Ficou um pouco assustado, o sino da
Igreja parecia tocar a finados, não é que ele percebesse muito de toques mas
este troar tinha algo de fúnebre.
Não sabia explicar porque mas, talvez o
compasso, o eco triste ou, quem sabe, se não um terceiro sentido que o levava a
pensar assim.
Foi ai que teve pena de que os telefoneis ainda não tivessem sido inventados, mas não, só havia aqueles telefones pretos com um auscultador encaixado num gancho no bocal, para onde se atiravam as palavras, e mesmo desses não tinha nenhum. Ia á venda do senhor Simão telefonar a saber, mas, pensou, se ia à merceeira não precisava de telefonar, perguntava e ele sabia de certeza. Pensando melhor era preferível ir à casa mortuária na Igreja e ficava a saber tudo.
Primeiro tinha que fazer a barba, pois
com este pelos crescidos ainda haviam de pensar que já estava de luto por
alguém que ainda não sabia quem, mas não ia por aftershave, para não julgarem
que não tinha sentimentos, pois um desgraçado se tinha finado e ele estava a
embelezar-se sem mostrar sentimentos. Mas o povo é mesmo assim, que havia de
fazer!
Preparou o pequeno-almoço, tinha fome,
mas a consciência parecia atormenta-lo, pois estar a comer, agora, antes de ir
saber o que aconteceu era de um enorme egoísmo, alguns estavam a sofrer e ele, placidamente,
ia trincando deliciosas torradas e bebendo o sumo de laranja. Estava a sentir
uma enorme angústia pela forma desumana de adiar mas, pensava - quem ia saber
se tomou a refeição? - ou se nem tinham pensado nisso.
Estava desconfortável e muito nervoso,
quem sabe era alguém conhecido, até podia ser um amigo. Não tinha muitos mas,
sempre havia alguns.
Oh, que desconforto, o sino voltou àquele
repicar triste, os ingleses dizem knell ou será toll, não tinha a certeza mas
julgou ouvir um destes termos à sua tia que viveu, toda a vida, em Londres.
Mas não importa tem que se despachar.
Uma dúvida veio atormentar o já tão martirizado espirito, o que deve vestir,
tem que ter cuidado, pode ser um desconhecido mas, também pode ser um
conhecido, quem sabe um amigo.
Não pode ir com cores berrantes e logo
hoje que queria estrear a t-shirt vermelha com a frase "I am here".
Não era uma frase muito forte mas quando
a viu na montra ficou apaixonado e não se importou com os 35 euros e, pronto,
comprou mesmo.
Talvez uma camisinha branca, mas só
tinha de mangas compridas e estava um calor insuportável.
Resolveu, uma polo branca era o mais
certo, passava despercebida.
Foi ao espelho dar os últimos retoques no cabelo, ensaiou um ar compungido, mas não se estava a sair muito bem, havia algo de artificial, tinha que ir treinando pelo caminho.
**
Ia começar, já um pouco afogueado, a
subir a rua da Igreja quando descortinou o seu amigo Inácio que, de certeza, o
ia informar sobre quem se tinha finado.
-Inácio quem morreu? Alguém que eu
conheça?
Inácio deu uma enorme gargalhada antes
de responder:
-Morrer, não morreu ninguém, mas ali na
Igreja está a decorrer o funeral do professor Fausto.
-O que, o professor Fausto morreu?
-Não, pá, está a casar com a zarolha da
presidente da junta!
-Mas os sinos estavam a tocar a finados?
-Não percebes nada de toques, tens que
aprender. Estavam a chamar as pessoas para a missa.
Já vi que coisas da Igreja não é a tua
especialidade!
21 comentários:
Achei muita piada ao 'terceiro sentido' logo ao início do texto... ;)
Beijinhos, Manuel
Olá meu caro Manoel! Sempre com seus contos surpreendentes lendo esse trecho lembrei de um trecho do livro Amores em tempo de cólera do Gabriel Garcia Marques que fala sobre o soar dos sinos.
Beijossss
Meu querido Manuel
Como sempre uma estória maravilhosa e com o tal final inesperado que sempre lhes dás.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
Achei piada a este texto porque me identifiquei em certa parte aqui. Sempre que toca o sino pergunto à minha mãe o que se passa, é que eu só conheço o toque das horas eheheh.
