quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O Monte do Demo (Conclusão)



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Quando o galo cantou já o mestre, Luís Inácio, estava a escanhoar os queixos, queria estar aparaltado e vistoso para dar o ar de solenidade, indispensável nestas situações.

 Estava receoso, pois quando foi eleito, para presidente da junta, não era, propriamente, para tratar de casos que diziam respeito às autoridades.

O sargento,  do posto da guarda, mais preocupado em fugir aos problemas, disse em alto e bom som que nada podia fazer, não havia provas, ninguém se queixou e, além disso, a dona Rosalinda era uma mulher livre, que podia ir onde lhe aprouvesse, sem dar contas a ninguém.

O mestre, Luís Inácio, agora senhor presidente, não gostou dessa passividade e convocou todos os munícipes, para uma reunião. Era preciso tomar decisões e, responsabilizar as autoridades, para cumprirem os seus deveres, aliás, era para isso que recebiam o ordenado, todos os meses, à custa dos impostos que o povo, contrariado, iam desembolsando para o erário publico.

E foi assim. Mandou afixar editais, em todos os locais públicos, para uma reunião das forças vivas, da povoação, para decidir sobre os problemas que tanto os vêm afligindo.

****

Ainda não eram 10 horas e, o salão da Casa do Povo, estava cheio, até o Barriguita se pavoneava, no meio da sala, sentindo a responsabilidade de ter protagonizado, talvez, o ultimo diálogo com a desaparecida. Mas por cinco Euros, como ela ofereceu, só merecia um manguito, nada mais.
Estava cogitando, nesta ideia, quando uma pancada na mesa despertou a atenção de todos os presentes.

A voz do Presidente, depois de pigarrear, sobrepôs-se à confusão, de diálogos, que enchiam a sala:

-Bom, continuou, todos sabem o motivo desta assembleia e, todos, temos que tomar uma decisão para resolver, de uma vez por todas, esta situação que têm o pessoal meio acagaçado.


A guarda, embora o sargento esteja presente, nada tem feito para sossegar o pessoal e, é nossa ideia que têm obrigação de zelar pela tranquilidade e segurança do povo. Não é no quartel. é no terreno. que estes casos se resolvem.

O sargento Ambrósio, estava desconfortável e não se susteve:

-Senhor Presidente Luís Inácio, não está a ser justo! Nós temos instruções para agir, dentro de regras e, não só, porque alguém diz que vê, ou pensa que vê, uma coisa ao longe.
Mas quem? Sim! Digam quem molestou essa tal sombra? Sim se existe, ou a coisa, como alguns dizem?

-É lá….! Senhor Sargento! Gritou alguém do povo, não basta o que pode ter acontecido à Dona Rosalinda? Não acha que é suficiente? A pobre coitada até pode ter esticado o pernil e nenhum de nós, eu incluído, mexeu uma palha.

-Calma, pediu o sargento, calma e respeito pela autoridade, não recebemos qualquer participação de desaparecimento, ela pode ter ido a qualquer lado, é livre e não tem que dar conta do que faz, a ninguém! O resto é só imaginação, de quem não tem mais nada que fazer, eu estou farto de olhar e cá nunca vi nada. Mas mesmo nada!

O Zé da Póvoa não se conteve, não gostava de tomar a palavra, não tinha jeito, mas não se conteve:

-Quer então dizer que, o Senhor Sargento, acha que este povo é uma cambada de aldrabões? Que a dona Rosalinda fugiu, para aí, com algum príncipe encantado?
É natural que nunca tenha visto pois, de dentro do gabinete, não se pode ver.

O Sargento mudou de cor, não gostou mesmo nada, e respondeu de forma pouco simpática:

-Oiça lá senhor José da Póvoa, sabe que o posso levar para o posto por desrespeito à autoridade?

-Não vá por aí, Senhor Sargento! Gritou o presidente da Junta, estamos numa democracia e as pessoas têm todo o direito a dar a opinião. Aqui, agora, nesta sala, eu sou a máxima autoridade, o senhor está na qualidade de convidado.
Vamos continuar, ordeiramente, mas com liberdade de expressão.

O Barriguita, levantou a mão, queria falar mas alguém lhe deu uma tapa, na cabeça, e sossegou.

