Momentos
Este conto é dedicado à minha cunhada Ermelinda,
porque sei que ela acredita nos milagres da vida.
Era
assim todos os dias, a mesma rotina, o mesmo pasmo, a mesma falta de motivos
para enfrentar a vida.
Queria
reagir mas havia sempre algo a entravar. Era o tédio, a tristeza e todo o
marasmo em que se tornou a existência.
As
coisas começaram da mesma forma como acontecem quase todas. A inexperiência,
dizem uns, as más companhias, dirão outros. Na verdade as duas coisas podem ser
verdade, mas a falta de afectos é, talvez, o maior motivo e que muitos se esquecem
de referir.
Ia
para a escola todos os dias, pois era o único lado onde sentia alguma atenção,
onde também era, como os outros, um menino, que cresceu e se tornou rebelde,
desenraizado e com um ódio que moía dentro do peito como se fosse um grito de revolta.
Quando
lhe ofereceram o primeiro cigarro teve relutância em o aceitar, mas o Artur
garantia que só lhe iria fazer bem, pois os problemas ficavam anestesiados nos
rolos do fumo inspirado.
Eram
umas ervas enroladas numa mortalha de papel, gosto esquisito, mas depois de
inalado ia provocando um torpor agradável, uma sensação de desprendimento, uma
euforia libertadora.
Entrou
numa teia que lhe parecia libertadora, mas o corpo começou a ficar agarrado a
uma necessidade que o pegava a cada dia que passava.
O
vício aumentava e o primeiro cigarro era uma experiência já esquecida, foi uma
espiral que cresceu sem dar por isso, agora a droga fazia parte do dia-a-dia,
era o adormecimento, o êxtase e a libertação.
Deixou
a vida, a rua passou a ser o lar, o roubo a profissão.
Os
pais, de repente, perceberam que se tinham olvidado do filho que tinham deitado
ao mundo, deram-lhe tudo só se esqueceram do amor. Mas era tarde!
****
Hoje
acordou naquela ressaca que doía de uma forma que nem ele sabia explicar, era
uma dor feita de apertos, de névoa perturbadora, de torniquetes que apertavam a
cérebro.
Queria
acabar, precisava de ajuda mas, havia deixado tudo perdido no esquecimento de
uma curta existência.
******
Não
queria mais esta vida, tinha perdido tudo, a infância que nunca teve, o afecto
que não conheceu, a esperança que não existiu, a família que o esqueceu e, até,
a amor que nunca encontrou.
Preparou
tudo de uma forma diferente, sem ansiedade, sem rancor. Escreveu uma carta que
talvez alguém lesse, tomou um banho como há muito não o fazia, vestiu a melhor
roupa que ainda lhe restava e rezou como aprendeu na escola.
A
corda estava em cima da cadeira, inerte como uma cobra que espera a vítima, os
poucos retratos nas molduras na cómoda olhavam-no de uma forma impessoal, quase
como se o não conhecessem e eram os pais.
Suspirou,
foi espreitar à janela, queria ver o Sol pela última vez.
Lá
em baixo no passeio, um menino mutilado, agarrada a umas bengalas, sorria.
Não
olhou o Sol, nem reparou se brilhava porque o riso de um inocente, a quem a
vida tinha tirado o direito a ser criança, sorria apesar da adversidade.
Arrumou
a corda, abriu a janela de par em par para que a luz do sol iluminada por um sorriso
de menino, banhasse de esperança o quarto de um homem que tinha desistido.
Mas,
agora, ia voltar a viver.
17 comentários:
Noooooooossa!!Lindo e emocionante e que bom um final feliz e o encontro da vontade de viver...abraços,chica
Uma história muito tocante, Manuel. :)
Beijinhos
"...abriu a janela de par em par para que a luz do sol iluminada por um sorriso de menino, banhasse de esperança o quarto de um homem que tinha desistido.
Mas, agora, ia voltar a viver."
Trem mais lindo do mundo num tema tão triste que destrói tantas famílias.
Parabéns meu amigo!
Bjs.
Meu querido Manuel
Uma história muito emocionante...uma realidade que infelizmente tantos jovens ficam presos nesta teia diabólica que é a droga.
