quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Os Troikanos (ou será a nossa triste sina?)

    






A noite estava chuvosa e o vento fustigava com violência as frágeis tábuas das janelas.

Maria Emília abriu timidamente o postigo, o vento frio enregelou-lhe a face, tentou lobrigar ao longo da rua a imagem do seu Pedro.

Saiu ainda a manhã não tinha raiado e já a noite há muito tinha tomado conta do que restava do dia e, ele não tinha regressado, o que a estava a preocupar.

A rua continuava deserta, apenas uma réstia da luz, do candeeiro da esquina, deixava ver a chuva intensa que continuava a cair abundantemente.

Fechou o postigo suavemente e apertou o ferrolho.

Ela já tinha notado que o marido andava estranho, mas quando tentava saber o que se passava ele fugia à questão, negando haver algo que o preocupasse.

Maria Emília não ficava convencida e só tinha receio que, Pedro, andasse metido nessas coisas da política.

Jantou, ela e o filho, e guardou o do marido, no forno.


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Acordou com o barulho da chuva nas telhas, o vento tinha aumentado de intensidade e parecia assobiar por entre as frinchas da porta.

O lugar ao seu lado continuava vazio, Pedro não voltou nessa noite a casa e Maria Emília começou a ficar preocupada, não é que não estivesse habituada a situações idênticas, mas nas outras vezes ele avisava da possibilidade disso vir a acontecer.

Acordou o Afonso e pensou como ia levar o rapaz à escola com este tempo, mas já que não tinha a carrinha, só lhe restava agasalhar bem a criança e agarrada às paredes meter-se ao caminho.


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Passou o dia numa agonia, queria concentrar-se no trabalho mas não conseguia, a linha ficava-lhe embaraçada no tecido e o dedal não tinha força para fazer avançar a agulha.

O tempo foi amainando e quando foi buscar o Afonso a chuva tinha desaparecido e, o céu tinha uma tonalidade que augurava uma melhoria do tempo.

A noite não tardava e notícias do Pedro nenhumas, a angústia começava a tomar posse da Maria Emília, o medo começava a tolher-lhe o pensamento e as dúvidas não a deixavam raciocinar.

Pensou ir ao posto da guarda, mas não sabia bem se o marido ia aprovar e, se depois fosse uma casualidade o atraso!

Ia esperar esta noite e se amanhã á hora de levar o menino à escola, o pai ainda não tivesse voltado, ia falar com o padre Isidoro e pedir-lhe conselho, pois o padre e o Pedro eram amigos de infância.

A noite foi de uma espertina total, não conseguiu pregar olho durante todas as santas horas, os mais pequenos ruídos pareciam-lhe os passos do seu homem.

Levantou-se aos tropeções, olheiras enormes e a cabeça numa confusão que não a deixavam raciocinar.

Olhou-se ao espelho e pensou que se o seu amor a visse agora, decerto que ficava sem querer voltar a casa. 

Acabou por sorrir.

Retocou a cara e amenizou o inchaço dos olhos antes de acordar o Afonso, que não estava com muita vontade em deixar os lençóis, mas com umas cócegas e muitos beijinhos lá se foi levantando.

Enquanto tomava o pequeno-almoço, o menino, perguntou pelo pai e ela ficou um pouco embaraçada, mas foi dizendo que foi trabalhar, que não tardava estava de volta.

Entregou o petiz à dona Irene, a professora, e abalou a caminho da igreja para falar com o padre Isidoro.

Teve que esperar porque estava na hora das confissões e, a julgar pela fila das mulheres, devia haver muitos pecados nesta terra.

Esperou, quase, uma hora mas finalmente o padre despachou a função de purificar aquelas almas e
acenou à Maria Emília para que se aproximasse.

Foi uma conversa informal, entre duas pessoas que se conhecem, um pedido de ajuda para uma preocupação.

O padre Isidoro coçou o queixo, passou a mão pela tonsura em sinal de reflexão e de preocupação pelo que estava a escutar.

Não era normal o seu amigo Pedro deixar assim o filho e a mulher, algo de grave devia ter acontecido, amanhã bem cedo Iria falar com o responsável da polícia na terra.