Havia um bruaá, ensurdecedor, na sala ninguém se entendia, foi preciso por ordem.

-Pessoal, berrou o presidente, vamos por ordem nos trabalhos, este zunido, que ninguém entende, tem que acabar. Se alguém tem ideias ou sugestões deve, agora, atirar cá para fora. Com paleio não vamos lá.

José Gamboa, o ferrador, levantou o braço.

-Diz Zé, pediu o presidente.

José, ficou um pouco encabulado, com tantos olhos na sua direcção mas não se intimidou:

-É a minha opinião, já sabem que eu percebo de bestas e de ferraduras, não sei nada dessas coisas de aparecidos, ou sei lá o que, mas é preciso fazer alguma coisa.
Não sei o que, mas contem comigo!

Dona Carmelinda, na sabedoria dos seus 80 anos, também, deixou o seu préstimo:

-Eu já não tenho muitas forças e, o raio da minha coluna, também não me deixa, mas acho que os mais novos, podiam ir ver o que se passa para aqueles lados.
Aquilo fica mais longe do que pensam, caminho onde poucos se atrevem, estevas, cobras e as maiores ratoeiras, são um obstáculo difícil de levar a cabo. Antes, não se chamava Cerro do Demo, era o Cerro dos enforcados. Contava a minha avó, que há muitos anos, era a propriedade de um homem, muito mau.
Tinha uma filha, que tentou fugir com o namorado e, o pai, para os castigar, mesmo ali os enforcou, para exemplo de todos. Estiveram, pendurados três dias, até que um terramoto soterrou tudo e deixou o lugar amaldiçoado para todo o sempre.


Eu cá não acredito, muito, nessas coisas, mas a minha avó dizia, que tinha acontecido, mas mesmo assim, se ainda tivesse forças ia convosco.

Foi com uma salva de palmas, que os presentes, recompensaram as palavras da dona Carmelinda.


****


Havia, na sala, um silêncio que doía. Os pensamentos queriam saltar mas, algo, tolhia as ideias, uma espécie de medo de sair asneira, uma timidez que silenciava a audácia.

Foi o presidente, da Junta, a tomar a iniciativa, para isso era o presidente:

-Bem pessoal, assim, não vamos a nenhum lado!

Vou dar uma ideia que tem andado a bailar no meu pensamento.
Eu confesso que nunca vi nada, também é verdade que nunca andei a espreitar por binóculos, mas a maneira como a dona Rosalinda se evaporou deu-me que pensar.
Mas isto são, cá coisas, da minha cabeça e temos que tomar decisões.
Proponho que um grupo, de 8 ou 10 homens, acompanhados, por um agente da autoridade, se meta a caminho e, de uma vez por todas, se ponha termo a esta maluqueira colectiva.
Se quiserem eu sou um dos voluntários.

Muitos braços se levantaram, prontos, para fazer parte do grupo, até o Barriguita.

-Sendo assim, exclamou o presidente, falta ouvir o Senhor Sargento Ambrósio.

-Não estando de acordo, mas considerando que o povo é soberano, começou o Sargento, destacaremos um elemento da corporação para dar apoio logístico e protecção.

Ouviram-se umas, tímidas palmas que, envergonhadas, rapidamente se extinguiram.


 *****


-Então, retomou o presidente, se estiverem de acordo vamos escolher os oito homens para a missão.

Eu, porque é minha obrigação,  o elemento da guarda,  para haver uma força de segurança, o José Gamboa, porque é forte e determinado, o António Rabiça porque é um homem de fé, vai sempre à missa e podemos precisar de ajuda divina, o Orlando, é caçador está habituado a seguir os rastos, o Arnaldo, foi forcado e sabe como se apanham os touros pelos cornos, o Armindo, é a melhor companhia que se pode ter pela boa disposição que transmite e por fim, o Ernesto, porque é muito sensato e inteligente, precisamos de alguém assim.
Estão todos de acordo e aceitam?
Então vamos preparar tudo, para no sábado bem de manhã, nos metermos ao caminho.


****

Sábado parecia dia de festa na aldeia, uma multidão estava concentrada no largo da fonte, lugar de partida da expedição.
Os oitos escolhidos estavam prontos e, com tudo o que julgavam necessário para a viagem.
Duas mulas, emprestadas pelo dono da Herdade dos Regatos, carregadas de mantimentos e de todo o material necessário para pernoita e mudanças de temperatura, habituais à noite.


