segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O padre o sacristão e a mulher





 O padre Zé Maria tinha um sonho, não era propriamente um modelo de virtudes, mas sonhava ter um dia uma estátua no Largo da Igreja a imortalizar a sua beatitude e bondade.

Mas sonhos são sonhos e, por vezes, atraiçoam os caminhos e desígnios dos pobres mortais, sujeitos às tentações que o criador na sua bendita sabedora, vai colocando no caminho dos pobres e incautos mortais.

Foi para padre, não propriamente por vocação, mas para fugir ao trabalho no campo que lhe estava destinado. Valeu-lhe o cónego Desidério que convenceu os pais e o encaminhou para o seminário.

Não foi fácil, a vida era dura e a inteligência nunca foi o seu forte, mas chegou ao fim e hoje estava nesta paróquia onde era admirado e respeitado por todos.

Ainda se lembrava no dia em que celebrou a missa nova, foi na Igreja da sua terra, e o orgulho dos seus pais foi a melhor recompensa, para aquela seca e sacrifício dos anos em que esteve amarrado às regras e exigências dum curso, em que lhes eram impingidas teorias e retóricas que, pensava ele, nada acrescentavam a este mundo.

Mas agora sabia que tinha valido a pena, assegurou o futuro e sentia-se confortável com a forma como os seus paroquianos o tratavam, respeitavam e o enchiam de mimos e atenções.

O trabalho era muito e, agora que festa da aldeia se aproximava, sentia que lhe era difícil dar conta do recado, amanhã ia telefonar ao Senhor Bispo, a pedir a ajuda dum padre que lhe desse algum alivio em tantas tarefas que tinha pela frente.

 Assim o pensou e assim o fez, e o Senhor Bispo com toda a sabedoria que o Pai do Céu lhe tinha concedido disse-lhe:

 -Oh padre Zé Maria, porque não arranja um sacristão para o ajudar em todas as lides da Igreja?                                                                                                                                            

Realmente, pensou Zé Maria, por isso é que ele é Bispo para se lembrar das coisas certas e para resolver todos os problemas.

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Não conhecia ninguém para essa tarefa mas, amanhã ia falar com o presidente da junta de freguesia que decerto o ia aconselhar.

O presidente da Junta, José Serôdio, garantiu-lhe ter, numa aldeia próxima, um tipo que podia dar um belo sacristão, assim ele estivesse disposto a isso.

Era educado, temente a Deus e estava desempregado, amanhã mesmo ia conversar com ele e, se estivesse interessado, mandava-o falar com o padre Zé, que agradeceu com um Deus o abençoe.


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O rapaz tinha bom aspecto, parecia educado e estava disposto a começar em breve, era só mudar para a casa da Igreja.

O padre respirou de alívio, o sacristão percebia do assunto, diligente e com um sentido de organização que deixava o sacerdote feliz. Podia, enfim, dedicar-se à igreja sem a preocupação e as burocracias que tanto detestava e que, ao mesmo tempo, tanto o ocupavam, não só por ser desorganizado como por alguma inaptidão para assuntos que fossem além do que aprendeu, tal como missas, casamentos, baptizados e funerais. Agora estava tranquilo.

Terminada a eucaristia das 9 horas, Serafim, assim se chamava o sacristão perguntou:

-Senhor Padre não se importa que a minha mulher me ajude nestas lidas? Além de me dar jeito também é bom para ela não estar tanto tempo sozinha.

-Não sabia que eras casado, ripostou o padre, mas por mim tudo bem, a igreja só tem a agradecer. Mas já me devias ter apresentado a tua mulher, afinal esta casa também vai ser a dela.

Serafim corou, de fato devia, mas era um bocado tímido.

-Peço desculpa, senhor padre Zé, mas ela esteve a assistir à cerimónia e ainda está na Igreja, eu vou chamar.

Quando Zulmira entrou na sacristia, o padre ficou estarrecido, era padre mas não deixava de ser homem. A rapariga era mesmo o género que bulia com o pequeno demónio que o habitava. Era uma moça roliça, peito arfante num apertado corpete que deixavam ver duas calotas esféricas, túmidas e tentadores. O padre estendeu a mão, quase tímido, enquanto os olhos continuavam hipnotizados na visão que o perturbava.