Maria Emília continuou apoquentada mas, parece, que a preocupação dividida era mais fácil de suportar.


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O padre fez tudo o que estava ao seu alcance, contactou as autoridades, rezou com muita fé e,
no sermão de Domingo, apelou aos fiéis para estarem atentos a todos os indícios que pudessem
 fornecer alguma pista.

O padre Isidoro era um homem um pouco estranho, temente a Deus mas com umas ideias que já lhe tinham causado alguns dissabores, pois os poderes instituídos não aceitavam que, nas suas prédicas, clamasse pela igualdade entre os homens e falasse de coisas como a das classes sociais, o que lhe valeu ser chamado ao posto e a um interrogatório onde foi acusado de incitar o povo a práticas subversivas. Valeu-lhe a intervenção do senhor Bispo e uma reprimenda que o deixou um pouco céptico, sobre a posição da igreja perante as desigualdades de que enfermava a nossa sociedade.

Mas tinha feito o juramento de servir a santa Madre Igreja e não podia fugir aos seus votos.


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Um mês vai passado, muitos pensam que Pedro foi atrás de umas saias, outros estão convencidos que deve ter aderido a um partido político na clandestinidade e alguns, mais pessimistas, julgam que Pedro já não faz parte dos vivos.


*******


Pedro Coruja, hoje, levantou-se mais cedo do que era costume.

Deu um ténue beijo na mulher que dormia profundamente, espreitou o filho numa paz de anjo e enfrentou a borrasca que tão intensamente fustigava a povoação.

A carrinha teve alguma relutância em pegar à primeira mas, com alguma persistência, acabou por dar sinal de vida.

Avançou até ao final da rua e seguiu pelo caminho de terra batida que o levava à estrada, sem ter que passar pelas ruas da aldeia.

Andou alguns quilómetros indiferente aos buracos que faziam saltar a geringonça, embalada pelas fortes rajadas e pela chuva que mal deixava descortinar o enlameado caminho.

Levava a cabeça toldada pelos pensamentos e um aperto no peito, por ter que deixar desta forma Afonso e a sua Maria Emília, mas tinha que ser, foram essas as ordens que lhe haviam monitorizado.

A chuva parecia querer diminuir e uma réstia de dia estava a atenuar a escuridão, só o vento não dava mostra de abrandar e o carro continuava num balouçar desconfortável.

Faltavam poucos quilómetros para chegar, depois da próxima curva teria que entrar numa vereda que o levaria ao alto dos Quatro Caminhos, local para o qual o programaram para o encontro.

******

Tudo começou no dia em que foi atordoado por aquela luz que o cegou e pelo zunido que não conseguia descrever. Quando os olhos se habituaram ao brilho viu-se rodeado por uma infinidade de figuras estranhas que pareciam saídas de um filme de ficção, comandadas por três vultos, autênticos truões, que chispando reflexos multicoloridos e diziam com voz metálica e destorcida:

- Fostes o escolhido, é a ti que vamos purificar.

De repente sentiu-se engolido num remoinho, nada sentia a não ser com se o corpo se estivesse a desprender dos sentidos e da mente.

Sentia-se letárgico, estonteado, numa bebedeira de sons e cores que não sabia descodificar.

Os seres esquisitos pululavam à sua volta, mexiam, ligavam eléctrodos e arreganhavam a fenda por onde emitiam aqueles sons esquisitos, parecidos com uns estranhos sorrisos de bobos.

Quando o deixaram não era o mesmo, estava programado, ia fazer o que lhe introduziram e cumprir sem conhecer porque e muito menos sem explicação.

Sabia que tinha que estar num determinado dia, num dado lugar, numa certa hora.

Deixou de ter vontade. Não era ainda um deles, mas sabia ia fazer o que queriam e parece que, agora, até o desejava.


*****


Estava a chegar ao lugar que o chip que, algures no seu cérebro, lhe ia dando as instruções.

A chuva secou como por encanto, o vento tornou-se numa brisa ténue e quente, o Sol brilhava nuns tons avermelhados.

Já estava a ver máquina que os trazia, uma espécie de aparelho sugador, reluzente e cheio de tubos, mangueiras e objectos chupadores.