Como sempre adorei ler-te e deixo o meu beijinho com carinho
Sonhadora
Manuel,
a emoção está a impedir-me de escrever. Gostei tanto, tanto, deste seu texto. Eu, também, acredito nos milagres da vida ou de outro poder superior à vontade do Homem. Querer é poder, apenas precisamos de motivação, essa força impulsionadora que nos faz levantar quando tudo parece já estar perdido.
Obrigada, Manuel, por este texto tão belo.
Um beijo.
Janita
Uma história linda pelo seu final emocionante. Adorei uma vez mais.
Que pena que estas histórias que envolvem drogas e jovns não terminem sempre assim.
Beijinhos
Puxa,meu amigo!!!Me fizeste chorar!!!!QUE LINDO!!Acredito nos milagres, estes que,às vezes,até passam desapercebidos,mas que podem tocar um coração e mudar tudo.
És um mestre na escrita!!!Estais sempre a surpreender!!!!
*Hoje o meu blog de contos faz 1 ano!!E agradeço do fundo do coração, por você fazer parte desta história!Suas críticas tanto como seus comentários gentis,me fizeram crescer, e tentar melhorar sempre!OBRIGADA!!!
Beijos!Bom final de semana!
Que história tocante.
Queria que todos que entram nessa tivesse um desfecho assim... repensar, recomeçar...
Beijinhos.
Brasil
¸¸.º°❤
Em ronda de fim de semana acredito que vai correr bem tenho a certeza...
acredita em mim ...
beijos e o conto como sempre belo...
Uma história muito comum infelizmente e os assassinos continuam à solta e a fazer mais vítimas.
Aqui culpam-se uns e outros mas a verdade por vezes esconde-se naquilo que é mais fácil ou que parece mais fácil.
Depois o trambolhão é grande demais e são poucos os que conseguem enfrentar-se. Abrir as janelas e dizer ...basta...
Adorei! :-)
Acho muito bem que ele não se renda e descubra o Amor por si próprio e pelos outros!
Há sempre tempo, desde que não se desista!
Beijinhos e bom fim-de-semana! :-)
É sempre assim,
Deus sempre nos abençoa ricamente mais do que pedimos...
Obrigada por fazer parte de minha fortuna e esta minha fortuna vale mais do que dinheiro,
é a sua maravilhosa amizade, feliz e abençoado final de sema Beijos no seu doce coração.
Evanir
http://www.youtube.com/watch?v=EGLSk3AVcUU
Não sei se gostas...mas achei apropriado ao teu texto (dedicado à tua cunhada - qu, como eu , acredita...)
Um beijo meu....
BShell(Isabel)
Manuel, meu Amigo
Um relato, uma História, comum ás Histórias que vemos todos os dias, mas onde, infelizmente, a consciência da vítima não está tão "iluminada". Depois, a tragédia acontece com a naturalidade que vamos conhecendo.
Aqui, dá para crer nos milagres da Vida.
Abraços
SOL
http://acordarsonhando.blogspot.pt/
Oi Manuel,
Fiquei comovida com esse conto.
Isso acontece muito em várias familias. Milagres acontece.Que bom que voltou a viver. Um final feliz.
Grande abraço!
Tem um ditado que diz que quando o aluno está pronto o mestre aparece.Ele aprendeu algo e deixou o sol entrar onde não havia mais luz.
Sua cunhada tem razão, é importante acreditar nos milagres da vida e jamais desistir.
Seu texto é belíssimo, Manuel e eu bebi cada palavra.
Beijinhos.
Olá amigo Manuel, temos que acreditar nalguma coisa e olharmos em frente com olhos de vêr, para nos apercebermos, que se olharmos para o lado, por vezes ainda existe pior. É precisa também muita força e acreditar...mas acreditar sempre. Sei, por experiência própria que por vezes é difícil fazê-lo mas não impossível. Texto maravilhoso e tão actual. Só espero que quem passa por esse flagelo, que é a droga consiga abrir a janela à vida, para deixar entrar o Sol. Adorei meu amigo e hoje o final emocionou-me. Bem haja pelo dom que tem, o da escrita. Beijos com carinho
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