sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Quase um conto de Natal..
















Rosarinho estava enlevada, com os olhos pregados na montra, olhos fixos e um ar de embevecimento que encantava.

-Anda Rosarinho, gritou a mãe.

Mas não ouviu, estava vidrada na imagem, apaixonada no encanto do mundo, que a montra lhe reflectia.

-Não ouves rapariga? Tornou a mãe.

-Mamã, respondeu, ela está a rir para mim. Olha os olhos dela, quer ir comigo!

-És uma tontinha, é só uma boneca e parece rir para toda gente. Vá! Vamos embora!

-Mas mamã, choramingou Rosarinho, não pudemos levar a boneca? Ela está a olhar para mim, a pedir para ir. Não ri para toda a gente, é só para mim.

De seguida irrompeu, num choro, em soluços envergonhados.

A mãe aconchegou, esse pranto molhado, contra a saia a que se agarrou. Com voz doce tentou acalmar:

-Ouve querida, a boneca é muito bonita e tu mereces, mas a mãe não tem dinheiro para comprar. Mas vamos combinar uma coisa, a mãe vai poupar, até ao Natal, e compramos a boneca. Está combinado?

Os soluços afrouxaram, muito levemente, e com a voz mais sumida que conseguiu perguntou:

-Mas mãe falta muito para o Natal, não falta?
Até lá outra menina compra a, minha, boneca.

-Não compra, eu vou pedir ao senhor da loja, e ele guarda.

A mãe sabia que tinha acabado de mentir mas, não tinha outra solução, era por amor e para não matar, à nascença, o sonho de uma criança.

Sabia que nem agora, nem no Natal, irei ter 45 Euros para uma boneca, o pouco que ganhava mal chegava para o essencial, a renda e a comida. A renda era barata, a casa era da mãe e o senhorio não aumentou muito, sabia das dificuldades. Mas a comida, não queria que a filha tivesse falta de nada, levava o resto do ganho.
Já pensou em arranjar outro trabalho mas, tinha que sacrificar, o pouco tempo que tinha para a Rosarinho e, isso não, primeiro a filha.

Amanhã, enquanto a menina estiver na escola, vai falar com o senhor da loja, para lhe vender a boneca a prestações, não é normal mas, pode ser que Deus a ajude e, o lojista, lhe dê essa possibilidade.

Mas não deu, nada de prestações, os tempos estão maus. 

******




Maria do Amparo, considera que é filha de um Deus Menor, a vida tem-lhe sido tão madrasta que acreditar num Deus, pai e protector, deixou de fazer parte dos seus pensamentos, está céptica, só passou a acreditar no que vê, no que é palpável.


Perdeu os pais, quando ia entrar na faculdade, e o sonho da medicina morreu com eles. A mãe, foi consumida pela doença e, definhou como uma flor queimada por um sol abrasador, o pai desgastado, pelo desgosto e pela ausência da mulher, de uma vida, não suportou a dor, o coração não aguentou e deixou de trabalhar. Morreu por amor.

******


O trabalho foi o que apareceu, não era o sonhado mas, o possível, para viver o dia-a-dia.

Não era feliz, não lhe foi dada essa possibilidade, mas em certa altura pensou que, finalmente, uma luz parecia iluminar o seu destino.



*****


Era um rapaz bem-parecido e, a maneira como a olhou, provocou um turbilhão, que tentou disfarçar embora o rubor que lhe coloriu as faces, não a deixassem disfarçar.





Ela estava carente, ele era insinuante, e de palavra fácil, foi simples, de repente estavam envolvidos.


Foram meses de felicidade intensa, a alegria  tinha voltado e, Maria do Amparo voltou a sorrir, a acreditar, a sonhar que afinal ainda havia esperança.
Voltou à igreja, Joaquim era muito crente, ela acompanhou, porque, parece que Deus, finalmente, se lembrou dela.