Começaram em fila, as mulas à frente e o pessoal, cabisbaixo, numa espécie de procissão.


O povo seguiu o cortejo com os olhos até à curva, a seguir ao cemitério., Depois o caminho, aos altos e baixos, cheios de tojos e estevas, não deixava ver nada a não ser, uma pequena poeira que ficava no ar.

********

Vão passados dois dias, pode ser cedo, mas as pessoas andam desconfortáveis, os telemóveis no povoado tinham pouca, quase nenhuma rede, e então naquele Cú de Judas, para onde foram, nem pensar. Bem tentavam, mas nem um único sinal.

Agora, cinco dias passados, o pânico começa a ser visível. Os olhos e os ouvidos estão atentos.

O Zacarias ficou, de plantão, pronto a largar um foguete logo que se aperceba do regresso.

****

Pum...pum...pum...pum.  Um foguete, estrelejou no ar, e todos largaram os afazeres e saíram, em correria para o largo da fonte, local da partida e da chegada.


As duas mulas, empoeiradas, vinham chegando em passos trôpegos.

Traziam, apenas, a carga que levaram.

Uma vinha arrastando, por uma corda com uma ponta presa à perna que parecia de um homem e, a outra ponta presa na albarda do animal.


Irreconhecível. Só pelo pouco, que restava das roupas, parecia ser o António Rabiça.


Mas era dificil.
Só a polícia, pelas perícias, poderá confirmar.





17 comentários:

SOL da Esteva disse...

Pois, meu caro, a "coisa" adensa-se!
Parece mesmo coisa do Demo.
Os meus palpites ficaram pela ponta da corda que a mula arrastava. Sinceramente não descortino saída para o final que há-se chegar.
Acho que, desta vez, suplantaste os mistérios de outros Contos.
Vou esperar... com os cabelos em pé.

Abraços
SOL

Helena disse...

Ah, Manuel, ainda vais nos deixar em agonia por mais alguns dias? Nem acredito!
Ao ver Conclusão pensei logo que finalmente teríamos o mistério resolvido. E aí você nos deixa a ver navios por mais tempo... Maldade de tua parte!
Enfim, acho que na próxima postagem colocarás um fim a esta imensa curiosidade que este conto despertou em todos nós. Assim espero, viu?
Meu querido, estou adorando este conto, mesmo sendo de arrepiar (risos).
Um beijo e uma linda noite de belos sonhos,
Helena

Blog da Gigi disse...

Abençoada quinta-feira!!!Abraços

Palavras soltas disse...

Manuel, vc é o melhor contador de histórias que conheço. Elas são tão cheias de detalhes que parecem verdadeiras.Um delícia de ler.

Beijo.

Magia da Inês disse...

✿ه° ·.

Li a parte 1 (O cerro do Demo), muito suspense!
Li a parte 2 (O monte do Demo), ainda mais suspense!
Mas, a história não está concluída... aguardamos a parte 3.

Bom fim de semana, amigo!
Tudo de bom e muita inspiração para continuar a história!...
Beijinhos.
♡ه° ·.

A Casa Madeira disse...

Oi Manoel não sei o porque, mas estou achando que esta ficção
será que tem um pouco de verdade? kkk Esse L.. Inácio realmente foi um cap...
pelo menos aqui no Brasil kkk.
Agora me lembrei mais um fato... na idade média eles usavam muito o teatro para
falar a população... por aqui os contos estão virando realidade; principalmente
na política... é uma coisa de arrepiar...
Agradeço sua gentil presença lá na casa; e um bom final de semana.

rosa-branca disse...

Olá amigo Manuel, mais uma história que promete. Venha a continuação, que fiquei em pulgas. Ontem vim, mas não tive tempo de comentar. Pelo que li(não sei se percebi mal) o amigo não conseguia entrar no blog. Há dois anos estive 4 dias sem conseguir entrar no meu, mas não me lembro bem como resolvi. Acho que está lá a perguntar se quer voltar ao antigo. Beijos com carinho Beijos com carinho

CÉU disse...

