segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Mariquinhas








A Mariquinhas é uma personagem um pouco estranha, não pelo aspecto mas pelo comportamento, má como uma cobra-cascavel, venenosa e com uma língua que só lhe falta ser bifurcada para a semelhança ser mais verdadeira.

É egoísta, quezilenta,  viperina e tão perigosa que todos a conhecem pela víbora do rés-do-chão direito.

Escuta tudo, sabe de todos, o mundo é o seu inimigo.

*****

Nem sempre foi assim, apenas a vida azedou o carácter de uma jovem que sonhou com o amor.

Tinha 20 anos quando conheceu o Onofre, já tinha namorado outros rapazes mas nada que lhe tivesse feito palpitar o coração, agora era diferente.

Foi na quermesse da feira de Santo Agostinho que ele lhe ofereceu, o urso de peluche que tinha ganho ao desembrulhar um daqueles papelinhos coloridos.

Pensou em não aceitar mas, aquele sorriso mascarado num bigode a Errol Flynn, foi mais forte que o pensamento.

Passearam o resto da noite, comeram farturas, soltaram gargalhadas sonoras nas voltas do carrossel, escarranchados numas girafas pintadas em cores garridas.

Ficaram, desde logo, com um compromisso para a vida.

Ele tinha 25 anos e, segundo disse, tinha terminado o curso de direito e ia trabalhar na empresa Saca & Saca Advogadas Associados, Lda., ao princípio seria estagiário, não ia ter grande salário, mas depois de acabar o estágio ia ganhar muito dinheiro.

Mariquinhas estava embevecida, bebia as suas palavras e deixava-se embalar no doce cantar das lindas promessas.

Casaram num dia de muita chuva mas, como diz o povo, casamento molhado é casamento abençoado. Iam morar na casa da Mariquinhas, que tal como a outra, não tinha janelas com tabuinhas.
­Era por pouco tempo, disse Onofre, depois iam comprar um apartamento, quem sabe, talvez, uma vivenda num sítio chique.
Foram uns primeiros tempos de sonho, puro enlevo.

Depois perante a desculpa de que advogado estagiário não tem salário  Mariquinhas ia mantendo, a muito custo, as despesas domésticas, mas era por pouco tempo, pois não tardava e o nosso causídico, dizia ele, iria compensar a mulher por tudo isso.

Mariquinhas não compreendia o estranho horário do marido, dormia durante o dia, depois saia para o trabalho e só regressava a casa a altas horas da madrugada. Só se viam, de facto, ao fim de semana, pois quando Mariquinhas saia ele dormia e quando Onofre chegava, dormia ela.

Andou assim muito tempo, ela trabalhava o marido dormia, algo estava errado, ia saber o porque do estranho horário e porque, passado tanto tempo de estágio, nada lhe pagavam?

Foi, muito timidamente, visitar Saca & Saca Advogadas Associados, Lda., e, pasmem, ninguém conhecia o senhor doutor Onofre Casquinha.

-Não! Aqui não trabalha! Foi o que lhe disseram.

Mariquinhas ficou desconfiada, algo estava errado e, entre dentes jurou:

-O malvado anda a enganar-me mas eu vou descobrir e ele não se vai ficar a rir. Juro que não!

*****
Onofre levantou-se quando Mariquinhas chegou do trabalho. Tomou banho, perfumou-se, alisou cuidadosamente o bigode, beijou a mulher e, antes de sair, disse:

-Minha querida o dever espera por mim.

****

Hoje ia ser diferente, ia seguir o marido, queria ver qual eram os seus afazeres.

Não foi difícil, ia à vontade, pegou o autocarro 201, andou 5 paragens e desceu na Avenida 24 de Julho.

Acendeu um cigarro e alisou, naquele jeito tão próprio, o fino bigode e preparou-se para atravessar a rua.

Mariquinhas pagou o táxi, enrolou o lenço à volta da cabeça para passar mais despercebida e preparou-se para seguir, embora a alguma distância, os passos do marido. Era muito estranho que o local para onde se dirigia pudesse a ter algo a ver com o trabalho.

Ele atravessou com a mudança dos semáforos, enquanto, ela arriscou uma corrida entre os carros para o não perder de vista.

Onofre estugou o passo, assobiou baixinho, deitou fora a prisca do cigarro e entrou na danceteria "O Violino".

Mariquinhas espreitou e, meu Deus, enxergou o marido cingindo pela cintura duas belas moçoilas, parcamente vestidas.

Enrolou a cabeça no lenço e, bebendo as lágrimas, foi a caminho do autocarro para o regresso a casa.

O ódio enchia o peito, o despeito martirizava-lhe a alma, a vingança passou a fazer parte do seu pensamento.

Agora percebia porque as longas noites de amor há muito tinham caído na rotina, pelo cansaço, dizia ele, pela fartura pensava, agora, ela.

Foi para a cama, não para dormir, mas para alimentar o ódio e amadurecer a vingança.

Eram, quase 5 horas da madrugada quando sentiu a entrada furtiva, passos leves, quase silenciosos, despiu-se como se a roupa fosse de veludo e anichou-se no quente da cama.
Passados 5 minutos ressonava na tranquilidade dos justos.

Era a hora esperada, era o momento de decidir o que havia para resolver.

