Tinha
parado este meu Blogue, mas o desfortúnio, por duas vezes, fez-me voltar.
Primeiro
a morte da Leninha, minha amiga destas lides.
Agora
uma pequena homenagem ao amor da minha vida, que depois de 2 anos e meio de
sofrimento, partiu em paz.
Perdi
metade de mim, a vida nunca mais será a mesma. Os dias são longos as noites
escuras, imensas e vazias.
Minha
querida Ilda, onde estiveres, acredito que nos está a ver e, decerto, feliz por
saberes que um dia vou estar, aí, novamente contigo. O nosso amor é intemporal,
a morte só consegue criar um hiato, mas Deus um dia, vai-nos deixar caminhar
outra vez de mãos dadas. Até breve amor.
UMA VIDA
Tinha
acabado de fazer 23 anos e parecia já ter vivido uma eternidade. Não tinha
rugas no rosto mas tinha, dentro do corpo, as marcas de uma existência difícil.
Ficara
órfão, de mãe, aos 7 anos e o pai, homem simples, perdeu todo o interesse pela
vida e procurou, no álcool, o refúgio para a perda da mulher que, sempre, tinha
sido a verdadeira razão da sua existência.
Perdeu
a mulher, o emprego, a dignidade e estava próximo de perder o amor do filho.
******
O
dia estava lindo e o ribeiro corria em turbilhões, pois a chuva dos últimos
dias tinha aumentado consideravelmente o caudal.
Gustavo
ia atirando pedras, que em saltos iam deslizando sobre as águas. Havia três
dias que não ia à escola, não se sentia bem junto dos outros rapazes, com os
calções tão delidos que a cada momento tinha receio de ficar com o rabo à
mostra e ser o motivo da chacota dos colegas. O Fernando era o único,
verdadeiramente, seu amigo e que com ele, muitas vezes, dividia o lanche.
Outras vezes era a dona Alzira que o chamava e, lhe aconchegava o estômago, com
uma tigela de sopa e uma bela fatia de pão untada com manteiga.
*****
Quando
tentava olhar para o passado, apenas via um rapazinho que lutava contra a
adversidade, que se alimentava da generosidade das vizinhas, com um pai de
grande coração que vivia anestesiado, nos copos de vinho, que os amigos lhe iam
pagando nas tascas da aldeia.
Quando
fez 14 anos o senhor Arlindo deu-lhe um lugar na mercearia, a troco de umas
poucas moedas e por lhe encher o estômago em duas refeições diárias.
Aos
18 anos arranjou emprego, na vila, na cooperativa.
Era
difícil, ao fim de um dia de trabalho a pisar uvas, a girar o engenho para
esmagar as azeitonas ou a carregar as sacas dos cereais, voltar a uma casa
vazia, onde apenas o "mandrião", velho rafeiro amarelo, escanzelado e
brincalhão o vinha receber com grandes festejos, num alegre abanar de cauda.
Por
toda a casa as recordações andavam de mãos dadas, com as saudades de uma mãe de
quem já, quase, esquecera o rosto e a imagem de um pai, arrastando um desgosto
afogado no álcool.
Era
difícil olhar as paredes tão vazias e, ao mesmo tempo, tão cheias de
lembranças.
*******
Neste
domingo soalheiro, como habitualmente, procurou as margens do ribeiro onde, as
suas pedras, faziam as melhores e mais longas derrapagens, deixando círculos
que suavemente iam morrendo nas margens. As libélulas, quais maquinas aladas,
pousavam suavemente nos caules que emergiam das águas. As aves, em voos
rasantes, deixavam um risco de asa antes de mergulharem na superfície ondulada
na procura de alimento. Em lado nenhum se sentia tão calmo, parecia que o murmúrio
da aragem lhe sussurrava os conselhos, com que a mãe o acompanhava. Por vezes,
era tão nítida que parecia que a voz não era trazida pelo vento, mas que a mãe
estava tão presente que até doía
.
Ao
princípio tinha medo mas agora até ficava mais tranquilo. Fechava os olhos e
imaginava-se aconchegado, nos braços macios, e banhado no perfume que nunca
esqueceu e que entrava no seu corpo, tomava conta dos seus nervos, embebia os
seus músculos, entrava no seu sangue e percorria-o todo numa doce sensação de
paz e de tranquilidade.
