quarta-feira, 8 de julho de 2015

Um Caso













Não era esta vida que desejava, mas nunca foi bafejada pela sorte.

Tentou, até chegou a estudar, não muito porque as letras e os números sempre lhe fizeram muita confusão, mas com algum custo fez o nono ano.

Tentou muitos castings, parece-lhe que é este o nome, mas escolhiam, sempre, as gajas com mamas grandes e pernas longas e torneadas. Umas tontas, sem graça nenhuma, mas que arregalavam os olhos dos homens.

Homens? Bem, só alguns, pois os gajos, os tais que faziam os castings, tinha cá um aspecto de mariconços, que nem os pais deviam enganar.

Não tinha sorte, ainda tentou a moda, mas foi uma desilusão.

Respondeu a tantos anúncios que, pensa, se tivesse um bónus por cada um, não precisava de trabalhar.

Os pais davam o que podiam, em casa nada lhe faltava, mas era pouco, não tinha dinheiro nenhum e, nestas idades, há necessidades que vão para além das coisas que nos mantém vivos.

Sonhava, apenas sonhava, como nas histórias infantis que a tia Laura lhe contava ao serão, quando era mais pequenina. Havia sempre um cavaleiro, que aparecia do nada, e levava a dama na garupa para um reino encantado.
Mas a tia Laura, um dia, sem sequer se despedir, não teve tempo, fechou os olhos e partiu para um reino distante, onde decerto ia encontrar a felicidade que aqui nunca encontrou.

Mas ela continuava a acreditar que podia acontecer, não era necessário ser um cavaleiro de armadura reluzente, bastava um pobre diabo, que lhe estendesse a mão e dissesse:

-Anda!

Mas nada acontecia, apenas o rapaz do talho, em frente, a mirava com um olhar tão guloso, que a fazia sentir-se um “filet mignon”. E isso não era bom!

Se, ainda, fosse aquele que morava na vivenda da esquina! Aquele sim! Tinha estilo, bem aprumado, bigodinho à senhor Nacib, carro descapotável e aspecto de quem tem dinheirinho.

Mas nem sequer a olhava, desconhecia a janela.

Um dia perguntou à mão:

-Mãe, quem é aquele gajo que mora na vivenda e que tem um carro descapotável?

-Aquele, respondeu a mãe, não é um gajo! É o filho da dona Arminda, o doutor Marcelo, um grande filho e um grande homem. Aquilo sim é, um cavalheiro, a sério! Mas porque perguntas?

-Sei lá, respondeu, é giro!

-Pois é, mas não para o teu dente!

*******

Agora estava com esperança, respondeu a um anúncio, para relações públicas, e marcaram uma entrevista num hotel.
Estranhou ser num hotel mas, o senhor Policarpo, vizinho do lado, explicou que era normal alugarem, salas de hotel, para essas coisas de entrevistas.
Ficou mais tranquila, o vizinho era pessoa entendida, dizem que foi escrivão num tribunal, mas agora está reformado.

A entrevista foi um bocado estranha, era um tipo de relações públicas que não sabia que existia mas, o doutor Eduardo, foi assim que disse que se chamava, explicou que não tinha nada de mal.

Só tinha que ser simpática, dar atenção aos clientes, fazer com que bebessem, quanto mais melhor eram as comissões.

Elas podiam pedir bebidas à vontade, eles pagavam, elas recebiam percentagens e não tinham que se preocupar, pois, para elas vinha água colorida. E que eles pagavam como se fossem cocktails caros.
Quanto mais melhor, maiores lucros, muitas comissões.

E tinham a promessa de poderem estar tranquilas, porque os seguranças estavam atentos.

Aceitou, precisava de ganhar algum. Experimentar não fazia mal.

Convencer a mãe foi mais difícil, já estava arrependida de ter contado como era, podia dizer que ia tomar conta de uma velhota. Mas não disse, não sabia que ia reagir assim.

-Sabes! Exclamou a mãe, vais fazer um papel de puta, com capa de menina séria! Ainda bem que o teu pai não sabe, porque doente como está dá-lhe, de vez, uma sulipampa ou um chilique que se fina.

Nunca tinha ouvido tais palavras na boca da mãe, nem estas, nem qualquer outra asneira. A mãe nunca as dizia.

