segunda-feira, 22 de junho de 2015

Confusão























Hoje, dia 24, o meu Blogue completa 7 anos.
Maravilhosos pelos amigos que fui encontrando, pelo estímulo e amizade.
Obrigado a todos.





A tarde estava muito quente, se não fosse uma ligeira brisa que o renque de árvores, da frente, nos oferecia seria, quase, insuportável.

Apetecia-lhe uma bebida, não que fosse pessoa de beber, mas hoje tinha esse desejo.

Pensou num whisky, mas detestava, um gin-tónico vinha a propósito mas, foi proibido pelo médico por causa dos rins, o melhor era mesmo um copo de água.
Ia saber-lhe bem mas a preguiça venceu a vontade, não lhe apetecia levantar o rabo da cadeira, ficou pelo desejo.

Antes não era assim, estava sempre pronto à acção, motivava-o, corria, surfava e uma serie de coisas para manter a forma.
A mãe dizia: "Rapaz parece que tens bichos-carpinteiros"!

E parecia mesmo!

Tudo mudou, não foi de repente, aconteceu assim, pouco a pouco.
Primeiro tentou reagir, ser forte e parecia estar a conseguir.
Pegava na bicicleta e saia, disparado, na tentativa de que o pedalar concentrasse todas a atenções, mas em vão, os pensamentos estavam  tão distantes que se esqueceu que devia travar a roda traseira e a queda, embora aparatosa, apenas lhe feriu o amor-próprio.

Ficou envergonhado com os risos dos outros, para piorar, a roda da frente entortou e teve que carregar, o velocípede, às costas.

Foi direita para a arrumação, nada de ciclismos.


Pensou em pegar na prancha e ir até ao mar mas, não tinha disposição, a imensidão do oceano ia aumentar a solidão que tinha tomado conta do seu ser.

Era estranho, não sabia bem os motivos desta apatia, espécie de angústia, que o sufocava num género de agonia.

Tinha amigas, muitas mesmo, e os convites para festas e saídas eram constantes, mas não, ia arranjando desculpas e acabava os serões em casa olhando, muitas vezes sem ver, aquelas series que a televisão ia impingindo.
Acabava por adormecer.
Amigos? Não tinha muitos, apenas um que vinha de infância, não sabe bem porque, acontecia, mesmo na faculdade eram mais as colegas com que se relacionava.
Não sabia bem porque, pois nunca teve problemas, ou preconceitos, mas sentia-se mais confortável relacionando-se com as raparigas.

Era uma questão de sensibilidade, elas eram mais intuitivas, gostavam de falar de assuntos sérios, ao contrario dos rapazes que só falavam de gajas e, às vezes, para variar de futebol.

Tem, ou teve, um amigo de infância, o Fausto, que o acompanhou no secundário e depois, na Faculdade, durante o curso.

Eram muito chegados, muitos pensavam que demais. Mas não!
Eram apenas amigos, que compartilhavam muitos gostos e gostavam de praticar desporto em conjunto.

Ao fim dos dias, sábados e domingos, não perdiam umas boas ondas para surfar, ou um passeio de BTT por montes e vales.

Mas, até isso, acabou porque o Fausto, acabado o curso e ouvindo o conselho de um tal Passos Coelho, pegou na bagagem e imigrou na procura daquilo que lhe tinha prometido e que agora lhe negava. Trabalho.

Não se arrependeu, encontrou e está feliz, não se lamentava por ter seguido o conselho, de um mentiroso, pois leu num jornal que o tal diz que não disse, mas não se admirou, pois o tipo, é perito em não fazer o que disse e, até, em dizer que disse o que nunca disse.

Para Almerindo, a partida do Fausto, foi um rude golpe, o único amigo verdadeiro, parceiro de tantas horas de estudo e aventuras radicais.
Para ele, Fausto, era o irmão que sonhou e que, possivelmente, a separação dos pais, nunca deixou.

Podia ter emigrado, também, a amigo insistiu, tinha lugar na mesma Empresa, mas a mãe já não era muito nova e precisava muito dele.

