sábado, 12 de setembro de 2015

O Cerro do Demo










Lá estava ele, no sítio do costume, quem não estivesse atento, ficava com a ideia, de nunca de lá ter saído, mas ninguém tinha a certeza.

Estava longe, talvez a uma légua, mas mesmo assim, se o dia estiver claro, é visível, e com os binóculos do farmacêutico, então muito melhor.

Parecia uma estátua, só o esvoaçar  dos cabelos, ao sabor do vento, fazia acreditar que alguém estava ali, numa forma contemplativa, num além imaginário.

As pessoas, não confessavam, mas tinham medo, um medo estranho que não sabiam explicar. Era uma espécie de frio, que ia subindo e, deixava a espinha, diziam, arrepiada.

Já alguns, poucos, tiveram vontade de subir ao cerro e resolver o mistério mas, o próprio nome, começava por amedrontar a façanha do "Cerro do Demo".
Iam arranjando desculpas, até que a prometida proeza, caia no esquecimento.

+++++++++++++++++

Dona Rosalinda, dizem que mulher virtuosa, temente a Deus, ainda casta, o que não é difícil, quem se atreveria com tal mulher, verrugosa, seca como um palito, olhos vesgos e um hálito, tão nauseabundo, que as moscas caiam varadas pelo fedor.

Mas mesmo assim, Dona Rosalinda, atirou o xaile sobre os ombros e foi, ao quartel da guarda, pedir remédio para tão estranho caso.

Foi o Sargento Ambrósio, comandante do Posto, que a atendeu enquanto, disfarçadamente, mantinha a mão numa espécie de concha sobre o nariz, foi perguntando:

-O que atrás por cá Dona Rosalinda?

Empertigou-se, um pouco mais na cadeira, puxou um pouco as saias, não fosse algum tornozelo atrevido ficar à mostra e, só depois, falou:

-Venho por causa da coisa e espero que, o Senhor Sargento, como um dos mais altos dignatários, desta terra, trate dela.

-Mas, disse o homem, o que é que eu posso fazer pela sua coisa?

-Não é pela minha, é pela coisa que nos atormenta a todos. Não me diga que não se sente incomodado pela aparição?

-Desculpe Dona Rosalinda, que susto, afinal a senhora fala, naquilo, que dizem ver no Cerro do Demo! Nunca vi nada, também não olho muito para esses lados! Mas quais são as queixas?

-Essa tal coisa, como diz, fez algum distúrbio, manifestação, ofensa à moral pública, evidente atentatório ao bom nome dos governantes?

-Fez dona Rosalinda? Se fez formalize, por escrito, a sua queixa, bem fundamentada, para pedirmos, ao meritíssimo Juiz, um mandato de busca. Mas se não têm, não nos faça perder tempo, com factos de secundária importância.

-Hoje, para a atender, fui obrigado a interromper a minha sesta, e isso é quase um sacrilégio.

-Passe bem Dona Rosalinda!


Com ar aristocrático, olhou-o, esbugalhando os olhos, desejando que, o olhar, se transformasse em balas.
Saiu portão afora, como se fugisse do diabo.

Desceu a rua num resmungo.

-Amaldiçoado homem, é isto que temos para nos defender,  um inútil que veio, para a terra, com uma mão atrás e outra à frente e, agora, porque é sargento, já pensa que é gente. Desgraçado. por estar, um degrau, à frente de um cão, pensa que faz o que quer e lhe apetece.


***************

Ia, Dona Rosalinda, neste solilóquio, e quase que chocava com o Barriguita.

Foi por pouco.

O Barriguita, era um pobre diabo, quase todas as terras têm um, pessoa simples, um pouco atrasado, ou lerdo de ideias, como dizia o saudoso padre Bernardes.

Aqui, nesta terra, o Barriguita era o pobre coitado, que vivia da caridade pública, numa barraca que herdou dos pais.

Fazia recados, a quem lhos encomendava, a troco de umas moedas, dum cigarrinho, ou de um copo de aguardente.

Dona Rosalinda, para sorte do desgraçado, desviou-se a tempo o que evitou que uma das, suas enormes, sapatorras tivesse maltratado o pé, descalço, do pobre coitado.

Mas mesmo assim arrematou:

-Abre os olhos rapaz, por pouco ia chocando contigo e ainda, para ai, diziam coisas.
Ouve lá, tu és um pouco passado, mas não és parvo nenhum, e podias fazer um mandado e eu dava-te uma coisa destas, e mostrou-lhe uma nota de 5 Euros.

-Isso é muito dinheiro, disse o rapaz, deve ser para carregar coisa pesada!

-Qual coisa pesada, qual o quê! É a coisa mais fácil do mundo, até um catraio de 10 anos o fazia.

-Então diga lá e dê-me o dinheiro.