**********

Hoje é a primeira noite de trabalho. Estranho mas é mesmo assim, os bares abrem à noite, não se pode dizer o primeiro dia de trabalho. De verdade não soa muito bem.

O bar era enorme, e o luxo estava presente em cada pormenor. Os dois gigantes, que estavam à porta, eram rigorosos nas entradas, quem não tivesse cartão VIP não devia, sequer, tentar.

Depois de olhar para as colegas, reparou que a roupa não era a mais adequada e, mesmo assim, escolheu a melhor e mais arrojada mas, há coisas que se notam e, a dela, tinha um pouco do sotaque de loja de chinês.
Logo que tivesse dinheiro ia remediar, aliás, tinha dito ao doutor Marcelo, que no princípio tinha que aprender para depois ser perfeita.

*******

Estava num total desespero, todas as colegas tinham companhia, faziam charme com companheiros barrigudos, que bebiam e se babavam olhando, gulosos, os exagerados decotes das meninas.

Um dos moços, do bar, notou o desespero e tentou ajudar:

-É o teu primeiro dia e nunca trabalhastes nisto? Tens que espevitar ou chegas ao fim do dia e não fazes nada.
Fica mais fluida, não te encostes ao balcão e quando um bacano entrar vai à luta.

-Mas vou à luta como?

-Indo! Pensas que vêm ter consigo? És mesmo totó! Quando um bacano cruza aquela porta atacas, sacas o gajo pelo braço, fazes um sorriso clorofila e leva-o para uma mesa.
Deixa que te veja bem as mamas e toma conta da conversa. Chama-lhe fofo, ou outra merda assim, fazes sinal ao empregado para pedir bebidas e deixa correr.
Se o tipo começar a trepar finge-te séria porque eles, às vezes, acreditam.


******

Entrou um tipo gordo, mais careca que uma bola de bilhar. Olhos papudos e umas rosáceas que lhe davam um aspecto nojento. Mas é um começo!

Agarrou, com timidez, o braço e com o melhor sorriso, que conseguiu, foi-o encaminhando para uma mesa vazia.

Olhou-o, dengosa, e perguntou:

-Ficamos bem aqui?

-Onde quiser amor, respondeu. És nova? Não me lembro de ti, mas gosto da tua companhia.

Ela chamou o empregado e pediram. Ele quis whisky velho com pouco gelo, ela um pouco atrapalhada, disse que queria o costume. O empregado percebeu.

O gordo era demasiado ousado e, não tardou, tinha as mãos passeando nas pernas da rapariga.

Tatiana ficou atrapalhada, sem saber o que fazer, não queria mas era o elo mais fraco. Valeu um dos seguranças que se aproximou e, dedicadamente, avisou:

-Senhor Comendador aqui não toleram avanços, lá fora é da vossa responsabilidade, mas cá dentro o maior respeito!

O tal Comendador, ela nem sabia o que era isso, colocou as manápulas na mesa e com o sorriso mais asqueroso possível prometeu:

-Quando sairmos daqui vou levar-te ao céu!

Continuou a emborcar, whiskeys, como se tivesse medo que acabassem. Ela, ia bebendo uma coisa avermelhada com um leve sabor a groselha.

Duas horas depois, os seguranças, ajudaram a arrastar o comendador, para um carro, que com o motorista o esperava à porta. Parece que já era habitual.

Mas a noite aparentava estar a correr bem, O que aquela besta bebeu devia dar uma boa comissão.

******

Entrou outro cliente. Este tinha estilo. Entregou à menina do bengaleiro, o chapéu e um enorme lenço branco que trazia à laia de cachecol. Fazia lembrar um filme muito antigo, que viu na televisão, com um tal Clark  Gable, que fez a mesma coisa quando entrou num clube de gangster.

Ia atacar, avançou e, desta vez, com mais à vontade, deu o braço e perguntou:

-Será que a minha companhia lhe agrada?

-Agrada muito! Respondeu.

Este sim, era um homem a sério e, o mais estranho, não lhe era, totalmente, desconhecido e ele, pela forma como a olhou, reparou nisso e não se conteve:

-Eu parece que te conheço! Tu és a filha da dona Mercedes? Ela não deve saber que trabalhas aqui!