Zulmira flectiu o joelho e pousou-lhe um leve beijo no dedo médio e pediu:

-Sua bênção senhor padre.

- Que Deus te abençoe minha filha, disse o padre, enquanto pensava quanto gostaria de ser ele a abençoar.

*********

A grande festa da aldeia estava próxima, os filhos da terra, emigrantes, que labutavam por esse mundo fora estavam a regressar às origens, as ofertas à Santa Padroeira, fruto das promessas dos devotos, iam enchendo o manto da imagem, que tinha que ser guardada não fosse algum amigo do alheio ser tentado pelos anéis, fios, pregadeiras de ouro e imensas notas que o cobriam.

O nosso padre andava perdido entre o dever e o pensamento que o atormentava, bem pedia a Deus força para resistir mas, o pai, ou não queria ou não podia ajudar.

Os pensamentos, santos, do padre estavam a tornar demoníaca a sua vontade, e o seu cérebro estava a cogitar a forma de poder encontrar-se a só com o motivo dos seus desejos, a Zulmira.

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Ia mandar, amanhã, o Serafim à cidade para comprar umas tantas coisas necessárias para ter a Igreja divinamente paramentada no dia da procissão. Ia de manhã, na carrinha da paróquia, e deveria voltar ao fim da tarde. Entretanto, o inocente padre, ia requisitar a Zulmira para o ajudar nos assuntos da sacristia.

O marido entrou na carrinha e Zulmira foi a caminho da sacristia ajudar no que fosse preciso.

O padre saltitava ao redor da moça, palavras ternas, atenções a que ela não estava habituada.

-Sabes Zulmira, dizia o padre, se eu encontrasse uma mulher como tu deixava a batina e casava.

-Oh senhor Padre não diga coisas dessas que eu fico sem jeito! Eu sei que esta a mangar com uma pobre rapariga da aldeia, quem iria acreditar que alguém, como o senhor podia gostar de uma simplória como eu!

-Juro rapariga que é verdade, dizia ele enquanto as mãos iam acariciando os hemisférios dos seus pensamentos. Zulmira bem o sacudia mas o padre estava atrevido.

********

Sebastião, não gostava muito de andar sozinho de viagem, estava acostumado a andar com a sua mulher, mas era preciso, tinha que ser.

Andou três quilómetros quando a viatura foi tomada de soluços, primeiro deu um solavanco mas continuo a andar, deu mais um e ainda não parou, ao terceiro foi de vez, ficou estática.

Abriu a tampa do motor e olhou, mas nada lhe parecia fora do sítio, tinha óleo, tinha gasóleo, velas a carrinha não usava. Não sabia o que poderia ser.

Empurrou-a para a berma e ficou na expectativa de que alguém pudesse passar e, assim, conseguir uma boleia de volta.

O tempo passou e nada, só lhe restava voltar a pé, também era só três quilómetros, ia meter-se ao caminho.

Foi uma hora bem puxada, o que valia era estar um dia fresco. A igreja ainda estava fechada, o senhor padre devia estar na sacristia. Ia entrar pela porta do fundo.

Não gostou do que estava a ouvir e, muito menos, com o que se lhe deparou quando entrou. O padre tentando apalpar as mamas da mulher e a pobre Zulmira, em pequenos desvios, pedindo:

-Esteja sossegado senhor padre Zé!

O sacerdote quando se apercebeu, esfregou as mãos na batina, fingindo indiferença e tentando disfarçar o que Serafim tão bem estava a ver.

*********

O povo anda num alvoroço, o padre desapareceu de forma misteriosa e, com ele, todas as oferendas que eram muitas, cordões de oiro, anéis, alfinetes e dinheiro, bastante dinheiro.

Quem havia de dizer, parecia tão interessado no seu povo, mas a tentação até deixa perder os que melhor deviam resistir.

