sábado, 10 de outubro de 2015

O Monte do Demo (Final Feliz)











Não era de esperar uma terceira parte deste Monte, não estava nos meus planos. Tinha pensado acabar, mas quem me visita e me dá a honra de de ler, este espaço, quis um final.
Quero não desiludir, para desilusão bastaram as eleições, por isso tentei um "Happy End".  
Espero que me perdoem.







Durante muitos dias a aldeia parecia um velório, só conversas sussurradas, olhares medrosos como se a cada esquina estivesse um perigo escondido.
Mal o Sol se punha as portas eram trancadas e, os homens na rua, embora não dessem a notar, andavam sempre em grupo.

Ninguém tinha medo, assim diziam,  mas era visível a forma como olhavam, por cima do ombro, ao mais pequeno ruído e a cautela ao dobrar das esquinas.

Era uma tensão tão intensa, que se sentia o cheiro do medo, dum pavor que andava agarrado à pele, como uma lapa a uma rocha.

Todos queriam falar, mas algo lhe tolhia a vontade, e só pensavam em ir para outras paragens, mas era difícil, era aqui que tinham a vida, as origens e aquele apego à terra que os viu nascer.

O Sargento Ambrósio foi transferido, para o norte do país, disse que pediu, mas todos sabem que foi castigado, por não ter tomada as devidas precauções e ter sacrificado, um elemento da corporação, sem previamente, saber os perigos de uma missão, diziam, sem o menor nexo.

Os homens saiam, de madrugada, para a faina dos campos, iam em grupos. Não era por medo, diziam, mas todos sabiam que havia, e muito.

****

O dia acordou tremendo, os trovões ribombavam de forma ensurdecedora, a água parecia não ter fim, caia como se de repente, se tivessem aberto todas as torneiras.
Ninguém tinha coragem de se meter à rua, era um dia de trabalho perdido.
Era terrífico, parecia um daqueles ciclones que se vêm na televisão. As árvores eram ceifadas num rodopio e, abalavam como se fossem um parafuso a desenroscar da terra.

De repente um barulho que parecia vir doutro mundo, entoava em ondas, que entravam nos ouvidos e faziam eco no cérebro, e uma enxurrada, de terra e pedras, rebolara soterrando tudo e todos que apareciam pelo caminho.

O vento parecia gemer pela dor que ia causando, e alguns, os mais afoitos, enfrentaram a borrasca tentando chegar à Igreja, ficava no ponto mais alto do povoado e, era uma construção, mais capaz de suportar a desgraça que estava a acontecer, poucos conseguiram, apenas vinte e oito. Nove homens, oito mulheres e onze crianças.

Eram, mesmo 28, todos da aldeia, terra pequena, com 327 habitantes, onde todos, ou quase, se conheciam.

Mas era estranho, ninguém se apercebeu mas, era muito esquisito que estavam juntos, eram da aldeia mas nenhum se conhecia.
Os miúdos era natural, garotada, mas os adultos era obrigatório, viviam na mesma terra, andavam por ai todos os dias.
Os homens e mulheres, todos da povoação, não estranharam, com a angústia e o medo, também, não se aperceberam disso.


As mulheres erguiam preces, aos santos da sua devoção, as crianças dormiam no sono da inocência, nos duros bancos da Igreja. Os homens, tentavam lobrigar nos espaços dos relâmpagos a desgraça que se adivinhava, mas a chuva era tão intensa e a escuridão impenetrável. Era impossível ver. que água e as terras, que desciam, estavam próximas das escadarias do templo.

******

-É o fim do mundo! Gritou alguém.
Muitas das crianças desataram,  num compreensível choro, e os homens tentavam disfarçar, os pensamentos que os consumiam, procurando serenar os ânimos.

-Tenham calma, a chuva está a abrandar e o vento já não ruge tão forte, não tarda o dia acorda e vamos todos para casa.

-Se ainda estiverem de pé, suspirou uma mulher de lenço, preto com flores amarelas, na cabeça. Com esta desgraça duvido  que os telhados e as paredes se tenham aguentado.

O cansaço, a escuridão e o medo amoleceram os corpos e, às tantas, sem se aperceberem, dormiam encostados nos cantos dos balaustres, que sustentavam as pequenas pilastras onde as imagens dos santos com olhares beatíficos  os contemplavam, num misto de comiseração e dor.


*********


Quando o velho despertador disparou, eram sete e meia e, Luiz Inácio, saltou da cama como se uma mola o tivesse disparado. Da cozinha, sentiu o cheiro a café acabado de fazer.

Era mesmo o que precisava, para o ajudar a despertar e atenuar a dor de cabeça com que acordou.