Bem, a continuação do seu conto, é o k se chama uma RGP, ou seja, Assembleia Geral Popular e o Povo, k é "quem mais ordena", k é soberano, NUNCA se entende. Sempre assim foi, é e será, mas este desentendimento favorece sempre determinadas situações, ou seja, vão para o "sítio" contrário ao k dizem, dizem, repito, desejar.

Então, "tudo como dantes, quartel em Abrantes", mas que o Manuel escreveu, escreveu e bué e bem encadeado, e k nos pôs dentro da ação, isso é uma verdade incontestável, indesmentível, mas nos comentários é sucinto e preciso. Engraçado!
Enfim, há pessoas que têm essa capacidade, ou seja, adaptam-se à situação do momento, qualidade k eu não tenho.

Que lhe/nos chovam bênçãos, como as k a Gigi lhe manda, e..... o k é k eu ia escrever? Pronto, estou a ficar velha e portanto, já nem leio, nem comento, já não tenho alento, mas, o importante mesmo é que a história continue. Por mim, k gosto imenso de ler e escrever, estou pronta, mais k pronta, acrescentarei.

E venha a próxima parte! Já estou "à porta"!

Bom fim de semana, Manuel!

Aquele abraço!

Mirtes Stolze. disse...

Boa tarde Manuel.
Vou ler as postagens antigas, em breve volto para comentar, mas com certeza deve ser mais um conto magnifico como sempre seus contos são. Um lindo domingo meu amigo querido que gosto muito. Forte abraço.

Unknown disse...

Manelamigo

Entre a suspeita e a crença fiquei à espera da conclusão - que é muito boa, digo eu. A dúvida que paira no ar é muito bem engendrada; be or not to be? Quem sabe?

Mas hoje venho dizer-te que JÁ TERMINOU O DIA DE REFLEXÃO ((01:19) PORTANTO JÁ POSSO DIZER QUE VOU VOTAR COSTA!!!!!

abç do Leãozão

Unknown disse...

VOLTO À CARGA!

Manelamigo

O casal Ferreira está muito desmoralizado, desmotivado, chateado, enfim fod..., oops, tramado.

Porém o que sucedeu está... sucedido O que virá a seguir (nem quero pensar nisso!) é que vai ser um saralho do carilho.... Vamos ouvir muitos cidadãos e "cidadoas" a dizer Como pôde ser possível?... MAS EU NÃO VOTEI NELES...

É sempre assim ninguém votou neles... Pensando bem a Maria também foi engravidada pelo Espírito Santo... (que ontem também votou um tanto salgado e vigiado); daí que terei de concluir que as eleições foram um ersatz da Santa Isabel: são rosas meu Senhor... Porque ninguém votou neles...

Bjs da Raquel e qjs do Leãozão (*)

_________

(*) Pelo menos o nosso Sporting ganhou por 5-1 ao Guimarães. Nem tudo foi mau...

Unknown disse...

Gostei de ler. Entre o cómico e o mistério haveremos de saber se este conto é sério.

SOL da Esteva disse...

Já cortei os meus cabelos,
Dos que sobram na cabeça.
Não vá o demo tecê-los
E outro mal aconteça.


Abraços
SOL

Helena disse...

Olá meu querido! Ainda vai demorar muito a continuação dessa história? Já não aguento mais de ansiedade, viu? Deixe de preguiça e ponha essa privilegiada cabeça para funcionar, ok?
Depois da bronca, um beijo carinhoso da
Helena

Magia da Inês disse...

❀ه° ·.
Voltei para ver se a conclusão da conclusão já estava concluída... e nada!!!
Estou aguardando o restinho da história...

Bom fim de semana!
Beijinhos.
❀❀ه° ·.

ania disse...

Gosto desse mistério...me faz refletir sobre a conclusão disso tudo...texto perfeito,daria um ótimo livro, Manuel... (já pensou sobre o assunto...pense!!!)abraços, ania..

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

A conclusão que não concluiu! Uma narrativa dessas, com tantos mistérios, numa mente tão pródiga tem "panos nas mangas" e vai dando "asas à imaginação". Já vi que tem um final feliz, mas passei direto, descendo para pegar o "fio da meada" e entender tão fascinante enredo! Valeu, Manuel! Beijos...