****

Havia um atraso, que já lhe parecia demasiado, e foi fazer o teste.
Era verdade, deu positivo.

Ele chegou, ao fim do dia, com o mesmo sorriso que a conquistou, deu-lhe um beijo doce, eram sempre doces, e perguntou:

-Queres saber um segredo?


-Se for bom quero! Respondeu. Eu também tenho um, mas primeiro o teu.

-Hoje o meu patrão chamou-me e, adivinha!

-Não sejas tonto, diz amor!

-Disse que eu era o homem certo, para chefiar a secção de máquinas pesadas. Deu-me o cargo e eu aceitei.

-Que bom, fico feliz porque tu mereces.

-E tu também tens um segredo? Vais dizer que me amas? Isso não é segredo, porque isso, eu já sei.

-Não é um segredo, é mais uma surpresa. Fui fazer o teste e estou grávida.

-O que, estás gravida! Vou ser pai? Graças a Deus que ouviu as minhas preces.
Vai-te por, mais bonita e vamos jantar fora, vamos festejar.



********

Foi numa, quinta-feira de Maio, eram 9 horas da noite, e Joaquim não chegava, não era habitual. O telemóvel ia para as mensagens, não era normal. Estava preocupada, tinha vontade de ir à fábrica mas, seria que ele ficava aborrecido?


Mas, tinha que ir, vestiu um casaco, chamou um táxi e foi.


E teve o pior dia da sua vida, Deus, mais uma vez, não estava do seu lado.

Houve um acidente, na fábrica, a roldana de um cadernal cedeu e uma barra de aço caiu, atingindo dois trabalhadores, um deles chegou, ao hospital, já cadáver.

Maria do Amparo não chorou, já há muito secara as lagrimas. Mordeu os lábios, acariciou a barriga e só lhe saiu uma frase:


-O teu pai não morreu, deixou a semente de uma nova vida.


******


Vão passados sete anos.
Maria do Amparo afogou, dentro dela, todas as mágoas do coração, fez do passado um novelo que nunca vai desatar.

 Passou a viver para a filha, tem sido difícil mas, ainda um dia, vai conseguir dar-lhe tudo o que ela merece. Jura que vai conseguir, não sabe como, mas vai.

Amanhã é noite de Natal, comprou uns pequenos presentes, para a filha, e só pede, a quem manda nisto, que a menina já tenha esquecido a boneca que estava a rir.



*****



Vão passar, a noite de consoada, a casa duma colega, fez questão, também é ela, o marido e uma filha, um ano mais velha que a Rosarinho. Sempre passam uma consoada mais animada.


****



Foi uma noite igual, a tantas outras, as miúdas brincaram até que, Maria do Amparo, chamou a filha:

-Filha prepara-te, dá beijinhos, veste o casaco e põe o gorro para irmos a caminho de casa. O pai da Suzana leva-nos, faz esse favor!

Chegaram, passava um pouco da uma, já era dia de Natal. A noite estava muito fria, mas o céu estava lindo, com muitas estrelas a dar uma certa magia à quadra.
Agradeceram a boleia e correram para casa, pois o frio era desagradável.

A casa estava quentinha, Maria do Amparo, deixou o radiador ligado, era mais um custo mas, não queria privar, a filha, de algum conforto.

-Mãe a nossa casinha está tão boa! Exclamou Rosarinho.

-Pois está filha, vai arrumar o teu casaco e, o gorro, no teu quarto. Depois vamos preparar para ir fazer óó.



Depois ouviu os gritos:

-Mamã, obrigada, obrigada mamã, eu sabia mamã, eu sabia. Obrigada!

-Que te deu rapariga? Disse Maria do Amparo, enquanto corria para o quarto da pequena.

Agora percebia, a gritaria da miúda, o resto não, não percebia.

Em cima da cama, da Rosarinho, estava a boneca que sorria para ela.



Olhou a fotografia do Joaquim, em cima do móvel, já um pouco descolorida, mas vislumbrou um sorriso.

