Foi numa
tarde de Outono, num dia em que a chuva descansou e nos deixou, apenas, a magia
das folhas voando ao sabor do vento.
Sou
suspeito pois, para mim, o Outono tem uma magia que não consigo encontrar
noutras épocas. Gosto daquela luz a esconder-se por entre as folhas secas e a
penumbra translúcida do cair do dia.
Talvez,
porque sou um romântico.
Mas como ia
dizendo, foi numa tarde de Outono que, quase, por acaso olhei pela minha
janela, primeiro vi as nuvens pardacentas que corriam, mudando os desenhos
surrealistas, que, sempre, me faziam lembrar algo ou alguém por momentos, para
de seguida se transformarem em formas diferentes.
Na rua, em
frente, mesmo no portal da casa que, em tempos, foi da dona Filomena estava um
vulto que me deixou confuso. A penumbra que, entretanto, descera não me
permitia ver bem mas, parecia mesmo a pobre dona Filomena, já falecida há
alguns anos.
Eu apenas bebi um trago de whisky, foi tão
pouco que era impossível ter embotado os meus olhos, a dona Filomena morreu,
julgo que há dois anos, mas não havia dúvidas era ela, o mesmo xaile cinzento,
o corpo dobrado pelas dores e pelo peso dos anos. Conseguiu abrir a porta e
entrar, fiquei confuso se era o fantasma da senhora porque abriu a porta,
sempre me disseram que atravessavam as paredes e uma porta, penso, é mais fácil
que uma parede. Estou a divagar, a tentar desviar o pensamento, mas na verdade
tenho um arrepio que me atravessa o corpo, um frio na coluna e, julgo, as
cuecas muito próximas de estarem borradas.
Não pode
ser, deve ser destes óculos, já os devia ter mudado, mas a preguiça e esta
mania de poupar acabam por dar mau resultado.
Mas o que é
isto? Acenderam- se as luzes do andar da morta, isto e surreal, não são os
óculos, deve ser um pouco de senilidade que me faz ver coisas, ou talvez não,
porque algo anda naquela casa, vejo as sombras que passam como acontecia quando
a morta ainda estava viva.
Vou fechar
as persianas e vou espreitar pelos intervalos, apagou as luzes, só ficou a
escuridão.
Vou tomar
um ou, mesmo, dois comprimidos de Xanax, acho
que vou dormir como um anjo. Será que os Anjos dormem? Não acredito, ou
fazem turnos ou, então, á noite ficávamos entregues à bicharada,
Acordei
cedo e bem-disposto, tinha esquecido aquela aparição e prometi a mim mesmo que
whisky, só ao serão e pouco pois anda a confundir- me e a fazer- me ver coisas.
O dia está
como o de ontem, escuro, não chove mas mais
valia,
assim só aquela penumbra e um frio que enregela e que nos obriga a um trago para
aconchegar o corpo. Mas vou resistir, jurei e juras são para cumplir.
Vou espreitar a casa da saudosa dona Filomena,
assim fico a saber que as visões são o fruto de uns goles durante a tarde. Hoje
não bebi nada, por isso vou ficar tranquilo e não penso mais em visões.
Oh meu Deus
não pode ser! Neste momento, exacto, o vulto da pobre morta está a entrar na
antiga morada. Estou confuso, ela morreu mesmo, fui ao funeral e vi que o
caixão foi enterrado na campa. Hoje não bebi, a não ser que o leite agora tenha
álcool, mas não, não tem. Tenho que ir ao psiquiatra, estou a ficar apanhado da
cabeça, tenho visões e imagino ver o inimaginável.
Antes de me
considerar maluco vou bater à porta,
pode ser que a defunta tenha alguma irmã gémea, ou algo parecido, que ande a
arrumar as coisas para desocuparem a casa.
Não me
apetece muito, está frio e tenho que me vestir, mas vou senão a minha cabeça não
para de girar.
Estou a
caminho, enfiado num grosso sobretudo e com um gorro, de lã, tapando a cabeça.
Estou à porta mas, algo, parece estar a
tolher a minha mão.
Quero bater
à porta mas,
confesso, o medo deixa-me paralisado, e se a mulher me aparece, a
abrir, que faço eu?
Desato a
fugir gritando histericamente, ou desmaio mesmo ali?
Se calhar é
melhor voltar depois. Não já que aqui cheguei vou em frente!
Bati,
primeiro, suavemente e escutei. Nada, bati com mais força e, então, ouvi um
arrastar de correntes, uns passos como que deslizando em chão encharcado,
faziam um "tchloque" estranho, como se pisassem algo viscoso.