Chegou
a adormecer embebido nessa doce sensação de tranquilidade e, quando acordava,
sentia, mas sentia mesmo, no ar aquele aroma que o corpo da mãe exalava e que
lhe dava aquela paz que o tornava, por momentos, o mais feliz menino de mundo.
Ainda
hoje, e já vão decorridos tantos anos, quando pousa a cabeça na sua almofada,
sente a mão da mãe aconchegando a dobra do lençol.
Fecha
os olhos e tenta imaginar aquele rosto, mas a imagem esta um pouco difusa, não
consegue descodificar os pontos, que na sua mente, tenta compor o todo que aos
poucos se tem desvanecido. Quando contempla a amarelecida foto que,
religiosamente, guarda entra as páginas da Bíblia parece que o sorriso se abre
mais, mas está cada vez mais esbatida. A mãe está sempre com ele, o seu cheiro,
toda a sua essência mas o rosto estava a fugir, cada vez mais desbotado, como
se quisesse envelhecer e não ficar na idade do filho que ia crescendo.
Naquela
manhã a ribeira corria tranquila, no ar sentia o cheiro das flores de loendro que
florescem nas margens.
Gustavo
estendeu-se numa pedra e ficou a contemplar o horizonte e, a imaginar o que
seria a vida para além daqueles montes, que ao longe, pareciam encostar ao céu
e fazerem a fronteiro entre a sua existência e o outro mundo que um dia ia
descobrir.
Sempre
desejou fazer a trouxa e apanhar a carreira que o levasse para esse
desconhecido da cidade, mas não podia deixar o pai.
Se
ele partisse quem o iria recolher, ao
fim do dia, à tasca do Onofre?
Voltou
quando a fome o começou a apertar mais e as amoras não eram, já, suficientes para
a enganar.
*********
Não
demorou muito que uma cirrose levasse o pai, que até à hora da morte continuou
sempre a reclamar pela sua Lena, que tão cedo tinha partido.
Gustavo,
ficou sozinho neste mundo onde o colocaram, sem lhe pedir opinião, e com poucas
condições para poder lutar pela sobrevivência.
Agora
não tinha mais ninguém a não ser aquela, desconhecida e longínqua, tia que
diziam ter na cidade.
A
casa podia ficar fechada e de certo que a vizinha não se importaria de ficar
com o velho rafeiro, que desde a morte do pa,i deixara de abanar a cauda e ia
definhando lentamente, deitado na soleira da porte.
Era
uma decisão difícil, tinha medo do mundo que desconhecia, receava toda a confusão
que via quando espreitava as notícias, da televisão, na taberna.
Agora
já nada havia a fazer, já dissera ao seu chefe, senhor Pica, que deixaria de
trabalhar na cooperativa e que ia abalar para a cidade.
A
cabeça andava num turbilhão, as ideias estavam baralhadas, o medo tinha-se
apoderado de todos os seus sentidos. Como ia enfrentar o desconhecido, como se
iria orientar na cidade grande? O bulício, o frenesim, o trânsito louco e toda
a voracidade, que o iriam tragar numa loucura a que tinha que se habituar.
Tinha
tudo programado, amanhã cedo apanhava a carreira que o levaria ao comboio,
depois seria a grande aventura.
Foi
uma noite de insónias, em todo o sonho via homens, sem rosto, que o perseguiam
e quanto mais fugia mais se aproximavam, queriam à força que ele entrasse num
comboio sem janelas, pintado de negro e donde saiam sons e gemidos que o
arrepiavam. Acordou encharcado, corpo dorido.
Teve medo, há muito que o não sentia.
Voltou
a adormecer e viu a mãe que, tal como os homens, tinha o rosto coberto por uma
névoa, mas o perfume era o mesmo, doce, suave e reconfortante. Ficou inebriado
e tranquilamente dormiu em paz o resto da noite.
*********
A
cidade era enorme e a confusão ultrapassava tudo o que tinha imaginado, pessoas
para a direita e para a esquerda num atropelo sem respeitarem nada nem ninguém.
Gustavo
estava deslumbrado e confuso.