Tinha a tesoura de podar bem afiada e pronta a cumprir a missão que lhe tinha destinado. Levantou os lençóis, procurou a melhor posição e zás, está feito.

Depois, o que cortou, foi bailando ao sabor da descarga do autoclismo. Havia coisas que não eram para compartilhar, eram dela, apenas dela.

O homem berrava como um capado e nunca um termo foi tão bem aplicado.

Os médicos tentaram uma reconstituição, remendaram mas…bom, nunca mais foi a mesma coisa.

***

O juiz não ficou muito convencido com os argumentos e condenou-a a seis anos de prisão efectiva.

Cumpriu a pena mas, quando saiu, não era a mesma mulher.

Agora está muito diferente!



15 comentários:

Flor de Lótus disse...

Oi,Meu caro amigo Manoel!Tem dores que nos deixam marcas profundas pro resto da vida,as mulheres ainda sofrem mais são criadas pra viver em função da casa e do marido e muitas vezes acabam se anulando claro que isso já melhorou muito,mas ainda há muito a evoluir.
Beijos e uma ótima semana!!!

AFRICA EM POESIA disse...


Manuel
O Outono veio
o outono vai evai dar lugar ao Inverno que é mais triste e feio,
eu não gosto dele, e não me faz falta nenhuma. em Africa não o tinha,-não o sentia e nunca o desejei.. Agora pacientemente espero que venha tarde e vá cedo embora,para abrir caminho ao ciclo da vida e do Amor, Que nos surge pelas mãos da Primavera
pacientemente o ciclo continua e a vida faz.se com Amor.


depois...estamos de férias para o ano pode ser que seja..
nesta roda viva nem a tua Mariquinhas se salva.
beijos

Anónimo disse...

Tadinha da Mariquinhas!
Bjs querido.

madrugadas disse...

Para grandes males grandes remédios
Afinal ela apenas queria ficar com a parte de leão. As outras que se lixassem...

Depois de toda esta desilusão é impossível as pessoas voltarem a ser normais.
Nem ele de capadura nem ela de de boa figura.

Vivian disse...

Olá,Manuel!!

Nossa,meu amigo!Uma atitude drástica,alimentar rancores nunca é bom...e acaba nos fazendo prisioneiros dos nossos sofrimentos...
Um conto fantástico!
Beijos e obrigada pela companhia que prezo tanto.

rosa-branca disse...

Amigo Manuel, pelo menos cortou o mal pela raiz...juro que o final nem que pensasse o resto da vida nunca o adivinhava. Adorei como sempre, embora um pouco arrepiada. Beijos com carinho

Janita disse...

Uma relação que mal começa, pior acaba! A vida da Mariquinhas e do Onofre começou assim a modos que a de mulher a dias e padeiro, ora isso nunca podia acabar bem.
Mas ainda acabou pior do que deveria, Manuel!
Mais valia ela ter dado de beber à dor, naquela fatídica noite, e dois pares de estalos no traste do Onofre, como fez a moça do vídeo.
Depois...cabresto e rédea curta!lol

Estória um pouco arrepiante, mas excelente e muito bem contada.
Sim senhor, gostei!
Beijos.



Unknown disse...

‎.·´✿‎.·´✿‎.·´✿
Um dia de sol e calor ,venho agradecer todo seu carinho e deixar o meu, por estar sempre no meu Cantinho
com suas palavras de incentivo,
Parabéns pelo belo post, uma história
bem gostoso de ler
Abraços
Rita!!!!
‎.·´✿‎.·´✿‎.·´✿‎.·´✿

Unknown disse...

‎.·´✿‎.·´✿‎.·´✿
Um dia de sol e calor ,venho agradecer todo seu carinho e deixar o meu, por estar sempre no meu Cantinho
com suas palavras de incentivo,
Parabéns pelo belo post, uma história
bem gostoso de ler
Abraços
Rita!!!!
‎.·´✿‎.·´✿‎.·´✿‎.·´✿

Catita disse...

Não é por mal, mas as vezes era bem preciso haver algumas Mariquinhas verdadeiras eheheh

chica disse...

Danada essa Mariquinhas,heim? Gostei de mais esse conto teu! abração,chica

AFRICA EM POESIA disse...

m a<Mariquinhas nos salva...

um beijo e muita poesia para esquecer...

Magia da Inês disse...

♪彡♪♫°¸.•♫°`
É isso que digo: a mentira tem pernas curtas... um dia aparece!!!
Bom fim de semana!
Beijinhos.
Brasil
♪♫♫°✿°`╮

Manuel disse...

SOL da Esteva deixou um novo comentário na sua mensagem "A Mariquinhas":

Um belo Conto, Amigo.
Pode ser que venha a inspirar a nossa Justiça que vai arrastando casos mais simples afim de prescreverem, beneficiando sempre os mesmos e condenando as verdadeiras vítimas ás penas de miséria mais variados.


Abraços


SOL

Anónimo disse...

Ela cortou o mal pela raiz, mas pela amargura e ruindade não valeu a pena, aliás acho que nunca vale... o melhor é deixar o traidor sozinho e ser feliz.Excelente, Manuel.

Beijinhos.

Ps:Fui no google para saber como era o bigodinho a Errol Flynn... Ela deveria ter desconfiado...rs