terça-feira, 28 de maio de 2013

A Espera





Quatro da tarde, ou talvez mais, e as notícias são, apenas, um enorme silêncio.

Esta situação não era nova, já se vinha repetindo há muitas semanas, mas ela, continuava a acreditar que um dia o milagre ia acontecer.

Não tinha relógio, não a deixavam usar, mas pela posição do Sol, nas frestas das persianas, deviam ser quatro horas.

Talvez não fossem mas, na imaginação de Marta, deviam ser mesmo essas horas.

Ontem, quando aquele médico horrível, achava ela, a veio visitar a luz do Sol incidia da mesma maneira e eram quatro horas, ela ouviu a enfermeira Helena, ou talvez seja Filomena, dizer ao médico:

-Hoje veio cedo senhor doutor são só quatro horas! Ele resmungou, qualquer coisa, uma espécie de grunhido que ninguém percebeu, só a enfermeira Filomela - ou será Helena? - deve ter compreendido. Mas isso agora não interessa, é só para verem que embora todos pensem que está maluca, mas não está! Se estivesse doida não reparava para este pormenor do Sol nas persianas.

Foi no último domingo - ou seria no sábado? - que lhe disseram que vinha hoje. Mas mentiram, ou ele como de costume, mais uma vez, dizia uma coisa e fazia outro. Sempre foi assim, um belo rapaz, bom e amigo, mas muito esquecido.

Não valia a pena esperar mais, as persianas tinham escurecido.

  
 Se calhar estava a fazer confusão, não era hoje, é capaz de ser amanhã, estes comprimidos amarelos que a enfermeira Helena - ou será Filomena? - a obriga a engolir deixa-a um pouco esquecida.

Não tarda muito, metem na cama e fica à espera porque amanhã, tem  certeza, vem mesmo.

Tem que vir, tem que lhe explicar porque a meteu neste casarão! Sem nada, sem dinheiro, especada à espera, nem sabe bem do que.

Confessa que tem muitas saudades da sua casinha.

Gosta tanto de falar, um pouco, com a dona Gracinda - ou será Gracinha? - a cabeça não esta nada boa, são os comprimidos amarelos, podem ter  certeza que são. Já pensou fingir que os toma e deita-los fora, mas a enfermeira Filomena - ou será Helena? - obriga-a e ela é tão boazinha que não tem coragem de a enganar.

Amanhã, quando o Carlos a vier ver - vem de certeza! - é um bom menino, vai pedir-lhe para a levar para a sua casa, já está aqui há tanto tempo que começa a estar farta.

Este sono, vem assim de repente, quer abrir os olhos e não consegue, são os comprimidos amarelos, tem a certeza que são.

Vai dormir, quer acordar bonita para quando o Carlos chegar. Ele gosta tanto que a mãe se arranje e esteja assim linda!

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A enfermeira foi ajeitar-lhe a roupa, olhou-a com carinho e suspirou:

-Pobre dona Marta, desde que o filho morreu, na naquele acidente de mota, ficou neste estado!





terça-feira, 21 de maio de 2013

O Padre









-Mamã gostas do senhor padre Isidoro?

-Gosto, é boa pessoa e muito amigo das  crianças.

-Sabes mamã que já tou chateada com ele?

-E porque Clarinha?

-É chato com os meninos! 

-Se calhar os meninos não se portam bem!

-Portam pois, portam-se muito bem mamã!

-Se se portam bem porque é que ele é chato?

-Está sempre com um ao colo e a gente não gosta de estar ali sentados.

-Nunca estão satisfeitos, quando a dona Otília dava a catequese,  diziam que era uma mal disposta. O senhor padre, porque as meninas se queixavam, tomou ele por sua conta essa tarefa e, agora é chato porque é carinhoso? Vocês não sabem o que querem, valha-me Deus!

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O padre Isidoro apareceu, qual Dom Sebastião, numa nevoenta manhã de Novembro, o povo estava no adro da Igreja para o receber, com a solenidade e respeito que tão desejado personagem merecia.
Parecia dia de festa. A simpatia e delicadeza, do vigário, facilmente conquistaram os corações dos paroquianos, um pouco desiludidos com o padre Moreira que se acabou de reformar, rabugento, com preconceitos e incapaz de se adaptar a abertura da Igreja aos tempos modernos. Era um pouco inquisitorial, arreigado a princípios dogmáticos, sem compreender que a evolução faz parte da vida.

Foi uma autêntica revolução, a missa deixou aquela monotonia monocórdica, a guitarra acompanhava os cantos solenes, a juventude começou a animar as cerimónias.

A catequese, quase um castigo para as crianças, deixou de ser um momento tedioso. A catequista, dona Otília, foi mandada em paz.
Agora o padre Isidoro tomava a seu cargo essa missão.