-Bom dia amor, que belo cheiro, preciso mesmo dum cafezinho!

-Deve ter sido forte, respondeu Lucinda, toda a noite numa fona, num falatório que não percebi, em repelões e num desassossego total.
Não consegui descansar com o teu frenesim, levantei-me, e foi o melhor que fiz.
Mas que raio de sonho foi esse para te deixar em tal estado?

-Ouve lá mulher, choveu e houve trovoada esta noite?

-É melhor lavar, com água fria, a cara e acordares de vez, porque ainda continuas a sonhar. Onde raio se viu, com um tempo destes, chuva e trovoada! Desgraça de homem que anda, mesmo, aparvoado desde que foi nomeado presidente da Junta, desabafou Lucinda.

Luís Inácio olhou através da janela, da cozinha, um Sol radioso ia despontando e cobrindo de luz a imensa planície que os rodeava.

-Então foi um pesadelo, grande pesadelo! Pensou em voz alta.

Sonhou com um monte amaldiçoado. Onde se viu um monte numa planície imensa. Um monte do Demo donde nunca se voltava, da Dona Rosalinda, do sargento Ambrósio, um homem bom. Com um diluvio, tremendo, da água e da lama e duma Igreja que não era a deles. Tanta loucura, naquela cabeça.

Que pesadelo!


Foi, só, então que respondeu à mulher:

-Tens razão Lucinda, ando nervoso mas vou acalmar, e tudo vai voltar ao normal.

Ela sorriu, um sorriso cúmplice que ele percebeu.

-É bom que sim homem, pois quando vais para a cama parece, que tens, um mundo de promessas. Mas é isso mesmo, só promessas, pois mal pousas nos lençóis adormeces, como se  eu não estivesse ali. E nada. Mas mesmo nada de nada, acontece, há mais de duas semanas.

-Maldita Junta de Freguesia para onde te elegeram!








17 comentários:

Palavras soltas disse...

Que bom que tudo não passou de um sonho ruim, Manuel.Adorei e obrigada pela generosidade em continuar a história.

Beijinho.

Gina disse...

Melhor dar atenção à senhora, muito melhor. ;)

Evanir disse...

Meu Amigo Querido em 2011 fostes homenageado no meu blog
uma fase linda do blog ..A Viagem..
Leia como foi sua participação.

Talvez?

Como estrela cadente rasguei o espaço
Apenas um fugaz traço sobrou no fim,
Cinzas, tristeza e um simples traço
Foi tudo, apenas, quanto ficou de mim,

Ergui as mãos, fiz preces aos céus
Com fé rezei, pedi, chorei e implorei
Acreditava na existência de um Deus,
Estava enganado, perdi porque acreditei.

Agora ando perdido, só, neste deserto,
Numa dor que me consome sem se ver,
Já não sei que fazer, nada está perto

Procuro em vão para saber quem sou
Quem procuro? Não sei bem ao certo!
Talvez deseje esse Deus que me deixou.


Publicada por Manuel
http://navoltadotempo.blogspot.com/
Basta abrir o link abaixo verá toda posagem.
http://aviagem1.blogspot.com.br/2011/06/homenageados-brasil-e-portugal_26.html
Com carinho e agradecimento de um tempo feliz da nossa vida.
espero que goste de recordar esse momento.
Um carinhoso beijo..Evanir.

SOL da Esteva disse...

Um sonho mau, é melhor que um mau sonho (ou será o mesmo?).
A "Junta" ainda não está nomeada e os pesadelos lá (cá) continuam.
Realmente a (nossa) actualidade é feita de pesadelos... vivos. E que pesadelos!...
Bem conseguido e melhor construído.

Abraço,Manuel.
SOL

CÉU disse...

Tanta algazarra, tanto bulício, e tão bem descrito, mas até foi bom para os leitores, k ficaram na expetativa de um final, preferencialmente feliz. Afinal, tudo não passou de um sonho nada agradável.

Coitado do homem que anda tão preocupado e cansado com o trabalho na Junta de Freguesia! A "assistência" tem de ser mútua e da vontade de ambos. Tanta mulher/esposa a fazer fretes! Enfim, elas ainda não aprenderam ou não conseguem valorizar-se, mas já é tempo.

Dias felizes.

Agradeço o beijinho k retribuo, com mta estima.

Maria Luisa Adães disse...

Bravo voltou
E terminou aquela história tão bem contada
que encanta os de lá e os de cá.

E o pc funcionou, me parece...

Tanto tempo sem sentir sua presença
e o google+ não dá para entender muito bem,
talvez dê para entender muito mal!

Vou colocando imagens de uma amiga
escrevo umas minúsculas coisas,
pois no fundo aquele gente me parece mumificada
e aquilo ser um mundo fantasmagórico!