Não queria emigrar, mas desejava muito, mesmo muito, ir para junto do amigo, mas não podia, a vida de quem lha tinha dado precisava dele.

Deixou de atender às chamadas do amigo, não respondeu mais aos emails.
Sofria! Mas tinha descoberto que não há, na vida, impossíveis.

Ele já desconfiava que havia algo de diferente, lutou sempre contra isso, não queria admitir, pensava que eram apenas devaneios, próprios de alguma imaturidade, de dúvidas sobre os mistérios que a vida nos reserva.

Almerindo tinha a certeza, agora tinha, ou pela primeira vez quis assumir.
Para já perante ele. Pois para o mundo ainda não estava preparado.

Era gay e estava apaixonado pelo Fausto.

Não lhe ia responder, não atenderia mais o telefone.
Ia esquecer. 

Almerindo era casado e muito feliz.





quinta-feira, 4 de junho de 2015

O Segredo ( Afinal havia um)




 O Segredo




As coisas não ficaram fáceis.

A pouco cumplicidade que, apesar de tudo existia, morreu nesse momento.
Raimundo, o bem comportado, rompeu as regras e estava arrependido, mas agora nada podia fazer, já estava feito.

Mónica, olhou o irmão num misto de ódio e desprezo, atirou-lhe à cara o que restava do café, levantou-se, furiosa, praguejando:

-Nunca tive duvidas, és um maricas camuflado, um lambe cús, um fingidor, sonso e falso como um judas. Tenho nojo de ti e vou fazer da tua vida um inferno! Vais-te arrepender para sempre!

Bateu com a porta e desapareceu.

***

Foi mudar de roupa, o café que a irmã lhe atirou fez os seus estragos. Não parecia preocupado, estava habituado ao chorrilho de ameaças constantes, era por tudo e por nada. Mas ela precisava dele e muito, quando estava falida, o que era constante, retirava as ameaças e aparecia mansa como um cordeiro. 

"Sabes mano que um dia te pago tudo, com juros, mas preciso de duas notas de 20 Euros."

E, isso, ia acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Mas agora ia ser duro e inflexível, nem um tostão mais, nem a ponta de um corno. Se queria ter dinheiro que fosse trabalhar, em vez de andar a roçar o rabo, com o namorado, pelas esplanadas e a fazer vida de menina rica.
 
Ela, agora, pensava que era treta, mas não, ele tinha um segredo, um segredo, que guardava porque precisava de certezas, absolutas, e ainda não as tinha. Mas ia ter, não tardava, ia ter!

Agora não está feliz, muito pelo contrário, adora a irmã, embora reconheça que ela não é flor que se cheire, é egoísta, só pensa no próprio bem-estar, mas é a mana mais velha.

Não foi, sempre assim, o namoro é que a modificou, da irmã carinhosa, e protectora, tornou-se uma mulher calculista e, um pouco, gananciosa.

A mãe, um dia, perguntou-lhe porque não trazia o namorado cá a casa, para o apresentar à família. A resposta não convenceu. Disse, que ele, só iria quando a fosse pedir em casamento. Quem podia acreditar nisso.

Raimundo é uma pessoa pacífica, parece um deixa andar, mas puro engano, está sempre atento, observa e tenta perceber todas as situações de uma forma subtil, sem deixar rastos.
Muitas vezes pensa, perdoando a redundância, se fosse um psicólogo, era um bom psicólogo.

Ele ama a irmã mas não compreende a mudança, desde que anda com esse tal Daniel, um gajo de mau aspecto, tipo chulo.

Raimundo conheceu-o por acaso. Foi num domingo, que viu a irmã toda agarrada a um tipo a caminho do metro, tão absorvida que quase chocava com o ele sem o ver.
Teve que a acordar:

-Então Mónica não falas ao mano?

Notou que ela ficou um pouco constrangida, mas emendou a tempo:

-Tu aqui? Não estava à espera, vou ao cinema com o meu namorado! Olha apresento-te o Daniel, o meu querido!

O tal, Daniel, olhou-o de alto-a-baixo antes de lhe estender a mão, balbuciou um muito prazer, pegou no braço da Mónica e seguiram no caminho das escadas do metro.