-Sou! Ela sabe e não sabe, eu disse-lhe, e além disso não faço nada que a envergonhe. Agora já me lembro do senhor mas, sabe como é, também não o imaginava aqui.

-Gostei, boa resposta mas não venho muitas vezes, só de vez em quando também, para desanuviar as ideias e um copo e uma boa companhia ajudam. Vamos pedir para beber, eu preciso da bebida e tu da comissão.

******

Foram duas horas de conversa, ele bebeu bem mas, reparou, evitou muito o álcool.

Olhou o relógio, maneou a cabeça, e perguntou:

-Queres que te leve a casa, ou te deixe nalgum lado? Não penses mal, mas estou apenas a oferecer boleia. Gostei da sua companhia, foi agradável mas é tudo!

-Obrigada, vou aceitar. A estas horas só de táxi, porque a pé é arriscado.

*******

Dona Mercedes estava desesperada, a sua Tatiana ainda não tinha aparecido. Sabia que trabalhava de noite mas, às oito da manhã, já devia ter chegado.
Ligou, muitas vezes, para o telemóvel. Vai, sempre, para as mensagens. O emprego não faz ideia onde é, a filha nunca lhe disse.
Não sabe o que fazer, com o marido não pode contar, já não diz coisa com coisa, está demente e nem sequer se lembra que tem filha.

Vai telefonar ao cunhado Elói, é polícia, sempre a pode ajudar.

*********


Recebeu a notícia ao fim do dia. O pobre Elói foi o portador.

Encontraram num, armazém abandonado, o corpo de uma rapariga, com sinais de grande violência, rosto desfigurado e indícios de violação.

Ele, tio, fez o reconhecimento e não tinha duvidas era a sobrinha.

Agora a mãe teria que confirmar.


(Volto para a semana, vou tentar descobrir o assassino)





16 comentários:

Unknown disse...

Manelamigo

Pelos vistos temos "coisa", pelo menos uma faca na manga... Agora tens de te desenrascar, tens de descobrir/inventar um assassino assim a modos de profissional de seguros de dia e assassino em part-time de noite.

Gostei do aperitivo; agora tens de apresentar o segundo prato e o terceiro e o quarto e... Bem te disse um dia: vais chegar ao romance. Prosa e valentia tens tu para isso. Em frente, marche!!!

Abç do alfacinha

chica disse...

Sempre que te vejo chegar ( vi ontem) escolho a melhor hora pra vir te ler com tempo. O fiz agora e adorei e fico à espera dos golpes fatais.,rs... Acredito em surpresas sempre vindas de ti! abração,chica

São disse...

Pois, será bom descobrir um assassino que não seja demasiado prevísivel....

Tudo de bom

Mirtes Stolze. disse...

Boa tarde Manuel.
Os seus contos são sensacionais, já lhe disse isso rsrs, sempre nós surpreende, jamais imaginava que ela morreria, é como dizem as aparência enganam, jamais devemos aceitar caronas de estranhos , nem confiar plenamente em ninguém que não conhecemos o suficiente. Estou no aguardar para saber quem é o assassino. Um lindo fds. Beijos.

Fê blue bird disse...

Não estava a contar com este desfecho pois a menina não merecia este fim, agora também quero saber que foi o malvado !

Beijinho e bom fim de semana


Unknown disse...

Parece-me que já vi este filme.
A vida é dura.
Para os pobres o pão sabe a muita amargura.
Não sei fazer mais comentários,mas sei dizer-te obrigado pelas visitas a lidacoelho .

dilita disse...

Olá Manuel

Vá sim, procurar o assassino, mas eu desejo que demore a encontrá-lo.
Sabe para quê? Para que este conto não termine já no próximo post.
Abraço, e bom Domingo.
Dilita

(obrigada pela visita no meu Birras)

Janita disse...

Ora essa, agora até fiquei com o coração a bater forte, e olhe que eu não sou pessoa muito impressionável, acontece que não estava à espera deste desfecho, assim tão repentino!
Quem vê caras não vê corações! Apre!!
Pobre rapariga!
Bom, cá vou ficar à espera que o vizinho seja desmascarado! Há cada história de ficção que até parece verdade! Se precisar chame o Hernâni Carvalho...Ele é especialista em actualidade criminal.

