
Olhou ao longo do bar numa forma até certo ponto desafiadora. Foi um olhar que pretendia ser intimidatório mas acabou por ser um pouco ridículo, pois naquela imensidão de corpos a retorcerem-se ao som de uma banda da moda ninguém parecia interessada em olhares que pretendiam ser tesos.
Ficou um pouco frustrado, pois andou ensaiando esse ar de duro durante toda a semana para fazer uma entrada triunfal e poder impressionar a Leonor.
Pensava, ele, que a rapariga podia ficar seduzida por um olhar de macho latino, um olhar que pretendia varar o coração da doce mulher que o mantinha perdidamente apaixonado.
Já tinha tentado, mais do que uma vez, uma aproximação subtil mas a rapariga parecia não notar as tentativas de acerco de Faísca. Bom, Faísca não era o seu verdadeiro nome mas apenas uma alcunha herdade do seu pai, que por sua vez a tinha herdado do avô.
Tinha pensado ir ao bar, pois ali ao som da música e no frenesim da dança as coisas podiam ser mais fáceis.
Nunca tinha ida a um bar, mas nos filmes via entrar o artista com um ar electrizante, dar um murro no balcão, sorver uma bebida forte e passado um nada estar a beijar sofregamente a rapariga.
Se nos filmes era assim e, como dizem que os filmes são o espelho da realidade, Faísca pensou, vou fazer o mesmo e no fim a Leonor deixa o balcão onde enche copos e anicha-se nos braços do seu herói.
Mas coisas não saíram como planeara, pois ninguém o levou a sério, não conseguiu chegar ao balcão para a tal bebida e a rapariga nem sequer a viu.
Não aguentou a pressão e saiu desiludido. Voltaria outro dia com a lição melhor estudada e, certo de, finalmente conseguir conquistar esse coração que tão arisco se estava a tornar.
Se calhar foi um pouco brusco nessa investida de rompante e, quem sabe, a Leonor tão doce não gostava das coisas dessa maneira.
Ia pedir ajuda ao seu amigo Inácio, tipo sabido e prático nessas coisas de mulheres.
Diziam que nenhuma lhe escapava.
O Inácio aconselhou-o a enviar um ramo de flores, mas não tinha jeito para essas coisas que lhe pareciam tão amaricadas. Onde se viu um homem, macho, com um raminho de flores na mão a caminho do bar? Não, essa de flores não pega, flores é coisa de tipos abichanados e o Faísca não era dessas coisas.
A Leonor era um primor, rapariga alinhada que não dava confiança a qualquer um. Na rua andava sempre aprumada, olhando em frente e sem perder tempo a falar ou cumprimentar os vizinhos. Mostrava ser uma cachopa ocupada e responsável.
As pessoas não sabiam bem qual era a sua vida mas, diziam, devia ganhar bem, pois andava sempre muito bem vestida e tinha um belo carro. Tinham dito que era empregada de balcão num bar famoso, se calhar gerente ou quem sabe até dona.
Por fortuna tinha descoberto onde trabalhava , pois ela não o dizia a ninguém, mas o Adérito um dia tinha topada a tipa a entrar para o bar e o porteiro confirmou-lhe que trabalhava ali, foi uma sorte do caraças.
Faísca estava preocupado, pois estava interessado em conquistar aquele difícil coração. A primeira tentativa não tinha corrido lá muito bem, pois saiu confundido daquele barulhento bar sem sequer ter visto a mulher que levava no pensamento. Não a enxergou ao balcão, se calhar como era gerente devia estar num gabinete coberto de espelhos, tal como se via nas fitas.
Voltou a falar com o Inácio, experiente em mulheres, e ele tenha aconselhado uma visita especial, bem preparada e que deixaria logo a garota impressionada.
Ia aparecer bem vestido e perfumado, se calhar até tomava um banho, embora isso não se visse, mas sempre refrescava o corpo.
Já tinha encomendado na pastelaria do Tinoco uma caixa de bombos com um embrulho bem caprichado.
Ela não ia resistir e, não tardava, andariam a passear à beira mar de mãos bem entrelaçadas.
