domingo, 12 de setembro de 2010

Um jantar prometido




Alguém me perguntou se eu não poderia escrever um conto com um final feliz.
Tentei. Será que consegui?




Foram os melhores amigos na infância. Brincavam longas tardes sem se aperceberem das diferenças que um dia iriam definir os seus destinos.

Ela, Maria Helena, filha de um próspero e abastado comerciante, ele Ricardo, filho de um pobre balconista de uma sapataria da moda. Mas esta diferença de estatutos não incomodava as crianças que em toda a sua inocência brincavam, sob a vigilância da empregada, nos jardins da vivenda da família abastada.

-Um dia, quando tiver muito dinheiro, vamos jantar, os dois, aquele restaurante da esquina, dizia Ricardo.

-Aquele que tem muitas luzes!! Exclamou ela batendo palmas.

O tempo rolou, as crianças cresceram e enquanto Ricardo continuou a estudar na sua cidade, Maria Helena foi aprender para um colégio na Suíça.

Ricardo acabou o curso e atirou-se ao trabalho que era a única solução para amenizar as dificuldades daquela família.

Teve sorte na vida, talvez influenciado pela profissão do pai, enveredou pela indústria do calçado e com muita dedicação e saber tornou-se num grande magnata.

Á primeira fábrica seguiram mais duas, depois do mercado nacional vieram as exportações.

Era um trabalho que o absorvia mas, Ricardo, nunca a esqueceu e todos os dias dava por si a olhar embevecido os jardins onde passou dos mais belos momentos da sua infância.

Fechava os olhos e via os loiros caracóis da Maria Helena a brilhar com os reflexos do Sol que os iluminavam.

Quinze anos foram passados. Maria Helena voltou, da menina que tinha partido apenas restavam os longos caracóis dourados, porque o tempo encarregou-se de dar forma a um corpo de criança e transformá-lo num radioso corpo de mulher.

Ricardo quando a avistou sentiu uma alegria como há muito não experimentava, e o grito saiu sem que ele o pudesse reprimir.

-Maria Helena de volta?

Ela, olhou-o com uma altivez que o regelou.

-Para si Doutora Maria Helena e, julgo, não o conhecer de nenhum lado.
Virou as costas, entrou no descapotável vermelho e saiu disparada como se fosse a dona de todas as ruas

Ricardo cerrou os punhos de raiva, mordeu os lábios de desespero e jurou nunca mais olhar aquele jardim que agora ia odiar com toda a sua força.

Os dias perfilaram-se uns atrás dos outros, deram lugar aos meses que por sua vez se foram transformando em anos.

A voragem dos tempos, as crises e as depressões foram transformando as vidas das pessoas.

O pai da Maria Helena foi apanhado no ruir das bolsas e viu toda a sua fortuna ser devorada. Foi à falência.
Não aguentou e um dia foram encontrar o pobre homem pendurado, pelo pescoço, numa trave da velha adega. Rosto roxo e língua pendente num esgar de morte que até aos mais corajosos causou alguma angustia.

Num instante os credores se encarregaram em deixar as duas mulheres com as roupas e as jóias que conseguiram guardar das vistas dos credores.

Por caridade uma velha tia deu-lhes guarida.

Maria Helena procurou emprego de forma continuada, respondeu a tudo que havia para responder, foi a todas as entrevistas que conseguiu mas sem êxito. Para uns era nova de mais, para outros já tinha muita idade, nuns lados tinha habilitações a mais, para outros tinha experiencia a menos.

Dona Perpétua, mãe de Maria Helena, não aguentou a pressão e um dia tomou todos os comprimidos de uma caixa de soporíferos, quando a filha a encontrou estava às portas da morte.

Está no hospital à espera do pior desenlace.
É uma questão de meses dizem os médicos.

Ricardo, bafejado pela sorte, conseguiu com as desgraças alheias aumentar o seu negócio, investiu e comprou velhas industria que tornou em Empresas modernas e prósperas. É um hábil homem de negócios que tem conquistado os mercados internacionais.

Maria Helena chegou ao ponto em que mais nada lhe resta, o desalento já se começou a apoderar das poucas forças que ainda lhe sobram.