Se tem fantasmas não sei,
mas por vezes penso que sim!

Fico feliz por o encontrar por aqui e por ali
infeliz se o deixo de encontrar
e às suas histórias misteriosas
tão a seu jeito!

Volte sempre,

com ternura, Maria luísa Adães

Blog da Gigi disse...

Lindo dia!!!!!!!!!!! Beijos

A Casa Madeira disse...

O que? tanto diz que me disse por causa de um sonho?
Agora vou dizer como fala meu marido a respeito de filmes quando
indago alguma coisa: "É o diretor janicce!"
Então aqui posso dizer que é o autor... o culpado. kkk
O RS está passando por uma fase muito difícil de muitas perdas
e enchentes a chuva por aqui, não quer parar;
é bom quando alguém diz que gosta de nos visitar o blog;
Boa continuação de mês...

Helena disse...

Ufa! Até que enfim chegamos ao final de mais uma de tuas fenomenais histórias. Olha, meu amigo, valeu a pena vir aqui praticamente todos os dias para "cobrar" uma continuação, pois o "happy end" arquitetado por ti ficou excelente. Eu adoro finais felizes, tanto na literatura quanto na vida.
Confesso que estava temerosa de que continuasses naquele suspense e que outras pessoas tivessem o mesmo trágico destino do António Rabiça, o que nos levaria a imaginar que um ser do outro mundo estaria por trás de toda a trama. Felizmente tu nos poupaste, pelo menos a mim (risos) de uma "tragédia anunciada" vindo a nos ofertar um final que vai nos afastar os pensamentos no Monte do Demo. Excelente esta tua história, meu querido, um pesadelo muito bem narrado. Tomara que o Luís Inácio e a Lucinda possam acertar a vida amorosa (risos).
Grata pela gentileza de nos ofertar um novo final.
Meu carinho num beijo que leva também a minha admiração e amizade,
Helena

Magia da Inês disse...

-`❀´-
Um fecho de ouro para uma história de terror!
Tu és o melhor contador de história que já li.

Ótimo fim de semana com muita paz, muita inspiração e muitas alegrias!
Beijinhos do Brasil.
❀❀ه° ·.

ania disse...

Pesadelos, quem não os tem? Eu, de vez em quando, os tenho...afff...Manuel, meus aplausos por teu talento...simplesmente maravilhoso teu conto, e o final, eu adorei, soubeste com maestria, construir um excelente 'gran finale'!!! abraços, ania..

São disse...

E fez muito bem dar um final feliz, pois para infelicidades já bastam as que por aí nos cercam...

Bom fim de semana

Mirtes Stolze. disse...

Bom dia querido Manuel.
Perdi a leitura dessa sua historia, por isso como não costumo comentar sem ler, vou apenas deixar o desejo que tenhas um lindo domingo. Feliz semana meu amigo. Forte abraço.

dilita disse...

Olá Manuel!

Muito obrigada pelas visitas no meu Birras, e pelas palavras amáveis com que me acompanhou; foram só catorze dias e meio fora de casa, passados quase na totalidade à beira mar.
E agora já voltei à rotina, mas estou preguiçosa para escrever.

Gostei muito do seu ultimo conto, O Monte do Demo. E aceitava (passe o termo) que não tivesse fim.
Assim, cada um de nós ficava no imaginário do que seria...
Mas só eu me confesso "da oposição", a maioria não votou comigo.

Também gostei do texto que dá final ao Monte; a criatividade e a forma como escreve,prendem o leitor, do inicio ao fim. Até me esqueço das horas.
Já estou à espera de mais.
Abraço, e boa semana.
Dilita



Bloguinho da Zizi disse...

Caro Manuel.
Estive hoje passando os olhos no Bloguinho da Zizi. Quase um ano sem nada postar.
Vi tua mensagem e me senti feliz em saber que alguém sente a falta das postagens.
A minha vida ficou um pouco corrida por conta de algumas mudanças em família. Adaptações, perdas, ganhos, viagens (talvez até tenha estado perto do amigo).
Enfim... rumos perdidos, rumos seguidos, rumos largados.....
Quem sabe eu me animo e volto?
Quem sabe?

Gratidão pelo carinho
Zizi

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Quantos pesadelos, retratam tão bem uma "realidade" surreal? Maravilhosa "saída", para um final feliz! Pena que o vídeo não estava disponível, quando cliquei.
Meu abraço, Manuel.

SOL da Esteva disse...

Um dia, no fim da vida,
Quando sobrarem lembranças,
Teremos nossas heranças
A dar-nos a despedida.


Abraço
SOL