-Olha o espertinho! Gritou a mulher: Dê-me o dinheiro! Não querias mais nada. O dinheiro só quando fizeres o trabalho!

-Então diga o que quer!

-É assim, disse a mulher, vais ao Monte do Demo e vê quem é que lá mora, e trata de dizer que está a incomodar as pessoas, e que vamos fazer queixa à guarda.

O Barriguita quase gritou:

-Mas pensa que eu sou maluco! Posso ser um pobre diabo, mas não sou maluco. Todos sabem que é o diabo, que está com o olho em si! É que dizem por ai. Fique com a nota dos Euros que eu já me vou!


****


A mulher ficou para morrer, estarrecida, com o desplante do tonto da aldeia.
Onde se viu, falta de vergonha, mas isto não fica assim, ele vai ver com quem se meteu.
Ela, talvez, a única donzela da terra, ser enxovalhada por um tonto, mas não devem ser coisas dele, isso é o despeito das, mulheres, que a invejam. Sempre a invejaram!



******

Dona Rosalinda estava determinada, os homens eram uns fracos, uns maricas, armados em machos. Foi por isso que nunca quis nenhum, é verdade que também nunca nenhum a procurou, mas isso não interessa agora.

Só tem pena que lhe doa tanto o joelho, deve ser reumático, coisas que vêm com a idade.
Não é porque seja velha, pois conhece muitas mais novas e muito mais carunchosas.
Se tivesse dinheiro, para arranjar os dentes, então haviam de ver, até faziam bicha.

Tinha 68 anos mas dizia, sempre, que ia fazer 60. E acreditavam, pois estava rija e com genica.


*****


Estava decidida, o capado do sargento era um inútil, o parvo do Barriguita, além de tonto, era um cagarolas e os outros, sim os outros homens, tinham um buraco, no fundo das costas, e acobardavam-se com desculpas.

Já tinha tudo pensado, ia perguntar à vizinha Perpétua se lhe emprestava a burra. Se emprestasse fazia uma merenda, para o caminho, e ia ela, sim ela, ao Cerro.
Eram para ai duas horas de caminho, talvez mais, pois tinha que parar para descansar o animal e comer.


************

E assim foi, saiu às oito horas da manhã, levava um alforge, com a merenda, e um crucifixo benzido pelo saudoso, padre Bernardes, um frasco com água benta que tirou, às escondidas, da pia da Igreja e também um bordão, quase um cajado que era, do seu pai, que Deus tem.

*******

Muitos se juntaram, a dona Rosalinda, deu com a língua nos dentes e, todos quiseram assistir ao princípio de uma ventura que achavam surreal.
Só uma doida, como ela, se atreveria em ir em demanda de uma coisa que poderia ser uma árvore, uma rocha, ou, até mesmo, uma sombra qualquer.

Ficaram olhando, especados, até que a mulher, e a burra, se perderam, na curva da vereda, que ia apanhar o longo  caminho, agreste e ingreme, que levava ao monte.

Cada um voltou aos seus afazeres mas sempre de olhos postos no cume do Cerro.

Era longe e a visibilidade não era das melhores mas, de verdade, parecia que o vulto, ou a sombra, continuava no mesmo sítio.


*******


Eram seis horas da tarde, quando, em marcha acelerada, a burra apareceu, a caminho do curral e da ração que a esperava, mas da Dona Rosalinda nem sinal.

A noite já se aproximava e mesmo com os binóculos era difícil enxergar tão longe, havia que esperar pela manhã.

*******


Coisa estranha, a tal coisa está como sempre a enxergaram, estática, com um leve esvoaçar, do que sempre, pensaram ser os cabelos.
Mas, agora, parece não estar só.
Ao seu lado, uma nova personagem se perfila, olhando, tal a outra.
Para onde?
Ninguém sabe!



















23 comentários:

CÉU disse...

Esta mulher passou à prática. Padeiras de Aljubarrota(s) e Marias da Fonte sempre existiram e existirão.
Narrativa aberta?
Bom fim de semana.

PS: Os Mandamentos não serão alterados, pke Deus é AMOR, Manuel!

rosa-branca disse...

Amigo Manuel esta história promete e estou curiosa(em pulgas) para ler a continuação. Beijos com carinho

chica disse...

Que beleza te ler e ver tanto enredo que consegues colocar e te inspirar.Adorei a descrição da D.Rosalinda,que de linda, nada tinha,rs Valeu! abraços,chica

Unknown disse...

Olha que dois!...O Barriguita e a doida varrida e mal feita...
Gostei de ler mas nessa eu também não ia não...oh,oh! Era o que faltava fazer...

SOL da Esteva disse...

