Não sabe como aconteceu um dia, de
repente, acordou naquela cama, naquela casa, naquela terra mas não sabia como.
Não conhecia nada do que o rodeava,
era tudo tão estranho.
Nunca teve tal cama, fofa, cheia de cor e de grandes almofadas fofas, lençóis de seda e edredão de penas suaves e macias.
O quarto era imenso, paredes de uma cor
pérola, na parede, a encimar a cama, uma bela pintura, "A Maja nua"
de Delacroi.
O tecto, em abóboda, era um enorme
fresco de uma reprodução de um céu estrelado, imenso e profundo que o deixava
numa grande pequenez.
Espreitando, pela imensa janela, via uma cidade que lhe era, totalmente, desconhecido
Ruas largas, transito muito ordenado,
pessoas passando apressadas e aconchegadas, em grossos casacos, para se
defenderem do frio que se adivinhava nos restos de neve, ainda visíveis, nos
passeios.
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Era tudo tão estranho. Beliscou as maçãs do rosto, doeu, era sinal que não estava num sonho, era real.
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Era tudo tão estranho. Beliscou as maçãs do rosto, doeu, era sinal que não estava num sonho, era real.
A casa, a sua casa, tinha um quarto miserável, com um cama asseado mas com lençóis já amarelados, pelo uso e uma manta cor de rato. Paredes desbotadas, onde a humidade tinha pintado manchas escuras de bolor, a janela era um postigo, a precisar de pintura, com um vidro martelado no centro.
Na parede um velho quadro, herança da
avó, de um anjo protegendo duas crianças junto a uma fonte. A porta, que
dava para o corredor, era uma cortina presa por esticadores a dois camarões de
latão amarelo.
Espreitando pela janela apenas campos, verdejantes, e árvores apontando ao céu.
***
Agora acorda assim, num cenário quase irreal, no desconhecido, numa terra com prédios onde cabia, de certeza, a sua aldeia.
Já se beliscou e está bem acordado, se
não fosse um leve torpor na cabeça diria que se encontrava totalmente bem.
Estava com receio, diria mesmo com medo, de deixar o quarto, não sabia o que estava para além da porta que o dividia do mundo lá fora.
Vestiu a roupa que estava pendurada, não se lembrava mas, se calhar, era dele.
Saiu.
Era um corredor imenso, chão brilhante, com uma passadeira vermelha, presa com grampos dourados.
Nas paredes quadros, com paisagens, e
alguns espelhos em molduras trabalhadas numa espécie de talha.
Ao fundo um elevador, marcou o
piso 0. Saiu num enorme átrio, onde um sujeito, de farda azul com botões
doirados, o saudou com um:
-Good morning mister Russell!
Olhou para todos os lados. Era para ele, o senhor deve estar enganado, fez confusão, falou numa língua estrangeira e chamou-o de um nome que não era o dele.
-Good morning mister Russell!
Olhou para todos os lados. Era para ele, o senhor deve estar enganado, fez confusão, falou numa língua estrangeira e chamou-o de um nome que não era o dele.
Sabia que era inglês, não sabia falar mas percebeu, que ele tinha dito bom dia senhor Russell, já tinha ouvido em muitos filmes, mas começava a ficar preocupado.
Onde estava? Porque e como veio parar aqui?
Ainda se soubesse falar inglês, mas só conhecia palavras dispersas.
Olhou o edifico donde acabou de sair
e pela placa no frontispício "The Ligth Hotel", ficou a saber onde passou a
noite.
Até há pouco estava, apenas, preocupado mas agora começava a entrar em pânico, o terror começou a infiltrar-se nos ossos e a percorrer-lhe o corpo, como se lhe tivessem injectado uma dose de qualquer droga.
Começava a ter fome. Verificou os bolsos, se tinha uma roupa também devia ter carteira e, quem sabe, até documentos.
Tinha um cartão, pelo aspecto, era uma carta de condução.
Será que tinha carro?
Também encontrou diversos cartões,
mas não sabia bem para o que eram.
