Para o meu sobrinho Martim
(Natal 2013)
Joãozinho
tinha seis anos e era muito pobrezinho, pois os pais foram um dia, para o
Brasil, e nunca mais voltaram.
Foi a
avó Emília que tomou conta do menino. A avó era uma simpática velhinha, muito
doce mas muito pobre. Vivia numa casa, pequenina, num pátio de gente boa que
tanto a ajudavam.
Hoje, o
Joãozinho está muito triste, tão triste que até o Sol parece querer por um raio
de luz, nos olhos do menino, mas ele nem dá por isso.
Tem a
cabeça escondida entre os braços, para que os outros meninos não possam ver as
lágrimas que lhe escorrem pela cara.
Luís,
que é o seu melhor amigo, achou estranha a posição do colega e foi-se
aproximando para lhe perguntar:
-Dói-te
a cabeça? Queres que eu chame a nossa professora para te ajudar?
-Não é
preciso, respondeu o João, já passa!
Luís bem
viu que ele estava a chorar, as lagrimas ainda se viam na cara.
Queria
ajudar mas estava um pouco sem jeito, ainda era muito novo, e só a mãe é que
sabia como isso se fazia. Mas tentou:
-Sabes
João, no outro dia também chorei com dor neste ouvido, mas a minha mãe deitou umas
gotas, de um remédio, e passado um bocadinho já não doía!
-A mamã
mãe disse que quem chora não é mariquinhas e, disse mais umas coisas, que não
percebi bem, mas aprendi que os homens grandes também choram.
-Não
tenhas vergonha! Eu não conto aos outros meninos!
-Queres
que eu peça à minha mãe o remédio para tratar o teu ouvido?
-Mas o
meu ouvido está bom, respondeu o Joãozinho! Vou-te contar um segredo mas não
digas nada, eu não queria chorar, mas não consegui, e as lágrimas apareceram
sozinhas.
Luís
estava sem perceber nada, ainda tinha só seis anos e, às vezes, não percebia
bem as coisas.
-Mas se
não te doí nada, porque estás então com lágrimas na cara?
Agora
Joãozinho parecia querer sorrir, mas não lhe correu muito bem, o desgosto devia
ser grande e o sorriso não apareceu.
-Vou-te
contar tudo, mas juras que não dizes a ninguém? Suplicou o João.
-Eu
pedi, ao Pai Natal, uma guitarra mas a minha avó disse que ele não tinha
dinheiro, para guitarras, e só me podia trazer um chocolate.
-Eu
queria tanto uma guitarra igual à que está na montra do senhor Elias!
-Eu
porto-me bem, todo o ano, e nunca tenho prenda no sapatinho!
-Quando
peço à minha avó um chocolate, diz que me faz mal aos dentes e não compra! Agora
o Pai Natal vai trazer um e já não faz mal!
Luís
ficou pensativo, também não percebia porque não davam prendas ao amigo, ele era
tão bonzinho!
Queria
dizer qualquer coisa mas, não sabia bem como fazer, havia palavras de crescidos
que ainda não compreendia.
Pegou
no braço do amigo e convidou:
-Anda,
vamos brincar, se calhar a tua avó está muito velhinha e não percebe nada e o
Pai Natal tem uma guitarra para ti.
No
resto do dia, Luís, não largou o amigo para ele se esquecer da guitarra.
Quando
fosse grande ia comprar uma e oferecia ao amigo, ou então se o Pai Natal lhe
der duas, vai pedir à mãe que o deixe oferecer uma ao João. A mãe deve deixar!
No fim
das aulas deram um abraço de amizade e, cada um foi para sua casa.
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Agora
só voltavam na segunda-feira.
No
sábado, o Luís, foi com o pai à padaria e quando passaram à montra do senhor
Elias parou para ver a guitarra do João, era bonita, brilhava e tinha enfeites
à volta do buraco. Luís não se conteve e pediu ao pai:
-Pai
podia perguntar quanto custa aquela guitarra?
-Está
ali o preço, naquela etiqueta, respondeu o pai!
-Mas
quanto é, insistiu o Luís.
-Cinquenta
euros, disse o pai. Mas para que queres saber?
-Não é
nada, só para saber mesmo, respondeu.
Quando
chegou a casa Luís perguntou à mãe:
-Oh mãe
quanto é que eu tenho no meu mealheiro?