Andava nervoso, já tinha namorado algumas garinas, mas sem interesse, gajas básicas que nem sabiam andar de saltos altos como a Leonor, que se bamboleava naquelas andas como se isso fosse a coisa mais natural deste mundo. Era lindo de se ver em suaves requebros, que levavam a cabeça de um homem embalada em pensamentos lascivos e sensuais.
Estava preparado para sábado à noite, até comprou na loja do chinês uma gravata, pois a que tinha estava mais sebosa que a bata do Zé do talho.
Não ia tomar aqueles ares radicais como da última vez, porque afinal ninguém lhe ligou e só fez uma figura um pouco parva.
Estava um pouco sem jeito, com o embrulho dos bombos na mão, mas o Inácio dizia que era importante e o gajo percebia de engates.
O bar estava a abarrotar, a musica entrava nos ouvidos e deixava um tipo atordoado.
O pessoal abanava-se uns frente aos outros numa espécie de dança parva, pois em vez de estarem agarrados apenas se abanavam sem se perceber quem dançava com quem.
Mas para o Faísca pouco interessava, ele queria mesmo era descortinar naquela multidão a sua eleita.
Andou perdido nos encontrões, olhou todos os cantos do balcão, espreitou todas as portas a ver se alguma se abria e fazia surgir a sua paixão.
De repente descobriu na mesa do canto a Leonor, sentada no colo de um velho gordo, sendo apalpada por umas mãos papudas e em risadas vendidas ia beijando a testa suada do javardo que a tinha alapada.
Não quis ver mais nada, saiu disparado daquela confusão, respirou o ar fresco da noite e sentou-se num degrau a comer os bombos da desilusão.
Afinal a Leonor não era dona, nem gerente mas apenas uma prostituta no bar.
7 comentários:
Entrei e comi um bombom.
Um grande fim de semana
um beijo
TELEFONE
Toca o telefone...
Toca sem parar
Deixo-o tocar
Mas depois...
Vou...
E quando lhe pego
Nunca mais toca...
Alguém estava...
Mas não queria estar...
Do outro lado de lá
Ouvi suspirar...
E fiquei a pensar...
Porque será?
Que se passará?
E continuo à espera...
Que ele volte a tocar!...
LILI LARANJO
comi um bonbom
Um grande fim de semana
um beijo
TELEFONE
Toca o telefone...
Toca sem parar
Deixo-o tocar
Mas depois...
Vou...
E quando lhe pego
Nunca mais toca...
Alguém estava...
Mas não queria estar...
Do outro lado de lá
Ouvi suspirar...
E fiquei a pensar...
Porque será?
Que se passará?
E continuo à espera...
Que ele volte a tocar!...
LILI LARANJO
Na vida, seja ela real ou na tela, todas as coisas servem para alguma coisa.
No caso, a caixa de bombons também serviu. Desanuviou-lhe o espírito amargo, o travo desiludido de um sonho que reinventado o alimentara.
Cenas da vida, com um desfecho próprio dela.
Beijo
Manuel estimado amigo:
A Leonor por tal profissão não deixaria de ser doce e gente boa, sabe-se lá.
O Faísca se não ficou pela "doçura" dela, melhorou com os bombons, não há quem resista.
E o meu amigo por dentro da jogada nos envolveu num conto que tem muito do dia a dia.
Conheço um entre vários casos, em que o bombom chegou a bom-porto, enamoraram-se e ainda são felizes após 30 e muitos anos. Apaixonado como um adolescente, ele ainda lhe oferece bombons.
Forte e amigo kandando.
Amigo escritor...
Adoro suas histórias...
Acho que é porque você é muito romântico... mas de repente, tudo vira às avessas...
É sua imensa criatividade!...
Desculpe-me! Mas... não tem jeito... sempre dou boas gargalhadas com seus escritos... depois fico a imaginar como você continuará a narrativa...
Meu querido amigo, escreva sempre... você é realmente um artista das palavras... parabéns!!!
Manuel,
Eu sinto que a Leonor teria gostado de conhecer essa imagem que o Faísca tinha dela...ele deveria tê-la procurado num outro dia e contado, confessado sua paixão.
Que tal fazer uma continuação, hein? =)
Beijo, beijo.
ℓυηα
Pobre Faísca... :(
Linda história. :)
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