Fizeram a festa mas não foi a mesma coisa, não houve procissão e os fieis apenas puderam passar pela igreja e saudar a Padroeira que, tal como eles tinha um ar muito infeliz, talvez porque ao contrário dos outros sabia o que se tinha passado e, também, porque tinha o manto vazio das oferendas dos fieis.

Serafim e Zulmira voltaram para donde tinham vindo, sem padre não era necessário sacristão.

**********

Vão passados cinco anos e a polícia não deu pelo rasto do padre Zé Maria. Vão arquivar o processo.

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A Igreja, dizem os mais crédulos, está assombrada, Nas noites escuras ninguém se aproxima, ouvem-se cânticos como se alguém estivesse a celebrar uma missa.







24 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Manuel

Como sempre as tuas histórias prendem até ao fim...e quantas delas não t~em um pouco de verdade.
Desejo que 2012 seja o ano de sonhos concretizados...e porque não um livro?...espero que sim.

Um beijinho com carinho
Sonhadora

Ludmila Chaves disse...

Meu amor desculpe o silêncio, desejo a você toda felicidade do mundo!!!!
Tudo de bom
Sucesso, Paz, Saúde, Amor....
Me despedi do Laluas, ficarei só com o palavras ao vento.
Aparece lá.
Beijo grande!
Apesar da distancia eu amo você!
Feliz 2012

chica disse...

Sempre surpreendentes teus contos que nos prendem.Legal! abração e iniciaste bem 2012! chica

Menina do cantinho disse...

Que não resista à Zulmira até compreendo, mesmo assim o respeito teria que existir sempre. Agora, roubar todas as riquezas da igreja e fugir com elas? Certamente que o orgulho que os pais sentiam por ele já não é o mesmo.
Talvez o campo fosse mesmo o seu futuro...

Muito bom, como sempre!
Beijinhos

Laços e Rendas de Nós disse...

Padre é padre, mulher é mulher e ... marido é marido.

Se calhar, os barulhos que se ouvem na igreja durante a noite e que parecem "cânticos como se alguém estivesse a celebrar uma missa" são os "a viatura (...) tomada de soluços"...

Andou, cá para mim, ali mão do diabo.

Belo conto que,como sempre, consegue levar-nos até à última sem prevermos o desfecho.

Beijo

Maria Lucia (Centelha) disse...

Gostei muito do teu texto, meu querido amigo Manuel! Prendi-me a leitura até o final, saboreando palavra por palavra da tua interessante história!

Agradeço imensamente a sua estada lá pelo Sementes Preciosas, e digo-te, meu caro amigo, meu coração encheu-se de alegria e paz, pelas palavras tão doces que deixaste lá para mim...
Feliz Ano Novo, pleno de esperanças e amor!
Beijos da Centelha!

Jacque disse...

Feliz Ano Novo !


Beijo

AFRICA EM POESIA disse...

Manuel
Passei para deixar. ESPERANÇA



Feliz Ano Novo

Novo Ano
Nova Vida
Nova Esperança...
Novo Recomeçar...

E neste Ano

Eu quero
Nova Vida
Nova Esperança
Novo Renascer...

Com a certeza
Que se quisermos
Podemos fazer
Deste Ano...

Um Ano Novo
Um Ano Melhor!...

LILI LARANJO

Unknown disse...

Todos os homens tem tentações do género e o padre Ze não fugia à regra.
A história é engraçada, mas nada adianta aquilo que todos sabemos.

Comer a mulher do sacristão seria um ritual comum, mas ser ladrão das oferendas é ainda mais grave.
Ninguém deve tomar para si aquilo que é da Igreja e do povo todo.

BlueShell disse...

Uma "gaija", sem querer, pode fazer perder um homem...ou um Padre...que é a mesma coisa!Desapareceu, hein? hummm que eu bem suspeito quem o fez sumir.

Uma exclente narrativa, contada de um modo simples mas divino (não tem a ver com o conteúdo)...
Simplesmente adorável.
UM BEIJO

Magia da Inês disse...

Sensacional!!!
Ficção com sabor realista.
Amei o conto.
Feliz Ano Novo!!!
Beijinhos.
Brasil.
°º♫
°º✿
º° ✿♥ ♫°
✿⊱╮

Unknown disse...