Um sorriso de felicidade.

Agora sim compreendia, e ia acreditar outra vez.

















18 comentários:

A Casa Madeira disse...

Já faz alguns anos que uma senhora de 80 e poucos anos faz parte de minha vida;
Em um belo chá da tarde me disse que ficou viúva aos 19 anos com duas filhas
ainda bebês, perguntei a ela porque nunca se casou novamente já que era muito
jovem, ela então me disse: "Que amava demais o falecido, e que jamais alguém iria
ocupar o lugar dele". Achei bonito... e lendo esses capítulos me lembrei...
São histórias que só sabemos quando contadas...
Bom... já sabes que gosto de ler-te...
Bom final de semana.

SOL da Esteva disse...

Um laço de magia para fechar um Conto tão real e enternecedor.
Talvez o final possa ter sido um Milagre, embora os Milagres estejam demasiado caros para quem faz tanto sacrifício para manter uma Filha.
Mas, na Noite de Natal, os Milagres acontecem por... Milagre.
Magnífico, Manuel. Adoro os teus Contos.

Abraços
SOL

Blog da Gigi disse...

Lindo!!!!Abençoado final de semana!!!! Abraços

Helena disse...

Encanta-me a tua maneira de criar histórias enredando ficção/realidade, e nos fazendo acreditar que a realidade é tão linda quanto a ficção... Um belo conto de 'quase Natal' ou quase um conto de Natal, um está a chegar e o outro nos trazes prontinho como a nos preparar para o próprio Natal que já está às nossas portas. E assim tu vens já nos colocar neste portal para os pés já começarem a caminhar em direção aos sonhos, o olhar já alcançar a estrela de Belém, e o coração a se preparar para receber uma das festas mais bonitas que a cristandade nos trouxe. Uma festa de esperança, de renovação, de envolvimento mais afetuoso com o próximo, e de tantas outras coisas boas que nos enobrecem o coração. E não importa que muitos destes afetos e ajudas só se cumpram na época do Natal, pois se acontecem e faz bem a muita gente, isto sim, é importante, mesmo que sejam esporádicas estas demonstrações. Uma grande sabedoria popular: que demore, que seja intermitente, mas que seja! Mas, meu querido, desviei-me do assunto, mas isto mostra como os teus contos nos levam a reflexões várias e nos fazem entrar na tua história e dela participar de uma forma bastante interativa.
Que o teu final de semana seja de muitas alegrias para se prolongarem por toda a semana vindoura.
Um beijo no teu coração iluminado.

chica disse...

Que lindo,Manuel! Te ler é sempre bom! abração,chica

CÉU disse...

É verdade! É quase um conto de natal, mas não destes natais atuais, onde se gastam muitos euros, como hoje já presenciei, para as crianças ficarem mto contentes no dia de abrirem os presentes, e depois, e como recebem prendas dos avós e dos tios/tias de ambos os lados, e dos pais, tb, enfim, uma fartura, gera-se o embaraço da escolha, que a mim nunca se pôs. Ligava pouco a brinquedos. Preferia roupa, acessórios, véus e xailes que o meu amado avô comprava nas feiras, em Sevilha, mesmo qdo era criança, mas evidentemente k tive bonecas, as barbies, etc.

Ora o k sucede com as crianças de agora, é k passados 2/3 dias a seguir ao natal, se desinteressam dos presentes, e os embrulhos, o papel natalício, mais os laços, mais as caixas e etc. vão encher, abarrotar os contentores e os passeios limítrofes deixam de ser transitáveis.

Não é preciso tanto para fazer uma criança ou alguém feliz! Qdo mais lhes derem, mais querem, exigem!

Ainda há casos/vidas como as da Maria do Amparo, mas há, hoje, já várias alternativas, decentes, claro.