Quando
agarrado à mala, enfrentou a rua ficou perdido sem saber o que fazer. Estava
inquieto, baralhado e o seu olhar andava perdido ao tentar abarcar tudo o que o
que o rodeava, aqueles prédios altos, os carros que se cruzavam e que só por
milagre passavam sem nunca se baterem.
As
moças de pernas altas e descobertas, que se equilibravam em saltos, tão altos,
que pareciam, mesmo, as andas que um dia o senhor Zé Adelino lhe tinha feito.
Uma,
por sinal bem jeitosa, até lhe disse:
-Então
filho hoje não queres nada?
Ficou
ruborizado, tinha ouvido falar delas, mas sempre pensou que eram fanfarronices
de quem vinha à cidade, afinal era mesmo verdade.
Teve
vontade de falar com a menina, mas não sabia, mesmo, o que lhe dizer.
Arranjou
um quarto numa pensão barata, num terceiro andar, com uma escada íngreme e malcheirosa.
A cama era pior da que deixara na aldeia, lençóis manchados e com cheiro a azedo
de gordura e sexo. As paredes do quarto tinham manchas, de humidade, que aos
seus olhos se tornavam em fantasmas, que o iriam prosseguir ao longo da noite e
logo aqui, tão longe, na cidade grande onde a mãe não o podia ajudar.
Precisava
descansar, amanhã fazia 25 anos e tinha reservado, como presente, um dia de
descanso para uma visita à cidade.
O
cansaço foi seu aliado e a noite foi rápida. Quando acordou pensou que tinha
que aproveitar o dia, e depois tinha que procurar uma ocupação pois o dinheiro
que tinha depressa ia acabar. O quarto imundo era caro, o preço de uma refeição
estava acima das suas possibilidades.
*******
Vagueou
pelas ruas cheias, encheu os olhos de coisas que sabiam que existiam, mas que
ele nunca vira. Passeou por avenidas que pareciam não ter fim, andou ao acaso e,
de repente, tinha a impressão de estar de volta a sítios por onde já tinha
passado.
Encontrou
o rio, que tal como a cidade, era enorme, sujo, com barcos que deitavam fumo
das chaminés. Teve saudades da sua ribeira de águas limpas, que corriam
ligeiras, saltando de fraga em fraga, com as margens enfeitadas de juncos.
Este
rio era triste, as águas espraiavam-se contra as margens onde os barcos
baloiçavam acompanhando a cadência dessa ondulação.
Esteve
horas olhando ao longe e a imaginar para onde iriam todos os barcos que o
sulcavam.
Estava
a entardecer e a fome obrigou-o a entrar numa tasca, onde se ofereceu uma
refeição acompanhada de uma cerveja, afinal era o seu aniversário.
Começou
a pensar no regresso e nas voltas que teria que dar até encontrar a rua da sua
pensão, tinha escrito num papel os nomes, embora tivesse a certeza do a
encontrar.
Seguindo
o seu sentido, atravessou o largo e seguiu a avenida, tinha a certeza, donde viera.
Ao
fim teria que voltar à esquerda e seguir até encontrar, aquela praça, com a estátua
de um cavaleiro.
Já
a estava a ver ao longe e sorriu satisfeito.
Levava
a cabeça cheia de sonhos e projectos, arranjar um emprego, alugar um quarto com
uma cozinha para poder preparar as suas refeições, ter uma vida diferente.
Embrenhado
nos seus pensamentos saiu do passeio.
Ouviu
um guinchar de travões, sentiu uma pancada bruta, viu-se a voar passou por cima
carro e ficou estatelado na calçada. Sentiu uma dor aguda, que parecia subir
pelo seu corpo, mil estrelas brilhavam no seu cérebro, um liquido viscoso
corria da sua cabeça, um doce torpor ia tomando conta do seu corpo. Tinha muito
sono e não queria ouvir o que diziam, as pessoas, que o rodeavam, só lhe
apetecia dormir.
Junto
a ele a mãe sorria, desta vez o seu rosto era tão nítido, estava rodeada de uma
luz tão brilhante e a musica era tão suave.