Raimundo ficou muito desiludido, não esperava grande coisa mas era muito pior.
Untuoso, ar encardido, aspecto de cão vadio.

Não gostou, nada mesmo, não era homem para a irmã, mas nada podia fazer, ela era grande para saber o que queria, só era pena não escolher o que devia.

Nessa noite, a Mónica, estava mais atenciosa do que era normal, quase simpática. Estava ansiosa pela chegada do irmão, mal ele abriu a porta:

-Então Raimundo, que me dizes do meu Daniel?

-Não tenho nada para dizer, é a tua escolha, tu é que sabes! A propósito o que é que ele faz? Qual é o trabalho dele?

Mónica rasgou um sorriso, de orelha a orelha, mas respondeu:

-O meu Daniel não faz nada, a não ser gerir as fábricas do pai que é muito rico. Ele é o único herdeiro e, um dia, será tudo dele. A agora só tem que tomar conta e dar ordens para os outros cumprirem. É um senhor!

-E, tu, mana já conheces os teus futuros sogros?

-Em breves todos nos vão conhecer, o meu Daniel vai preparar uma festa para me pedir em casamento e, todos se ficam a conhecer.
 Não tarda vamos ser uma família!


******

As coisas não estavam famosas mas havia uma aparente calma que, de repente, desapareceu com aquela mensagem que não devia ter espreitado. Jura, que não foi com intenção de bisbilhotar foi, mais, para acabar com o barulho irritante do aviso do telemóvel. Fez mal, reconhece, mas também foi muita falta de prudência mandar uma mensagem dessa forma, sujeito a acontecer o que acabou por suceder.
Podia ter telefonado, seria mais seguro.

Agora não tinha outro remédio, tinha que ir adiante, tinha que arriscar, sem ter certezas absolutas, mas estava certo de poder avançar com o que tinha, até agora, descoberto.
Foram muitas horas de espera, espreitar pelas esquinas, seguir, com todos os riscos, o alvo da sua investigação.
Ainda havia pontos que precisava de acertar, melhor, mas não tinha tempo e, sabia que, um descuido lhe podia sair caro. Muito caro mesmo.

Hoje mesmo, ia armar-se em Hercule Poirot, vai avançar e libertar a irmã duma situação e livrar-se ele, ele próprio, duma enrascada onde se meteu sem saber como sair.
Seja o que Deus quiser!

Mal a irmã chegou, nem a deixou pensar:

-Preciso falar, contigo, com muita urgência, é muito importante! Vem ao meu quarto sem os pais perceberem! É muito importante para ti!

Mónica encarou-o de fronha franzida, antes de responder:

-Se é para pedires desculpa prepara-te, porque comigo tudo tem um preço.

-Anda, não sejas parva, confia no mano.

Fechou a porta antes de começar:

-Tu não és a melhor irmã do mundo, mas és a minha e eu gosto muito de ti.
Gosto tanto, que me sujeitei a alguns perigos para descobrir a verdade, pois as desculpas do teu namorado não são normais, não convencem, pelo menos a mim. Tu andas cega e acreditas em tudo o que te diz.
Achas normal não saberes nada da vida dele? Acreditas nessa de te pedir, em casamento, num festa com toda a família? Acreditas?
Estás mesmo cega!
Eu não acreditei e, não gostei nada da pinta do gajo, fui à procura e descobri tudo.
É esse o segredo que me tem andado a engasgar, o segredo que tu querias mas que eu queria que não fosse verdade.

-Deixa-te de merdas, disse Mónica, o Daniel é o melhor que há no mundo e não penses que me vais fazer mudar de ideias, ele é o homem da minha vida é o que eu escolhi para casar, não percas tempo com tretas.

-Ouve rapariga, gritou Raimundo, ouve o resto. Ouve com atenção! O teu Daniel é um fantasma, não existe, tu andas com um Viriato, um fulano que nunca trabalhou a vida e que mora, na Quinta do Mocho com a mulher e dois filhos menores.
É este o meu segredo, agora já o podes usar, tenta fazer o dinheiro que querias.

Tenho pena mas é o meu único segredo!