"[...]os homens eram uns fracos, uns maricas, armados em machos. Foi por isso que nunca quis nenhum, é verdade que também nunca nenhum a procurou[...]; mas ela parece haver tomado, finalmente, a iniciativa.
Seguramente não seria o tal demo...
Magistral para dar na continuação, ou no próximo Capítulo.
Ah! a tua imaginação fabulosa ainda tem muito para dar.

Abraços
SOL

Blog da Gigi disse...

Lindo domingo!!!!!!!!!! Abraços

Evanir disse...


Demorei para vir Agradecer
SUA Mensagem Tão carinhosa pelo
meu aniversario.
Fiquei muito feliz com SUAS Palavras
è sempre a Maior prova da SUA amizade.
Por vezes NÃO conseguimos Visitar
Nossas Doces amizades,
mas Não Por Esquecer um Riqueza conquistada
durante tantos anos.
De Coracão te agradeço.. Uma semana Abençoada.
Beijos no Coração. Evanir PS:
deixei na postagem um premio for
Seu gosto e Vontade ofereço com Muito carinho.

Unknown disse...

Olá, Manuel.
Adorei este seu conto, cheio de mistério e nebulosidade, que fica em aberto, remate suspenso na fantasia de quem lê: que a nossa imaginação defenda a conclusão que melhor satisfizer nossos ideais de "happy end" - será que a velha Rosalinda merece um final feliz? Penso que sim =)
Aliás, o Manuel não foi nada lisonjeiro na descrição da senhora, verdade se diga.

*Manuel, a propósito de seu comentário acerca do Google +, também lhe digo que não gosto nada dele, apenas lá vou de vez em quando para atualizações e para ver postagens de colegas nossos que não têm os comentários abertos no blog.

Abç amg

Unknown disse...

Manelamigo

Já chega, fica bem assim; deixa ao cuidado da gente imaginar o que terá acontecido. Mas não há dúvida que é uma estória bem esgalhada, aliás mais uma, fica bem assim, Manelamigo...

Abç do Leãozão

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Ah!como gosto desses contos cheios de mistérios!
Quanta riqueza de imaginação, que também faz a gente
querer que a narração se prolongue, com mais capítulos...

Quanto ao sumiço dos seguidores, arquivos e tais, do seu blog,
já aconteceu com o meu blog, há tempos, e reclamei no Blogger
pedindo ajuda, relatando o que estava ocorrendo. Depois, voltou
tudo ao normal. Peça ajuda!
Boa semana, Manuel, beijo...

Maria Luisa Adães disse...

Manuel

O seu texto é a coisa mais engraçada escrita por aqui e por ali
e me fartei de rir, tal o espírito usado no contar!

Todos os personagens estão muito bem representados e
D. Rosalina é o máximo que me apareceu pela frente.
será que ficou transformada em "Estátua de Sal"
e não volta mais?Muito bom o texto!

Vi-me aflita para o encontrar
e fui parar ao google+ e não percebi nada!
Aliás eu estou no google+, mas não percebo nada,
em relação ao funcionar do mesmo.

E até agora não tive mais acesso a este maravilhoso Google
que pensei não encontrar mais, pois só agora, através do seu aparecer nos "7degraus"
finalmente entrei no bom caminho.

Também lhe digo que nos "7degraus", todos os dias me desaparecem "Seguidores" e não mais chego aos mil, pois sempre me estão a desaparecer e assim é impossível.
Não me faz diferença, mas é estranho, muito estranho.

Agora taparam o relógio
taparam a música
e é necessário clicar para aparecer, como se fosse vídeo e não é!...

O dei como perdido, ao Manuel, neste mar chamado Virtual
e não gostei, foi uma forma estranha de desaparecer.
Qualquer dia sou eu, que desapareço!

Fiquei feliz quando por aqui cheguei, cansada e dolorida
com a procura de um bom Amigo, perdido para mim!

Volte sempre!

Abraço, Maria luísa

Helena disse...

Ah, essa dona Rosalinda, excelente personagem de mais um dos teus brilhantes contos. Confesso que tuas narrativas são tão cheias de pequenos detalhes preciosos que até pude divisar aquilo que "Parecia uma estátua, só o esvoaçar dos cabelos, ao sabor do vento, fazia acreditar que alguém estava ali, numa forma contemplativa, num além imaginário." E aí a imaginação quedou no limite que impuseste ao longo da narrativa, nos fazendo acompanhar a saga da dona Rosalinda tentando que algum "homem" tivesse a coragem de desvendar o mistério. Como fizeste a personagem de natureza forte, determinada, é claro que seria ela a empreender o caminho até o Monte do Demo.
E agora ficamos nós, leitores, a esperar pela continuação desta história que já promete um final digno da tua genialidade, meu querido Manuel. Mas por favor, meu amigo, não faça um longo intervalo para nos deixar ansiosos, e venha na maior brevidade possível satisfazer a curiosidade que tu suscitaste em todos os teus amigos.
Meu carinho num beijo de boa noite,
Helena

A Casa Madeira disse...