Entreabriram
a porta e, os meus olhos ficaram esbugalhados perante a imagem. Alta,
totalmente nua, longos cabelos e olhos brilhantes, pegou-me pelo braço e
arrastou-me por um longo corredor que terminava num espaço infindável, onde a
música, parecia dos “Dire Straits”, enormes fontes jorravam chocolate, mesas
intermináveis repletas das maiores iguarias. Pares, vestidos como vieram ao
mundo, balançavam- se ao som estridente da música que abafava todos os ruídos.
Luzes faiscavam, dando um ar feérico ao ambiente que nos absorvia.
Balbuciei:
-E a dona
Filomena?
A minha
acompanhante, com um sorriso luminoso, convidou:
-Esqueça a
essa, era apenas a tua guia!
Vá,
aproveita o melhor que souberes.
-Mas,
perguntei, estamos no paraíso?
Olhou- me
com ar enigmático antes de responder:
-No
paraíso? Não! O paraíso é monótono, estamos muito melhor!
Estamos no Inferno!
14 comentários:
rssssssssssss..... u me faz rir sempre comn tuas inspirações! Muito legal e pensei que seria de terror e acabou bem diferente,sr ADOREI! abração,chica
Olá, Manuel!
Imaginação, ficção ou realidade. Podem ser todas, uma ou nenhuma.
Felizmente que a sua acompanhante, o esclareceu.
Bom domingo e melhor semana.
Beijos da Luz.
Ai Manuel, Manuel...que sonhos e que visões... Parece-me que iria procurar a garrafa para me deixar a dormir...
Dizia minha mãe:
- Quem foi, foi...paz à sua alma.
Uma brincadeira com arte.
°º♡♡彡
Será que leite também faz delirar?!...
♡♬° ·. Bom domingo!
Ótimo mês de março!
Beijinhos do Brasil.
°º♡♡♬° ·.
hahaha Fico aqui me perguntando, Manuel, de onde você tira essa histórias?
Totalmente adorei.
Sua descrição na narrativa é simplesmente muito boa! Vai situando quem lê no cenário da sua história e isso é excelente!
Adorei mesmo!
Continue com esse talento de surpreender a gente! ;)
Beijos!
Olá Manuel!
Muito bom dia! Tem razão. Uma palavra de nossa lavra,exprimindo um pouco de simpatia,sabe bem a quem a diz e faz bem a quem a recebe.Isto se ouver sensibilidade de parte a parte. Eu confesso que gosto muito de mimos,"fraquesas crónicas,da vélhice..."
Agradeço a visita no meu Birras, e também o recado...
Sem pressas tenho lido os seus contos; gosto mais duns do que doutros, mas no todo eu sou fã incondicional. Admiro a sua criatividade,e aquele pormenor de nos fazer adivinhar qual será o fim da estória. Ás vezes não se adivinha, constata-se depois.
Eu não sou criativa,recordo factos passados e pouco mais. Cada um dá o que tem, é provérbio certo.
Bom carnaval,e boa semana.
Abraço.
Dilita
Sempre estas estórias que nos prendem, bem presos até ao fim. Afinal, parece que o inferno é um lugar deleitoso... Pelo menos quente! :)))
Beijinho
confesso que os finais são sempre inesperados.
por isso, não conseguimos para de ler.
muito interessante!
imaginação muito boa!
boa semana.
beijo
:)
Olá, Manuel!!
Minha nossa!!!Cada dia mais surpreendente!!!Já estava imaginando outra coisa!!rsrsr
Meu amigo tão querido, obrigada por não me esquecer! Esta decisão de voltar agora(sim voltei ao blog)devo as suas carinhosas visitas! Me lembrou o quanto sentia falta desta troca de ideias!
Meu querido amigo
A tua inspiração não tem fim e sempre surpreendes com os finais.
Simplesmente fabuloso.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
kkkkkkkkk lindo mas o final deu pra rir, tbém gosto do inverno acho mais aconchegante, mas a sua inspiração é maravilhosa gostei rsrsr
Que seja belo o seu domingo
└──●► *Rita!!
Não sei porque, mas já imaginava que o inferno seria melhor que o paraíso...rs
Um conto delicioso... mais um!
Beijinho.
Bom dia, Manoel!!!
Deixo meu beijo e meu carinho!!!
E votos de que tudo esteja bem por aí!
aguardo o próximo post
bom fim de semana.
beijos
:)
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