Um abraço!

Janita

Manuel disse...

Smareis deixou um novo comentário na sua mensagem "Um Caso":

Bom dia Manuel!
Pois é, digo mais uma vez que teus contos esta sempre dentro da realidade. Até parece noticia de jornal. Acreditar em alguém nos dias de hoje é muito perigoso. Pegar carona com desconhecido é mais ainda. Talvez se fosse a pé ou de táxi pra casa, correria menos riscos e estaria viva.
Aguardo a continuação, e vamos ver se o assassino aparece.
Um abraço e ótima semana!

Estive ausente, mais já tem atualização por lá.

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Publicada por Smareis em navoltadotempo a 13 de julho de 2015 às 04:52

CÉU disse...

E que caso, mas como estes, julgo, existirem muitos.
Texto bem longo, mas nem por isso menos interessante de se ler.
O destino, também, o fazemos nós, e portanto a menina Tatiana tinha outras alternativas na e de vida, com certeza. E com o conhecimento da mãe... Virgem Santa!
Enfim, chamam-lhe vida fácil, como diz o vídeo, mas estou segura de que de fácil NADA tem.
A "rodagem" dela foi brevíssima, não sei se feliz ou infelizmente.
Boleias? Nunca aceito, aliás, a minha mãe, sempre, me ensinou a dar uma desculpa qualquer, mesmo sendo uma mulher a conduzir. Tenho sempre k ir não sei onde, ou estou à espera de alguém, enfim, creio k a pessoa que oferece, apercebe-se k eu não quero é aceitar.
Fico aguardando o desfecho.

Boa semana, Manuel!

Maria Luisa Adães disse...

Por este final, que não é final, eu não esperava...aguardo o final da peça apresentada!

Ainda me ri e achei muita graça, à forma como a escreveu, com toda aquela verdade que todos nós conhecemos...triste verdade!

Este é o nosso mundo, muito bem retratado nesta história muito bem contada e perfeita!

Não há irrealidades
há inúmeras verdades

Porque a mataram?

Essa eu não esperava!Aguardo saber a razão do fim, dessa pobre criatura...

Manuel, o seu comments nos "7degraus"
termina de forma muito bela,

Agradeço,

Maria luísa

SOL da Esteva disse...

Consegues transformar em Contos a vida real ( ou será o inverso?).
Estes casos são comuns aos noticiários quotidianos. Carece de uma grande investigação acerca do autor (ou autores) deste grande mal.
Vamos esperar a continuação para um desvendar de mistérios (que é o que muito bem gizas).
Expectativas!...
Parabéns, Manuel.


Abraços



SOL

Evanir disse...

Estou começando agradecer o carinho
deixado no meu blog.
Foi e esta muito importante para mim ,é nessa hora que sabemos
o bem que nos faz A verdadeira amizade.
Depois de uma dolorosa espera finalmente fui operada
a 20 dias e na medido do possível esta indo tudo bem.
Foi muita espera para quem paga plano de saúde
na hora do atendimento sofremos para autorizar uma seria cirurgia.
Durante anos sentindo dor e uma Sensação de abandono,
e descaso total.
Agora vem a espera da Biópsia que
também me deixa pensativa e ansiosa .
Mas sempre firme na fé a espera de dias melhores.
Agradeço seu carinho esta sendo muito importante para mim
nesse momento onde o amor faz verdadeiros milgres.
A amizade verdadeira nos conduz a esperança.
Deus abençoe sua vida carinhosamente.

Evanir.

Magia da Inês disse...

Impressionante o suspense... aguardo o desfecho!!!
Sabes que coisas parecidas com essa acontecem?
Já ouviu falar no golpe "boa noite Cinderela"?
Bom início de semana!
Beijinhos.
¸⋰˚✿ه° ·.

Unknown disse...

Bom dia
Fiz aqui um comentário que não vejo publicado.
Porque será?
Perdeu-se?
Diz-me alguma coisa se puderes. Tu controlas os comentários.

Unknown disse...

Desculpa o comentário anterior.Nesta nova passagem encontrei-me.