A
aldeia estava linda com os campos cobertos de flores, o ribeiro corria manso, a
sua casa estava rodeada de açucenas, o " mandrião" abanava a cauda de
alegria.
A
mãe, delicadamente, segurou as suas mãos.
Pela
última vez sorriu.
11 comentários:
Bom dia, Manuel! Fico contente em te ver voltando, ainda que triste por essa perda do teu amor! A vida nos prega surpresas mesmo! Mas ,segue em frente e pelo visto, inspiração continua abundante. Gostei muito do teu conto! Valeu! Bom retorno, força, coragem e vem blogar que diverte! abração,chica
Boa tarde, Manuel!
Tão bonito o teu conto. Gostei mto.
A vida prega-nos rasteiras, mas acredito na tua força.
Q a tua inspiração te ajude a preencher algumas dessas hrs mais difíceis.
Cá estarei para apreciar a apreciar.
Um bjinho:
Sónia
Lamento o falecimento da sua mulher, mas com o tempo o seu sofrimento ha de abrandar.
Um conto mto interessante, mas com um final tão triste! Gustavo merecia melhor sorte, mas a vida, por vezes, é madrasta.
Grata pela sua visita ao meu blogue.
Beijinho.
Olá, Manuel!
Muito obrigada pela sua visita e comentário.
Com o tempo, a dor da perda irá diminuindo, sem dúvida.
Anime-se! A sua mulher partiu em paz, portanto, sinta-se compensado.
Um beijinho e bom fim de semana.
Manuel,
As perdas jamais serão reparadas.
Mas a vida de quem fica precisa seguir adiante.
A blogsfera precisa de você.
Volte para nós seus amigos e.
Bjins
CatiahoAlc.
Olá Manuel
Meus sinceros sentimentos pela perda do seu amor. O tempo amigo há de ajudar a vencer a dor que se transformará numa eterna saudade. Tão lindo o conto. O rapaz merecia melhor sorte. Mas a vida às vezes é bastante cruel. Fiquei feliz com a tua visita. Fique firme amigo
Grande abraço e uma linda semana😴😴😴
Oi que bom
que destes notícias;
Divido contigo palavras que quando perdi entes queridos me fizeram refletir
e buscar meios para continuar andando... ou melhor entender esse outro lado
do caminho.
“A Morte não é nada: eu somente passei para o outro lado do caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês , eu continuo sendo. Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo, sem nenhum traço de sombra ou tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou. O fio não foi cortado. Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho. Você que ai ficou, siga em frente, a vida continua linda e bela como sempre foi.”
Santo Agostinho.
Querido Amiga.
Eu jamais vou esquecer sua amizade sempre foi e sempre sera,
meu grande amigo além do mar.
Cada amigo que a vida meu deu carrego no coração,
onde ninguém possa magoar.
Obrigada por cada palavra obrigada
por nunca me esquecer.
A demora é porque ñ estou bem de saúde nesses últimos tempos,
amigo Deus conforte seu coração amigo leal.
Beijos saudades.
Evanir.
Querido Amiga.
Eu jamais vou esquecer sua amizade sempre foi e sempre sera,
meu grande amigo além do mar.
Cada amigo que a vida meu deu carrego no coração,
onde ninguém possa magoar.
Obrigada por cada palavra obrigada
por nunca me esquecer.
A demora é porque ñ estou bem de saúde nesses últimos tempos,
amigo Deus conforte seu coração amigo leal.
Beijos saudades.
Evanir.
Meu Caro Manuel
Atrevo-me a reproduzir parte do meu Post de hoje (23NOV) que "saiu" precisamente duma situação análoga á tua, tudo igual, semelhantemente sentido:
"(...)
O Destino é sempre o resultado
Do que nos é certo e melhor,
Mesmo que pareça ser errado.
Guardemos na Alma só Amor
Porque as saudades são bocado
Que foram de Vidas com valor."
A Vida,(ela mesma)jamais se perde porque é essência de Espírito. Fica a saudade, a lembrança contínua, a presença que se não esvai.
O teu Conto de hoje é, em si mesmo, o renascer, o retomar as rédeas...
Voltaste e renasces.
Obrigado.
Abraço grande
SOL
Meus sentimentos , amigo.
Ela está em paz. Fique também.
Abraços
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