamos tratar já do nosso casamento! Vamos construir o nosso lar, para receber o nosso filho quando nascer.
******
Foi em Julho que Clarinha abriu os olhos ao mundo.
Disseram, logo, que tinha os olhos do pai e a boca da mãe.
O casal continuou, no mesmo encanto, o amor foi dividido por três, ninguém notou a diferença, eram felizes.
Estavam, novamente, em Maio. Iam fazer seis anos que se conheceram naquela esplanada à beira mar.
A Primavera, prometia as tardes quentes, havia no ar um certo lirismo. É natural na estação das flores, o romantismo, convida ao amor.
****
Albano estava com um ar nostálgico, Maria do Carmo, apercebeu-se. Não era normal, estava sempre tão alegre.
Albano estava com um ar nostálgico, Maria do Carmo, apercebeu-se. Não era normal, estava sempre tão alegre.
Tentou, com carinho:
- Que se passa amor? Compartilha, comigo, os teus pensamentos!
Albano pareceu acordar, daquela espécie de letargia, e lembrou à sua amada:
- Sabes que faz amanhã seis anos que nos conhecemos? Recordo com muita saudade aquele momento mágico.
- Não esqueci! Confessou Maria do Carmo.
- Sabes o que vou fazer, disse Albano, vou à gelataria, comprar dois gelados, de duas bolas regadas com chocolate. Temos que comemorar aquele encanto.
*****
Saiu porta fora, vai fazer amanhã seis meses.
Saiu porta fora, vai fazer amanhã seis meses.
Não mais apareceu, nem em casa, nem no emprego.
A polícia já tentou tudo. Mas mesmo tudo.
E nada!
Nunca mais voltou, não mais deu sinal.
Desapareceu como se tivesse evaporado no espaço.
Mas, Maria do Carmo, continua à espera, o coração diz-lhe que ele, um dia, de repente, vai aparecer com dois gelados, de duas bolas, com creme de chocolate.