Bilhete de Identidade não encontrou,
mas tinha bastantes notas de Libra, mesmo muitas, e também cartões multibanco
de três bancos. Mas não sabia códigos.
Tinha dinheiro, ia comer, o resto deixava para mais tarde.
Foi espreitando até que reparou num restaurante onde se iam servir e à saída pagavam, sem necessitar de muita conversa, era um Garfunkel's.
Ia fixar.
Andou toda a tarde, o dia estava muito frio, andar ajudava a manter o corpo a funcionar.
Ficou a conhecer um pouco da cidade, era grande e muito ordenada.
Só tinha pena de não perceber o que
diziam, sabia que era inglês, lembrava dos filmes de televisão os yes e uns good's que ia escutando aqui e ali.
Ia voltar, ao mesmo restaurante, e depois ia tentar o mesmo hotel.
Devia ser o seu poiso.
Quando cruzou a porta, o mesmo porteiro, com a mesma farda, muito solicito aproximou-se com um:
-Your key, mister Russell!
Estendeu-lhe o cartão, da porta, do quarto.
Bom, hoje, já, tinha onde pernoitar.
Estava um pouco nervoso, sempre se chamou Ernesto e, agora, era mister Russell, como se isso fosse nome de gente.
Russell imaginem!
Estendeu-se na cama e ficou e admirar aquele imenso céu, estrelado, era uma pintura mas até parecia que algumas das estrelas cintilavam.
Estendeu-se na cama e ficou e admirar aquele imenso céu, estrelado, era uma pintura mas até parecia que algumas das estrelas cintilavam.
A matrona da pintura também não
estava nada mal.
O grande problema era saber como tinha vindo aqui parar, quem era, como tinha estas roupas chiques, a carteira recheada, uma carta de condução se nunca tinha pegado num carro, só na motorizada ou na bicicleta, mas carro e nesta terra, onde andam ao contrário.
Isso era impossível.
Adormeceu, enquanto os olhos passeavam naquele mar de estrelas, que pareciam querer brilhar naquela imaginada dimensão.
*******
Acordou, esfregou os olhos tentando lobrigar, por entre o lusco- fusco, o que o rodeava.
Estranho! O quarto era diferente, sem
quadros, sem abóbadas pintadas, sem edredão de penas.
Estava numa cama articulada, um tubo enfiado, com um cateter, no braço. Estava ligado a um saco de soro, pendurada num suporte, tinha os braços imobilizados por ligaduras e um tubinho com uma cânula de dois pinos enfiados no nariz.
Uma menina de uma bata branca entrou no quarto e exclamou:
-Bem vindo senhor Ernesto, finalmente
acordou. Esteja calmo! Vou chamar o doutor.
Saiu ligeira, reparou que era muito jeitoso, mas foi um mero notar.
Voltou acompanhada por um sujeito, devia ser o médico. Simpático, com um sorriso a rasgar o rosto. Um fino bigode dava-lhe um ar de David Niven, voz suave e aspecto de muito competente.
Olhou Ernesto com um sorriso:
-Então, caro senhor, conseguiu dar um
exemplo de como lutar pela vida, foi formidável nunca desistiu.
Chegamos a recear muito, mas mesmo muito. mas conseguiu ser muito forte.
Como se sente?
Chegamos a recear muito, mas mesmo muito. mas conseguiu ser muito forte.
Como se sente?
-Senhor doutor, ainda ontem eu era uma pessoa diferente, a viver num país distante, num hotel especial, com boa roupa e muito dinheiro no bolso. Tinha um quarto que me aproximava do firmamento e, de repente, acordo todo estropiado, ligado por tubos, enrolado em ligaduras, com dores em todos os sítios. Não sei se sonhei ou se estou a sonhar!
O doutor não conseguiu evitar um sorriso, mas respondeu:
-Deve ter sonhado e teve sorte! Podia ter sido o seu maior pesadelo.
Já a sua motorizada não pode dizer o mesmo,
essa morreu de verdade, não tem conserto!
Agora descanse, vá!