Não quer seguir o exemplo dos pais, quer viver porque a mãe, mesmo moribunda, precisa dela.

Desesperada arranjou coragem, nem ela sabe bem como, e esperou por Ricardo à porta da sua Empresa.

Quando o viu, com a voz mais humilde que encontrou dirigiu-se ao seu antigo amigo:

-Ricardo dá-me um momento por favor?

Olhou-a de forma intensa, o coração num batimento desmedido, mas arranjou coragem para dizer:

-Para si doutor Ricardo, e, não me lembro da conhecer lado nenhum.
Sabe menina! Não tenho a perder, bom dia!

-Ouve! Insistiu ela, tens todas as razões do mundo para me desprezares mas Deus já me castigou o suficiente, já sofri o que tinha a sofrer, por isso esquece por favor e por toda a nossa amizade de crianças, que levianamente deitei a perder, ouve o que
tenho para te dizer.

Preciso de um emprego, qualquer um, faz isso pelas nossas recordações e pela minha mãe.

Ficou sem saber o que dizer, limpou o rosto num disfarce no desconforto da situação.
Olhou aqueles olhos que nunca esqueceu, aqueles lábios com que tanto sonhou e sem ser capaz de a olhar de frente, murmurou:

-Passa amanhã, de manhã, pelo Departamento de Recursos humano vai ter com o Doutor Inácio. Eu vou dar instruções para te atender.

Entrou no carro e partiu disparado como se fosse o dono de todas as ruas.

Começou a trabalhar na secção de exportação, o facto de saber Inglês e Francês foram
pontos a seu favor. Trabalhou como nunca, a primeira a chegar e a ultima sair. Ganhou o respeito dos colegas e dos chefes pelas capacidades de trabalho, pela humildade e pela forma como se conseguiu impor.

Ricardo ia assistindo, discretamente, ao renascer da menina que um dia tinha ido para a Suíça.

Foi numa segunda-feira ao chegar, de manhã, ao seu gabinete, Maria Helena, encontrou na secretária um cravo vermelho em cima de um envelope castanho.

Abriu e leu:



Maria Helena
Aceitas aquele jantar que há muito te prometi?
Não pode ser no Restaurante da esquina, mas conheço outros.
Ricardo










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7 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

meu querido Manuel
Adorei a história, realmente a vida dá muitas voltas.
Mas concerteza foram muito felizes.

beijinhos
Sonhadora

Guma disse...

Caro e estimado Manuel.

Com fim feliz ou não, e este parece assim ser, o amigo tem o dom da narrativa. Bendita a hora que se lembrou de partilhar esse dom.

Todos os seus contos como não poderia deixar de ser, têm conteúdo do qual retirar ensinamento.

Essa capacidade de comunicação penso, deveria dar lugar a um livro de contos de forma a tê-los disponíveis em papel, o tal que tocamos, que tem cheiro e fazemos gosto em ter sempre por perto para nosso deleite.

Receba por favor os meus cumprimentos e um kandando amigo.

Magia da Inês disse...

Olá, amigo escritor!
É claro que gostei da história...
Mas que final feliz é esse... suicidou-se o pai da moça além da mãe dela tomar comprimidos para morrer...
Beijinhos.
Brasil

Luna Sanchez disse...

Sim, conseguiu! Mas quero registrar que gosto sempre dos teus escritos, independentemente dos finais mais ou menos felizes, tá, Manuel?

Beijo pra ti.

ℓυηα

Laços e Rendas de Nós disse...

Um final feliz daqueles que ainda nos faz pensar que a vida é cor-de-rosa, à boa maneira dos romances que lia na minha adolescência.

Beijo

Elaine Barnes disse...

Gostaria de saber escrever assim prendendo a atenção . Adorei o conto e sem conflito não tem história não é? Desenvolveu lindamente o tema amigo,parabéns!Devias escrever um livro de contos assim. Montão de bjs e abraços

Rafael Castellar das Neves disse...

Parece que sim, Manuel...estou a pensar ainda...deixou boas margens para isso...rsrs...

Comcordo com o Kimbanda, fins felizes ou não, seus contos são muito bons!!

[]s do Atlântico de cá...