Manuelamigo

Belíssima estória. Ponto final, parágrafo, na outra linha.

A propósito ou a des... Sabes o que é um padre? Não sabes?

É um gajo que tem a braguilha até ao pescoço.

Abç

Janita disse...

Olá Manuel!

Cá está uma estória diferente um pouco ao jeito de anedota, mas que no fundo tem muito de verdade.

Não fosse o Sebastião, sabe Deus que fim a estória teria. Se calhar outro bem mais trágico. Isto no caso do Serafim ser homem de pulso, claro!

Lá está, nem os padres resistem às tentações da carne, que fará os pobres pecadores!!!

Parabéns Manuel! É sempre um prazer ler os seus contos.
Um beijo.

Janita

Sónia da Veiga disse...

:-D

Marrocos faz bem às musas, mas vêm tão malandrecas...! :-)

SOL da Esteva disse...

Manuel

Como sempre, gostosamente, a gente prende-se até ao final.
As tuas Histórias têm o condão especial de nos surpreenderem pelo inesperado.
Cada palavra é escolhida e colocada no lugar certo.
Gosto da tua forma de (d)escrever.

Que este ano te seja favorável e pleno.

Abraços

SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/

Guma disse...

Olá amigo Manuel.

Depois de um tempo arredado do meu e dos outros blogs, é um prazer voltar e a cada visita me surpreender pela positiva. Gosto muito da forma como desenvolve estes contos de forma concisa, mas não lhe faltando nunca os pormenores que nos prendem.
Eu para meditar, prefiro os lugares maravilhosos que a natureza em seu esplendor me oferece em paz e tranquilidade. Os templos que os homens construíram, nada me dizem a não ser pela arte e arquitectura, pese embora muitos tenham sido edificados à custa de muitos sacrifícios do povo.

Nem imagino quantos os que foram "planeados" na sacristia, eheheh, mas serão muitos com cereteza.

Anónimo disse...

Olá .
Gostamos muito do blog e claro que nos despertou por estarmos tão perto . Um bom ano 2012 .
Com muito carinho e amor .
Luisaeadriano.

Sandra Gonçalves disse...

Meu amigo nessas você se superou, amei ler-te. Bjos achocolatados

Unknown disse...

Janitamiga (com a permissão do nosso Manuelamigo, ou sem)

Tentação da carne é ir a uma churrascaria.

Qjs & abç ao Necas

Palavras disse...

Olá caro amigo,

adoro suas histórias, como sempre ótimas!

Amigo, um 2012 iluminado para você, com muita saúde e paz!

grande abraço

Evanir disse...

Que a fé e a esperança anda de mãos dadas, bem juntinho de você.
Esta esperança é nossa esperança. É com esta fé em Deus que
estou para 2012.
É com esta fé que nós seremos capazes de transformar esse mundo se cada um de nos
fizermos nossa parte.
E a esperança não ilude, porque o amor de
Deus foi derramado sobre todos nos.
Esta luta do filho de Deus não anda de mãos dadas com renúncias e tristezas,
e sim de esperança num amanhã mais feliz.
Um feliz final de semana.
O primeiro de 2012.
Muita paz muito amor para você.
Beijos no coração.
Evanir..

Smareis disse...

Maravilhoso seu post. Coitado do Padre Zé.
Estou de volta depois de uns dias ausente.
Desejo uma semana imensa de coisas boas. Obrigada pelo carinho da amizade...Um abraço!

Vivian disse...

Olá,Manuel!!

Ah!Meu amigo...que padre terrível!!!!
Uma tristeza pensar que como este tem muitos...
Não representam bem os ensinamentos do senhor Jesus, nem as virtudes que todo homem devia ter...
Você sempre afiado!Um conto que instiga a curiosidade do início ao fim!
Beijos pra ti!!!!!
Tudo de bom!

RUI ALMEIDA disse...

Aconteceu um situação idêntica. Eu não tive reacção e a minha mulher também não. O problema é que tenho que encarar o padre muitas vezes e agora já não consigo mais fingir. O que faço?