Parou a carrinha que, tal como a abóbora da gata borralheira, se transformou num topo de gama, digno de um alto dignitário de quaisquer pais da CEE.

Foi apanhado, novamente, no remoinho mas não sentiu nada de especial porque adormeceu profundamente.

Quando acordou, não sabia quanto tempo esteve ausente, abriu os olhos e gostou do novo aspecto, mais polido, sem emoções, sorriso postiço na ponta dos lábios e, tal como a máquina, com mangueiras sugadoras, a que iria designar como ministros.

Aqueles a que todos chamavam chefes eram mais altos, tinham uma espécie de olhos azuis, nada faziam apenas olhavam e ditavam ordens.

Quando falaram, o agora doutor Pedro, percebia perfeitamente aquela língua como se sempre a tivesse falado:

-Agora és um troikano, um de nossos, todos te vão chamar senhor doutor Pedro Coruja, vais ser primeiro-ministro de um país. O teu dever è sacar tudo o que poderes, põe essa cambada a pedir, porque esta nave precisa de muito alimento.

O Doutor P.C. foi eleito primeiro-ministro de uma pobre nação que está agora a ser transformado num povo, ainda, mais miserável.


*******


A aldeia está triste, restam os velhos e algumas, poucas, crianças.

Os outros, incluindo os dois professores, emigraram aconselhados pelos ilustres que governam este país.

Emília ainda tem esperança, quem sabe o seu Pedro não volta, como o outro, numa manhã de nevoeiro!

Quem sabe se um pé da cadeira, do PM, não quebra como uma quebrou há muitos anos!

Quem sabe!

Tenhamos esperança.



15 comentários:

Smareis disse...

Oi Amigo , gostei dessa história, coitada da Emília , a esperança é a ultima que morre. Quem sabe o Pedro ainda não volta.Desejo de um Feliz Natal e um Ano recheado de sonhos e desejos realizados. Obrigada por ter caminhado comigo durante esse Ano, e que no próximo Ano estejamos juntos novamente... Beijos grande!

Janita disse...

Manuel,

logo que as coisas acalmem por aqui, virei ler e comentar este e o post anterior.
Agora, passo para lhe deixar um abraço com o desejo de um FELIZ NATAL, para si e todos aqueles que lhe são mais queridos.

Festas Felizes!

Janita

Magia da Inês disse...

♫♫♫ Feliz Natal!!!


…………(¯`O´¯)
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……. '*• ♫♫♫•*'
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….' * • ♫*♥*♫• * '
… * , • Feliz' • , * '
…* ' •♫♫*♥*♫♫ • ' * '
' ' • . Navidad . • ' ' '
' ' • ♫♫♫*♥*♫♫♫• * ' '
…………..x♥x
…………….♥
Que o Natal não seja apenas uma data, mas um estado de espírito a nos orientar a vida.

FELIZ NATAL!!!
Beijinhos.
Brasil

SOL da Esteva disse...

Manuel

Neste Dia (Noite) Especial, apenas te quero desejar
um Santo Natal pleno de Paz e Amor (muito).

Aproveito, ainda, para te agradecer o apoio e a
presença manifesta ao longo deste ano.


Abraços

SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/

AFRICA EM POESIA disse...

Neste natal
O meu beijo amigo e o desejo de Paz e saúde




Hoje...
Caminhei pela rua...

Vi luzes...
Vi fantasia...
Vi muitos embrulhos...

E pensei...

É Natal...

Segui e continuei...
A ver luzes...
A ver fantasia...
A ver presentes...

Mas...

Não vi Natal...
Não vi Jesus...
Não vi Maria...
Não vi José...

Não vi o principal...
Senti o esquecimento...

Da união...
Da família...
Do Amor...

E continuei a caminhar...

E vi bolos...
E vi iguarias...
E vi beleza...

E gostei de sentir...
O cherinho de Natal...

Mas...
Continuei a caminhar...
E a pensar...

Natal,
Será de todos?

E vi logo que não...
Milhares de crianças...
Milhares de homens...

Nesta vida...
Nunca saberão...

O que é ser Natal...