Esse texto me lembrou as conversas de quem mora próximo ao infinito;
ou seja longe da civilização longe do mundo se é que nestes tempos ainda
dá pra fugir para algum lugar...
Campanha por aqui são lugares ainda meio atrasados e é onde resolvi instalar
a casademadeira...
O imaginário por aqui tbm corre solto; mas nesses lugares aprendemos a conviver
com o além o que me preocupa mesmo são os vivos...
Muito bacana Manoel; continuação de boa semana.

Janita disse...

Mas que conto empolgante, Manuel!

Já eu tinha preparada a frase: "Quem quer vai, quem não quer manda"...pensando que a corajosa Rosalinda fosse ao Monte do Demo, descobrisse o mistério do vulto de cabelos ao vento, e voltasse, triunfante, para mostrar aos medricas da terra quem era valente, eis senão...fica tudo no maior secretismo!
Mas está bem! Cada um que tire a ilação que entender...Adorei!!

Um abraço, bom fim-de-semana.

Janita

SOL da Esteva disse...

... Esperava ver a continuação! Mas é bom reler e rever o teu Conto.

Abraços
SOL

Evanir disse...

Um pensamento surgiu depois de dar uma volta
no tempo.
Aquela volta de cento e oitenta grau que
em dado momento da vida temos que dar uma pausa e pensar.
Eu com certeza tenho o DNA do amor
pulsando no meu coração.
Por isso meu carinho é gratuito e sincero
chego sentir uma saudade que dói mesmo sem conhecer
a amizade além da minha telinha.
A diferença não é o contato fisico,
mas sim aquilo que tenho de mais sublime amar
sem conhecer a cor dos olhos ou da pele .
A religião então ..essa para mim tem somente
um quisito ter fé e acreditar num superior a
tudo com um nome lindo ...Jesus isso me basta.
Um abençoado final de semana.
Eu só vim te dar um abraço é
tudo que posso fazer quando no coração
a saudade vem bater.
Beijos e meu eterno carinho.
Evanir.

Palavras soltas disse...

Sabe -se lá o que aconteceu com a Rosa que de linda não tinha nada, mas bem que ela poderia voltar e nos contar.rs

Uma história bem contada e deliciosa de ler, como sempre, Manuel.

Beijinho.

Helena disse...

Apenas para deixar-te um beijo de boa noite nos votos de sonhos lindos a povoar tua mente,
Helena

CÉU disse...

Olá, Manuel!

Pensei k a história teria continuação, nem sei se vai ou não ter, mas k já havia mais para ler, aqui. Aguardemos a sua decisão.
Agradeço o seu comentário, sempre muito bem estruturado, sentido, afirmo mesmo.
Eu encontro-o, o seu blogue, melhor dizendo, com muita facilidade, e de várias formas.
Eu não tenho painel de seguidores no meu blogue, não coloquei a minha fotografia em nenhum blogue, não tenho Google +, nem Facebook, por opção e, por vezes, até encontro quem não pretendo encontrar.
Sabe como fiz: elaborei uma lista manuscrita com os nomes dos blogues k seguem o meu e vice-versa, e pronto, não falha nada.

Não se admire, se um dia destes, eu lhe "roubar" este vídeo para o colocar no meu blogue. Faz o meu género. A música é mto agradável e a coreografia está lindíssima. Ele tem um ar mto doce, ela é engraçadíssima e leve k nem uma pena. De estatura média/baixca, pernocas e coxas grossinhas, mas sem exageros, dando-se mto graciosa e decentemente. Gostei de ver o mocinho e a mocinha dançarem.

Então, cá fico à sua espera, Manuel!

Abraço e uma excelente semana, k já vai a meio.

SOL da Esteva disse...

Soube do que te vai acontecendo no Blogue. Não acredito seja obra do Demo, mas acredito que a Dona Rosalinda teria força para "ir saber o que se passa ou passou". Não creio em bruxas. Mas que as há, há!

Abraços
SOL

CÉU disse...

Olá, Manuel!

Não falei da beleza do vídeo, k colocou por baixo do seu conto. Deveras fantástico!
Não se admire, se um dia destes, alguém, eu, lhe roubar a ideia. O mocinho e a mocinha fazem uma lida performance!

Então, já conseguiu resolver os problemas relacionados com o seu blogue? Deus queira k sim.

Abraço e excelente dia.

CÉU disse...

Olá, Manuel!

Afinal, sempre, falei do vídeo. Bem, me parecia!
Retificando: linda performance, e não lida, como, por lapso, escrevi.

Bom resto de sábado e soalheiro domingo.

ania disse...

Um bocadinho de humor, outro bocadinho de suspense, aliados, formaram um lindo conto que adorei ler, Manuel! abraços, ania..