sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Marasmo


Cada homem deve descobrir o seu próprio caminho (Sartre)





Era sempre o mesmo marasmo, aquela rotina que tornava a vida numa chatice, que se pegava à pele e tornava o dia-a-dia numa monotonia que doía e lhe deixava uma angústia que não sabia explicar.

Por vezes, embrenhava-se na leitura de "O Ser e o Nada" mas o existencialismo de Jean-Paul Sartre, um pouco taciturno, apenas servia para adensar a opressão que o levava aqueles momentos de depressão, em que se isolava como se as pessoas fossem marionetas que, apenas, serviam para agudizar o mal-estar que o entorpecia.

O seu médico já o tinha alertado para os perigos dessa amorfia, para esse casulo que vicia, corrompe e, tantas vezes, leva a desistir como, se desistir, fosse a solução.

Hoje sentia de forma mais acentuada essa compressão, esse andar perdido entre as gentes sem se aperceber que, ele, fazia parte dessa multidão que o baralhava como se fossem robôs, que giravam ao sabor de um acaso, a que ele não queria pertencer.

Voltou a insistir, mas os personagens não pareciam reais, estavam desfocados, e emaranhavam-se de tal forma que pareciam fazer parte doutra onda, que não aquela, onde o seu pensamento se concentrava.

Perguntava, muitas vezes, a si mesmo se não estaria a ficar doido, se a sua mente não o estaria a levar num caminho autista, num espiral egocêntrico, num desencadear de sentimentos antagónicos, queria fazer algo mas a solidão e o isolamento eram o seu maior prazer.

Já começou tantas vezes, que lhe perdeu a conta, a leitura de “Assim Falou Zarathustra (Also Sprach Zarathustra)” mas Friedrich Nietzsche, naquela linguagem, provoca-lhe náuseas, e a ideia de que o " homem deve ser superado" ou o conceito de que "Deus deve estar morto" vai além da sua compreensão.

Ele sente os conceitos filosóficos de uma forma diferente, não compreende a filosofia que põe em dúvida se a realidade é a que aprendemos pelos sentidos. Não percebe o recurso a constatações empíricas para provar ou refutar uma tese.

É prático, para ele a vida é nascer, viver e morrer com a mesma naturalidade de uma metamorfose, não gosta daquele rebuscar existencial de amores, desamores, paixões, aventuras, trivialidades e a chatice do trabalho, pois parafraseando Pierre Reverdy - o tempo que precisamos para não fazer nada é tanto que não nos sobra tempo para trabalhar - e, isso é a verdade.

É mais prosaico um dia em reflexões sobre o que motiva aquele ziguezaguear confuso de uma mosca, do que correr para o nada, num suar desconfortável só porque alguém se lembrou que correr é saudável.

Se calhar está a "endoidar", como diz a sua melhor e, única, amiga, Sofia. Mas ela sabe que não.

Ele não compreende Sofia, tem tudo o que quer, é dona de uma fortuna herdada dos pais e, trabalha, calculem que trabalha como se não houvesse amanhã. Nunca compreendeu essa obsessão pelo levantar cedo e perder o dia à volta de papéis e de problemas, quando podia estar calmamente em casa, ou em qualquer local paradisíaco, a gozar do prazer de nada ter que fazer a não ser o prazer de não fazer nada.

A Sofia é uma amiga muito especial e, ele sabe como ela o ama, como aprecia a sua intelectualidade, como se delicia com a sua expressão estética e com as divagações à volta da existência.

Ela sabe que o seu descanso constante não é mais do que a interiorizarão dos seus elevados pensamentos.

Ele gosta dela e ela, não tem duvidas, ama-o desde sempre. Vão casar, vão ser felizes.
Vai poder continuar a fazer aquilo de que, verdadeiramente, gosta.

Que, de verdade, é não fazer nada.



12 comentários:

JP disse...

Nem tenha a menor dúvida!
Mas este miúdo da foto parece-me ser do SLB....


Abraço

chica disse...

Gostei de mais esse conto.Fico sempre esperando algo. Lindo sempre, nunca saio desapontada! abração,chica

Unknown disse...

Uma música que nos conduz no prolongar desse tempo de amor e de não ter nada para fazer.

Uma sombra de amor e bem querer que ocupa o tempo todo nada sobrando para aquilo que devia haver tempo.

Unknown disse...

Bom aqui é só ler e gostar
Depois parabenizar belo belo post
Que seu dia seja feliz
Abraços
Rita!!!

rosa-branca disse...

Amigo Manuel, como sempre o final eu nunca o adivinhava, pois é marasmo a mais. Tive que me rir, pois lembrei-me do que o meu pai dizia:- Estou de descanso há 365 dias. Agora que estou cansado deste trabalho todo, vou tirar um mês de férias, para ver se descanso alguma coisita. Como sempre é um prazer lê-lo. Beijos com carinho

Flor de Lótus disse...

Olá,Manoel!Belo conto e que bom é não fazer nada,mas não fomos ensinados a isso e hoje é um domingo desses chuvosos e frios e o que me resta é não fazer nada,mas parece tão inútil não fazer nada,apenas dormir,ver tv e coisa e tal...
Uma ótima semana!
Beijossss

Vivian disse...

Olá,Manuel!!!

Nem sempre conseguimos fugir do marasmo...ao menos pra mim, de tempos em tempos ele me pega...mas como não parar e refletir sobre a vida? Sobre o que nos cerca? Só assim crescemos e amadurecemos:Pensando.Refletindo.
Gosto de ás vezes, ficar sem fazer nada...mas que seja um breve momento.
Trabalhar me faz bem!
Um texto maravilhoso meu amigo!Teu personagem também "briga" comos escritores!rs Assim como eu!
Beijos!
*Desculpe a demora,mas sabes porque né?!

AFRICA EM POESIA disse...

pOIS...BOAS FÉRIAS.

SE FOR NUM SITIO BONITO COM DEDAIS BONITOS EU QUERO UM.


DEPOIS... ESTOU A ESGOTAR A PACIÊNCIA.ELA TAMBEM TEM LIMITES.a
AGUARDO POR 5º FEIRA COM CALMINHA E TRANQUILIDADE. UM BEIJINHO PARA TI...

Guma disse...

Olá amigo Manuel

Isto de nada fazer, é uma ciência. Não é para toda a gente. Aliás, tenta-se e dá uma dor horrível... a da consciência, pelo menos para quem toda a vida trabalhou e não sabe fazer mais nada.
O ideal era saber como usufruir dos momentos de nada fazer, sem essa culpa. É provável que esse seja o problema de alguns quando se reformam.
Seja como for, nada fazer é uma trabalheira, e não me admira que depois...
tem de se tirar férias.

Kandandos expressando o meu prazer de aqui estar.

Flor de Lótus disse...

Olá meu caro amigo Manoel!Passando aqui pra desejar-lhe uma ótima semana!
Beijosss

SOL da Esteva disse...

Eu acho que ninguém sabe o que é não fazer nada. Afinal, Sofia fazia a sua Vida normal, trabalhando com prazer, enquanto ele se debatia com o trabalho insano de ganhar o espaço para fazer tudo, "sugando" o dinheiro dela. Isto dá imenso trabalho e preocupações, inseguranças, medos...
Belo, Manuel.


Abraços


SOL

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Havendo amor, vão se entender, creio!

Um abraço, Manuel,
da Lúcia