Eu lembro-me de k qdo tinha 14 anos, e pensando k era o Pai Natal ou o Menino Jesus k davam os presentes, tb olhei para a cama dos meus pais e estava lá uma boneca lindíssima, uma espanhola, com vestido vermelho às bolinhas brancas. Enfeitou a minha cama e os meus sonhos durante mtos anos.

Bom fim de semana, k vai ser de chuva,

Agradeço a sua visita, Manuel!

dilita disse...

Olá Manuel!

Um conto com muitos laivos de verdade, e cheio de ternura. O final um encanto, adoçou a comoção a que por momentos não fui alheia.

Abraço e bom fim de semana.

Obrigada pelas visitas no meu birras, e pelos amáveis comentários.
Dilita

Unknown disse...

A vida é assim Manuel
Uns dias sorri e outros chora de raiva e desilusão.
Gostei da história e existem tantas histórias em que o final nem sempre é de prémio.
Abraços e votos de bom final de semana.

Palavras soltas disse...

Acho a magia do natal uma coisa linda... Vou envelhecer, mas não quero nunca deixar de sentir ela.Seu conto é encantador, Manuel e essa mãe merece aplausos. Gostei muito.

Beijinho.

Magia da Inês disse...


Um belo conto de Natal.

Bom domingo! Ótima semana!
Beijinhos.
❀ه° ·.

redonda disse...

Gostei tanto, tanto desta história, comoveu-me, estava a pensar que ela se ia lembrar, mas não haveria boneca.
um beijinho
Gábi

São disse...

A estória é bonita e comovente...

Abraços

Anónimo disse...

Manelamigo

Uma estória bonita com muitas intenções e poucas tentações... Mas, lá que é bonita - é. Dispenso-me de dizer que está bem escrita...Tu tens um jeito muito especial de terminar os teus contos; já to tenho dito mil e uma vezes (tal como as maneiras de prepara o bacalhau...) que tens o talento e a arte de achar um final feliz, mesmo que fosse ainda Natal.

Por isso ainda não te dou as boas festas... :-))))))

Abç do Leãozão

Muito obrigado pela visita que fizeste à NOVA TRAVESSA - que já tenta gatinhar...

Evanir disse...

Durante esse tempo afastada dos blogs
senti muitas saudades de todos que
de alguma forma não deixou por um só dia meu blog sem nenhum comentário.
Agradeço de todo coração pela fidelidade isso não tem preço
uma amizade sem questionamento linda e silenciosa
num carinho de apertar o coração.
Hoje agradeço pelo apoio no silêncio das horas e dos tempos.
Uma semana na paz e na luz de Jesus.
Foi triste meu afastamento
marcado por perdas e lagrimas doloridas,
mas Deus nos da um dia recolhe para sua verdadeira Pátria.
Um beijo carinhoso saudades sem Fim.
Eva..
Amigo chegando vem o Natal.

Mirtes Stolze. disse...

Boa tarde querido Manuel.
Em primeiro lugar quero lhe pedir desculpa pela minha ausência, mas meu amigo sei que bem entende, a minha vida é muito conturbada e realmente o tempo fica bem curtinho, sempre a acompanhar os seus contos, mas nem sempre com tempo para comentar. Mas um lindo conto cheio de emoção eu também acredito na magia do natal e seus milagres. Uma linda semana meu amigo. Forte abraço.

SOL da Esteva disse...

Vim reler este Conto Mágico, Manuel.

Abraço
SOL

redonda disse...

Entretanto e porque também estou a tentar escrever uma história de Natal, lembrei-me da possibilidade de se participar numa Colectânea, aqui: http://dona-redonda.blogspot.pt/2015/10/post-5191-possibilidade-de-participar.html
(vi este desafio o FB, mas agora não encontrei o link para lá, só para o meu texto sobre o desafio :(
um beijinho
Gábi

ania disse...

Emoção, encanto e magia num lindíssimo conto de Natal, parabéns Manuel!!! abraços, ania..