A mãe deu
uma gargalhada e foi contar as moedas.
-Olha,
disse ela, se não fosses gastador podias ter mais, assim só tens oito euros.
Na segunda-feira, Joãozinho, não
foi à escola e a professora disse que
a avó telefonou a dizer que ele estava doente, com febre.
Luís,
quando encontrou, a professora, no recreio, aproximou-se um pouco acanhado. Ela
percebeu e perguntou-lhe:
-Então
Luís! O que me queres dizer?
Ficou
um bocadinho envergonhado mas atreveu-se:
-Eu
tenho, oito euros no mealheiro, para cinquenta quanto falta?
-Olha
Luís, lá mais para diante já vão aprender essas contas, mas para teres os
cinquenta faltam quarenta e dois.
Luís
ficou a magicar, quarenta e dois euros são muitas moedas.
-Eu sei,
continuou, porque é que o João Cosme está doente! Se tivesse os cinquenta euros
conseguia que ele ficasse bom!
A
professora, a muito custo, conseguiu evitar uma gargalhada.
-Senta-te
aqui ao meu lado e explica bem porque eu não percebi nada!
-É
assim, o João pediu ao Pai Natal a guitarra da loja do senhor Elias e, o
Pai
Natal, disse que ele só merecia uma tablete de chocolate e o João ficou triste
e adoeceu.
A
professora, dona Irene, ficou totalmente baralhada.
-Então
Luís o João falou com o pai natal? Como é que ele fez isso?
-Ele só
falou com a avó e ela é que falou com o Pai Natal e ele disse à avó que não
tinha dinheiro e então o João chorou aqui no banco do recreio e eu vi.
-Vamos
ver se entendi tudo! O João pediu essa guitarra mas, como não a pode receber,
tu queres comprar mas só tens oito euros?
-Muito
bonito o teu gesto, nós vamos arranjar uma maneira.
-Mas,
pediu ele, o João não pode saber que não foi o pai Natal.
-Não
vai saber querido! Disse a professora.
Luís
estava radiante a professora Irene disse que nós íamos resolver.
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À tarde,
a professora, disse assim a todos os meninos:
-Tomem
atenção, o João Cosme está doente e aqui o Luís, descobriu que temos que o
ajudar. Como sabem, ele vive só com a avó que é muito pobrezinha, e não tem
dinheiro para o Pai Natal comprar a prenda que o João tanto quer.
-Eu
estive a pensar que podíamos, entre todos, ajudar. Que dizem?
-Siiiiiimmm,
responderam os meninos.
A
professora Irene, sorriu, estava feliz:
-Eu
sabia que os meus alunos não iam esquecer um colega que agora precisa!
-Vamos
fazer assim, se cada um der 2 euros ficamos com 36 euros, são 18 meninos, eu
ponho o resto e compramos o brinquedo, falem com os vossos pais e se eles
estiverem de acordo vamos em frente.
Luís
levantou-se, levantou a mão e perguntou:
-Mas
assim ele fica a saber que não foi o Pai Natal!
A
professora sossegou:
-Não
fica, é um segredo nosso! Eu vou a casa do vosso colega, na véspera de Natal, e
digo que o Pai Natal se enganou na morada e deixou na escola.
-Booaa!
Gritaram todos.
Luís
não se conteve e perguntou:
-E, os
meninos, também vão com a professora à casa do João?
A
professora Irene sorriu, feliz, e respondeu:
-Se os
vossos pais deixarem porque não?!
Os
rapazes responderam em coro:
-Deixam
pois! Os nossos pais até vão com a gente.
Quando
bateram à porta, foi o João que abriu. Ficou, quase assustado, não esperava.
A avó
gritou, lá de dentro:
-Quem é
João?
-É a
minha professora e os meus amigos.
-Então
manda entrar! Que educação é a tua que deixas as pessoas à porta!
-Não
vale a pena, disse a professora, vimos só entregar, ao João, um presente que o Pai
Natal deixou na escola.
-Toma
João, o Pai Natal não encontrou a tua morada.
O João não sabia o que dizer, abraçou os
amigos e apenas lhe saiu.
-A
minha guitarra!
Voltaram
todos, às suas casas, felizes porque tinham dado uma alegria a um amigo.
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Cresceram,
hoje já são homens, mas no Natal todos se recordam da guitarra do João.