segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O baraço





Olhou para trás de uma forma quase abstracta, olhou mas os seus olhos não viam para além do pensamento e, esse, estava de tal forma entorpecido que não ia para lá da corda que transportava debaixo do braço.

Desenrolou o baraço de forma vagarosa, deu um repelão a testar a resistência do sisal como se isso fosse muito importante.

Exalou o cheiro das urzes que cresciam envergonhadas junto às margens do regato, olhou o Sol com os olhos semicerrados gozando os fiapos que se reflectiam na sua retina.

Um pequeno suspiro fez eco na quietude da tarde solarenga. Deitou-se debaixo duma oliveira, na terra seca, fechou os olhos e deixou correr o filme da sua vida.

**

Nem sempre foi fácil, houve momentos dolorosos, percursos cheios de obstáculos que nunca o fizeram desistir.

Lembrou bem o dia em que os pais da Aninhas proibiram o namoro e ele não se deixou vergar.

Fugiram os dois e voltaram casados, depois foi difícil, mas os velhos teimosos acabaram por ceder embora tenha sentido, sempre, que essa aceitação era uma forma de não perderem a filha, porque ele foi apenas tolerado, mas não se importou, Aninhas amava-o e isso era o que verdadeiramente lhe interessava.

Foi em Fevereiro, do ano seguinte, que nasceu o Marquinho, o filho que planearam.

Viveram três anos duma felicidade feita de avanços e recuos, de alegrias,  frustrações e de tédio, de muito tédio.

Um dia Aninhas fez as malas, pegou no filho e desapareceu no horizonte.
Em cima da cama um papel, numa breve despedida:

Estou farta, cansada, preciso de respirar, preciso de espaço para viver.
Levo o Marquinho, precisa de mim.
Depois tratamos do resto.
Desculpa João, não te mereço!

**

Leu uma vez, outra vez e mais outra e não compreendeu. Nem um beijo de despedida.
É difícil perceber as mulheres.

Ele trabalhava 10 horas por dia para que nada lhe faltasse e a paga era esta.
Continuava sem perceber.
Os Homens percebem tarde de mais!

**

Tentou chorar mas as lágrimas não quiseram acompanhar o desgosto, ficou numa grande prostração, durante três dias esteve em total clausura, sem comer, sem beber e sem querer saber do mundo que corria lá fora.

**

Sem Aninhas e Marquinho a vida não lhe interessava, não sabia viver, não tinha aprendido.

Pegou na corda, fez um braçado. Olhou tudo o que o rodeava, numa espécie de despedida, e abalou para o olival, ia procurar a morte na árvore da vida.

**

Chegou mesmo a adormecer. Acordou com os raios de Sol brincado por entre a prata das folhas da oliveira.
Levantou-se dorido, tinha marcado no corpo as pedras e os torrões da terra. Mas isso pouco importava.

Pegou a corda e fez, na ponta, um nó corredio e preparou-se para a fazer passar por uma pernada alta. Tinha que ser forte para lhe suportar o peso.

Olhou um redor num último adeus, tinha pena, afinal a vida tinha-lhe dado tanto de bom.

**

Olhou para baixo, pareceu-lhe ouvir um leve restolhar. Aninhas subia o declive, cansada e com o arrependimento no olhar gritou:

-João, sou muita parva, venho a tempo de me perdoares? Afinal a culpa não é tua, é nossa e estamos a tempo de recomeçar.

O Sol que ia desaparecendo no horizonte brilhou com mais intensidade, à contraluz um beijo intenso recortou-se na imensidão do entardecer.



15 comentários:

JP disse...

Olá Manuel,
Obrigado pelas suas visitas à Pena. E pelo apoio.

Ora aí está uma história com um final feliz. Mas o baraço estava a mais. Nada vale mais que a vida, que o sol a brilhar. Por muito que seja o sentimento perdido, por muita que seja a dor!

Abraço

Sónia da Veiga disse...

YES!!!!!!
VIVA, VIVA, VIVA!!!!!!

Um final feliz, finalmente!!! E com ares de recomeço!!!

Estou feliz! :-D

chica disse...

AFFF! Que susto!Ainda bem que Aninhas se arrependeu e o final feliz se deu!! Adorei! abração,lindo dia,chica

Laços e Rendas de Nós disse...

E quando tudo pendia para o poder do 'baraço'... um final feliz!!!

Ai como gosto de ler as suas estórias!

Boa semana e um beijo

Laura

Janita disse...

Sabemos que se trata de uma estória, mas quantos destes baraços acontecem na vida de muita gente?
Perder um grande amor, neste caso dois, é perder todo o sentido da vida.
Fiquei muito feliz por tudo acabar bem, com o sol a brilhar de novo.
É por isso que se deve resistir e nunca perder a esperança.
Gostei muito, Manuel. Adoro histórias com finais felizes, talvez para esquecer um pouco a realidade.
Um beijo.
Janita

Unknown disse...

Graças a Deus que lhe deu um final com satisfação para todos.Estava com medo que fosse outro final e que a angústia nos queimasse a alma e secasse o resto de sangue que nos percorre.

São tantas vidas presas numa corda que se vão sem retorno.
Precisamos de inverter as situações e fazer uma corda que nos ligue à família e aos amigos.

Não podemos nem devemos ser fatalistas. Devemos acreditar que um dia as coisas haverão de mudar e haveremos de ser felizes.

rosa-branca disse...

Meu amigo, não ganhei para o susto...estava com medo que ela não chegasse a tempo, mas chegou. Maravilhosa história de amor e com um final feliz. Adorei. Beijos com carinho

Tenho a corda amarrada
Tantas vezes na garganta
Que fica até enrolada
A minha voz quando canta.

Magia da Inês disse...

.•°♫♪♪

Afinal de contas, enforcou-se ou não?
Bom fim de semana!
Beijinhos.
Brasil
彡♪♫°¸.•♫°`

Janita disse...

Olá Manuel.
Então? Anda a perder os meus comentários?
Bom fim de semana e veja lá isso! :)

Flor de Lótus disse...

Oi,Manoel!Saudades de vir aqui e dos teus tão lindos contos.Que bom que Aninhas chegou a tempo de impedir que ele cometesse uma loucura.
Beijosss

Evanir disse...

Fico feliz em perceber que certas pessoas,
como nós, têm a capacidade de reconstruir para recomeçar.
Isso é sinal de garra e de luta, é saber viver, é tirar o
melhor de todos os passageiros.
Agradeço a Deus por você fazer parte da minha viagem,
e por mais que nossos assentos não estejam lado a lado,
com certeza,o vagão é o mesmo.
Com saudades desejo um feliz Domingo,
beijos na sua alma carinhosamente,Evanir.
A Viagem..

Vivian disse...

Bom dia,Manuel!!

Nossa,meu amigo!!!Quase que ela chega tarde demais! Foi por pouco!
Mas sabes...estava esperando o pior...és um mestre, e sempre me surpreeende!!

Beijos e meu carinho sempre!

Evanir disse...

Agradeço a você por sua amizade tão especial,
e por me fazer sentir que sou alguém
com quem você se importa.
Agradeço a você por todas suas visitas,
embora muitas vezes não consigo fazer visitas
sua presença é marcante no meu blog.
Deus lhe de uma semana abençoada beijos paz e luz,Evanir.

SOL da Esteva disse...

O sono valeu bem a espera. A felicidade voltou (ou não) mas teve a oportunidade última de voltar a decidir.
Belo conto, Amigo. Sempre um final imprevisto.


Abraços


SOL

Anónimo disse...

Que bom que ela voltou... Um final feliz que muito me agradou.


Beijinhos.