LILI LARANJO
E beijo VERDE

Unknown disse...

Manuelamigo

A esperança é a última a morrer, isto se não emigrar. O Pedro meteu-se numa embrulhada, lá isso sim. Mas, a sua competência, a sua experiência, a sua exigência só são comparáveis à nossa Paciência.

Quousque tandem, Coruja, abutere patientia nostra?

Abç

Magia da Inês disse...

Nossa!... será que o Pedro Coruja virou primeiro ministro de Portugal ou virou o presidente do Brasil???
Boas Festas, amigo!
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¨¨¨¨¨¨¨¨000000.☆¸.¤ª“˜¨
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¨¨¨000000¸.•°`
¸.•°`♥✿⊱╮FELIZ 2012!!!

Hana disse...

Sim esperança sempre, poxa seus escritos são show, virei te ler mais vezes, aqui te sigo, te leio e volto! só tenho a agradecer por momentos que passei aqui!
Com carinho
Hana

BlueShell disse...

APLAUSO!!!
Pobre Emília...mas pobre povo que tem semelhente PC e "esmifrá-lo" todinho até ao osso!!! E quando esse país do qual PC é PM não tiver mais nada para dar????
Vai ser PM de outro país? Ou passam a ser canibais e comem também os humanos? Sim, porque s ser "comidos" já andamos...
MUITO BOM...infelizmente parece mesmo que esse PC é um robot!..uma máquinazinha desprezível....
MUITO BEM!

Boas Festas (dentro do Possível)

Sónia da Veiga disse...

Adorei a sátira Manuel!
E assim se começa a acordar o mundo e, quiçá, o próprio Pedro do turpor!
Beijinhos e que 2012 te traga tudo de bom e MUITA inspiração! .-)

Hana disse...

Meu bom dia cheio de alegria, mesmo quando por muitas vezes nosso aprendizado esteja pesado e a alegria não seja tão nossa companheira, mas mesmo assim emano amor fraternal, e esperanças tenho de um dia melhor depois das tempestades, e saimos mais valente né amigo? Olha só sua chegada lá no harmonia encheu minha casa de luz, vc trouxe muitas gotas de alegria ao meu coração, obrigada pelo afeto e a amizade com a qual me presenteou, eu a cultivarei como uma flor!
Com carinho, mas muito carinho mesmo.
Hana

SOL da Esteva disse...

Manuel

Adorei a tua História; é de seguir e meditar se não terá acontecido mesmo, lá numa terra empobrecida que dá pelo nome de Portugal?
Ou terei estado com os troikanos e estou a delirar?
Belíssimamente conseguida. No início levei o pensamento por caminhos diferentes. Enfim!...

Desejos de um Ano Novo com esperanças renovadas e ausências de Pedros.

Abraços

SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/

Laços e Rendas de Nós disse...

Manuel

Toda a analogia está perfeita.

Infelizmente temos muitos e muitos troikanos.

Por isso, que o ano novo nos devolva a capacidade de não ficarmos à espera e de podermos ver-nos livres desses seres que pulam à nossa volta.

Um ano cheio de coisas boas!

Beijo

Vivian disse...

Minha nossa Manuel!!!

Ficção cinentífica!!!!Teu talento não tem limites meu amigo!!!!Parabéns!!!
Li numa aflição crescente!!!
Espero que nunca aconteça nada parecido...gosto muito de ter emoções!!!
Vim desejar um FELIZ 2012!Que possas realizar seus sonhos!
Desejo-lhe muita saúde, amor,paz e sucesso!!
Que sua bela escrita lhe traga muitos frutos!!!Obrigada pela companhia sempre gentil e verdadeiro!!Espero que diga sempre o que pensa dos meus textos, suas críticas são preciosas!OBRIGADA!!!
Tudo de bom pra ti!

Magia da Inês disse...

Que 2012 traga novos sonhos, novas alegrias e muita inspiração para sua prosas e sua poesia também!
Beijinhos.
Brasil

¨¨¨¨¨¨¨¨¨/¸.¤ª“˜¨˜“¨
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¨¨¨¸.•°` BOAS FESTAS!!!
¸.•°`♥✿⊱╮FELIZ 2012!!!