E o sino toca de diferentes maneiras: toca a anunciar a morte de alguém e o número de vezes que toca permite identificar se é homem ou mulher, toca para a missa com uma hora de antecedência, toca na hora da missa, toca para casamentos e toca não sei mais para quê. Mas eu só identifico as horas ;)
Eu como sempre só posso te cobrir de elogios e te agradecer por mais um conto fantastico. Obrigada meu poeta. Bjos achocolatados
É sempre uma delícia ler seus contos, Manuel.Adorei!
Beijinhos
Os sinos das nossas aldeias são a voz do povo que canta, chora e ri.
São a voz que chama para a missa ou ainda para o trabalho ou o descanso.
Os sinos na minha aldeia tem um toque diferente anunciando a morte de um homem ou mulher. Um toque triste, pausado e melancólico.
Para festejar a vida os sinos tocam a rebate e cruzam os ares com melodias alegres. Festa de baptizado de um bebé com poucos dias.
Vim dizer que estou triste como a noite
beijos
Vim dizer que estou triste como a noite
beijos
Acontecem (demasiadas vezes) mortes destas!
Não quis dizer que eram esperadas, mas acontecem (infelizmente).
Mais um belo Conto a juntar aos demais.
Parabéns, Manuel.
Abraços
SOL
Morre não tinha morrido, mas o professor Fausto tinha comprado o bilhete, pelos vistos.
Manuel, um belo conto com a inevitável pitado de bom humor.
Abraço
EEnigmático Byjotan deixou um novo comentário na sua mensagem "A dúvida":
Os sinos estão presente em nossas vidas de várias maneiras,sempre querem dizer alguma coisa,entre elas,nos lembrar que somos suscetíveis as suas badaladas.Abraço carinhoso do agora leitor.:-BYJOTAN.
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Publicada por Enigmático Byjotan em navoltadotempo a 5 de Outubro de 2012 16:35
✫. `⋎´ ✫❤✫..
Olá hoje vim deixar, meu abraço de
um bom final de semana.
Agradecer todas as suas mensagens
deixada no meu Cantinho
Parabenizar pelas suas belas postagens, sendo elas do seu agrado
me agrada também.
Bjusss carinhosos
Rita
✫. `⋎´ ✫❤✫..
Olá Manuel meu querido escritor!
Pra falar a verdade, identifiquei-me com o teu conto, no sentido da imaginação, da dedução, antes de verificar as ocorrências, em nossas vidas cotidianas. Achei graça dos pensamentos do personagem, em tentar através da adivinhação mental, ou questionadora, pelo simples troar dos sinos: se devia se alimentar ou não, o que vestir, qual cor usar, ensaiar no espelho, fazer a barba ou não...Achei tudo isso muito hilário, pra depois ao final, perceber que errou em toda a sua conjectura.
Por isso , mais uma vez eu me curvo ante a sua inteligência e senso de humor, querido Manuel. É dos melhores que conheço.
Agradeço de coração a sua presença lá no meu blog, enquanto eu estava ausente. Estou bem melhor, e já que disseste que me esperaria, vim pra dizer-te que adorei a sua visita por lá!
Bjos da Lu...
Oi,Manoel!Passando para te deixar um forte abraço e desejar-lhe um ótimo fim de semana!
Beijosss
Isso é que é sofrer por antecipação!
Bom domingo!
Boa semana!
°º✿♫
°º✿ Beijinhos do Brasil!
º° ✿♥ ♫° ·.
Por esta não esperava, Manuel!
Confesso que, à medida que ia lendo, me lembrei que fosse ele o próprio morto...
Muito bom!
Beijo
Laura
Por esta não esperava, Manuel!
Confesso que, à medida que ia lendo, me lembrei que fosse ele o próprio morto...
Muito bom!
Beijo
Laura
Caro Manuel,
As pessoas de consciência atormentam-se pondo a toda a hora na balança o que pensam e fazem, pois não se vice sozinho neste mundo, apesar de por vezes assim mais parecer, ou não teria sentido uma camiseta a dizer "I'a here", não vá passar-se despercebido.
Meu forte e sincero Kandando
Gostei imenso do seu blogue. Poderei seguir? Obrigado. Boa semana!
Olá,Manuel!!
Todos podemos nos enganar,não é? Eu mesma não entendo nada dos toques dos sinos...
Beijos e meu carinho pra ti!
*Sim,posso demorar um pouco mas venho!És um amigo muito importante.
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