O padre ensinava, fazia jogos, organizava passeios e mantinha um dinamismo que os miúdos adoravam. Só achavam que o padre era carinhoso demais e estrafegava os meninos, tornando-se chato.

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Tinha começado o mês de Julho, muito calor e grande euforia.

A costureira, da aldeia, não tinha mãos a medir, os vestidos para as meninas que iam fazer a comunhão solene, tinham que ficar prontos. As mães andam num corrupio para os seus rebentos, poderem brilhar nos vestidos brancos, bordados.

O padre Isidoro juntou na Igreja todos, os que iam confirmar o baptismo, era preciso ensaiar a cerimónia, para tudo bater certo e para os meninos ficarem preparados e saberem os lugares a ocupar.

Correu bem, saíram da Igreja qual bando de pássaros, em alegre chilrada, a caminho das suas casas.

Começou a entardecer, dona Mafalda, começou a ficar preocupada, Clarinha já devia ter regressado do ensaio, eram cinco horas e ainda não apareceu.
Meteu os pés numas sandálias e foi a caminho da Igreja.
Estava fechada, bateu na porta da sacristia mas só o silencio lhe respondeu.

A preocupação começou a tomar conta do seu pensamento, não era a primeira vez que a rapariga lhe pregava uma partida desta. O ano passado, mais ou menos por esta altura, meteu-se a caminho da Coutada, com uma pequena caixa e a ideia de apanhar um grilo, para a gaiola que estava pendurada num prego da marquise.

Foi uma tarde de agastura, e quando a encontrou. não se aguentou sem lhe dar uma grande nalgada naquele rabo.

-É para aprenderes, gritou no desespero.

A noite estava a cair e o raio da rapariga sem aparecer, foi ao posto da guarda já lavada em lágrimas.
O sargento Acácio mandou uma patrulha ajudar os populares que se ofereceram para participar nas buscas.
Voltaram quando o Sol já tinha desaparecido, no horizonte, e a noite já ia caindo.

Na manhã seguinte, todos voltaram ao terreno. Vasculharam todos os recantos, não esqueceram a ribeira, que nesta altura do ano, estava quase seca, foi tudo em vão, nenhum sinal da Clarinha.

Nuvens negras começaram a povoar a cabeça daquela gente, o temor tomou conta de todos, o pior começou a pairar nos pensamentos.

Foi então que a voz de Mafalda ecoou no silêncio:

-Foi o padre, a minha filha bem me avisou e eu não a quis ouvir!

O povo agitou-se, olharam-se como se vissem pela primeira vez. Um sururu tomou a praça, os ânimos exaltaram-se e uma onda de homens, tisnados pelo sol, tomou o caminho da Igreja.
O sargento Acácio disparou um tiro, para o ar, e o povo, como por encanto, estacou.

-Mas afinal o que se passa aqui! Gritou a autoridade.

-Foi o padre, é pedófilo, senta as crianças no colo, foi ele, só pode ter sido ele! Gritou Mafalda.

O sargento olhou-a de alto a baixo, segurou-lhe o braço e perguntou:

-Tem alguma prova disso, ou quer ser cúmplice de um linchamento?

O povo acalmou e aos poucos foram abandonando a praça.

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O padre foi investigado e ficou provado nada ter de suspeito, no dia do ensaio, saiu muito depois das crianças. Foi confirmado pelo sacristão e por alguns fiéis que estavam na Igreja, a Clarinha saiu para rua, com os restantes companheiros.

Ficou desgostoso, tão triste, incapaz de encarar quem tão mal o tratou. Fez a mala e desapareceu daquela terra sem vontade, sequer, de olhar para trás.

*****

Em Agosto, o Chico Brotoeja, um pobre diabo, meio lerdo, que passava os dias acomodado, num mocho, à porta da tasca do Basílio, lembrou-se de perguntar ao taberneiro:

-Oh mestre Basílio, porque será que o homem do carro azul nunca mais apareceu?

-Qual homem do carro azul? Perguntou, de maus modos, o taberneiro.

-O que foi casado com a dona Mafaldinha, a que mora nas casas do João da Nora!

-O divorciado que abalou para Lisboa? Inquiriu Basílio.

-Esse mesmo, mestre Basílio, esse mesmo! Gritou o Chico.

-Porra que ideia a tua! O homem vazou há anos e agora vens com essa do carro azul. Ele nem carro tinha!

-Não tinha mas agora tem! Eu vi-o outro dia quando levou a menina.

-Menina? Qual menina?

-Qual menina, qual menina! Qual menina havia de ser? A filha deles, a Clarinha!