terça-feira, 25 de agosto de 2015

Com a luz de outros olhos











Virou-se para o Sol, cerrou os olhos, e deixou-se embebedar nos raios que, teimosamente, lhe aqueciam a retina.

Não sabia descrever a sensação, era algo que o inebriava, aquela intensidade de luz, que adivinhava, apenas adivinhava, pelo calor que o aquecia e pelos flashes de luz que o cérebro recordava.

Deixava o pensamento voar por um mar de recordações, os olhos verdes da Cláudia, o sorriso doce da mãe, a trança enrolada, no alto da cabeça, da avó Carolina, o rosto pardo do pai consumido pela doença que o minava.

Tudo isso ficava visível naquele pedaço, do cérebro, onde guardava as lembranças.

Mas hoje era diferente, ou talvez não, apenas a sensibilidade, dos raios de Sol, lhe tinham avivado, um pouco mais, todo o emaranhado de recordações que bailavam no álbum da vida que já viveu.

O pai abalou, numa tarde fria de inverno, sem um ai, sem um lamento. Fechou os olhos e devolveu a alma ao criador.

A mãe, depois do pai partir, entrou numa depressão que a foi consumindo até que um dia a encontraram, no alpendre, sentada no cadeirão de buinho, ainda a levaram para o hospital, mas era tarde, tinha ido fazer companhia a quem a havia acompanhado ao longo de 40 anos.

A avó Carolina, estava tão velha, que precisou de recolher a um lar. Não aceitou muito bem, ninguém aceita, um lar não é, propriamente, a nossa casa.

Com o tempo foi aceitando, a lucidez é boa mas a memória, tantas vezes, atraiçoa o pensamento.

Todas as semanas a vai visitar, segura-lhe as mãos e sente a frágil seda que cobre um rendilhado de veias.
Ouve as lamúrias, mente, tem que mentir, não lhe pode contar que a filha partiu para um lugar donde não se volta.

Mas a avó Carolina, custa dizer, felizmente baralha um pouco, os momentos, e lamenta:

-Sabes Sérgio que a tua mãe já se esqueceu de mim? Nunca me vem visitar!

-Avó não diga isso! A mãe vem sempre não se lembra? Nem sempre pode, a saúde não deixa, por isso eu venho mais vezes.


A velhota deu uma pequena gargalhada. Ele ouviu:

-A tua avó é mesmo uma tonta! Esqueço muitas coisas, tens razão, ela vem mas me lembro!

Passou cuidadosamente, as mãos, na cabeça da avó, e sentiu a trança, estava sedosa e bem enrolada,  como ela gostava.

Deu um beijo de despedida, afagou-lhe o rosto e sentiu que algumas lágrimas escorriam nas rugas do rosto, Não devia mas perguntou:

-Porquê avó, porquê essas lágrimas?


Sentiu que ela limpou o rosto para responder:

-A tua avó está uma tonta, são lagrimas de alegria por te ter aqui!


*****

Os pensamentos, faziam um emaranhado, que o levavam a recordações que queria esquecer, mas era difícil porque os olhos verdes, da Cláudia, ainda tingem o pensamento, do Sérgio, e as ultimas palavras, quando se despediu, continuam a ecoar num espiral de sons, que começam fortes e se vão diluindo, como um eco, que se perde mas fica dentro de nós.

***********

Foi há dois anos que tudo começou, notava que os olhos não tinham a mesma acuidade, na leitura as letras apareciam em reflexos como se estivessem sobrepostas, havia uma distorção, das imagens, que não era habitual.

Não havia duvidas, os olhos estavam doentes, tinha que consultar o oftalmologista.

-Astigmatismo, disse o médico, precisa usar óculos!

Mas não, de repente, deixou de ver. Apenas pequenos raios de luz, sombras e, a espaços, alguns contornos indefinidos.

Não tardou e, estava cego, ficou no escuro. As cores, essas, só na sua imaginação.

Cláudia, que a princípio o acompanhou, um dia pediu desculpa:

-Perdoa, Sérgio, mas não pudemos continuar! Se nem me podes ver como me posso por bonita para ti? Tenho pena mas não dá!

Partiu e nem, sequer, um beijo de despedida.

*****

Foi uma longa luta, até que um especialista, depois de um exame biomicroscópico, fez o diagnóstico:

-O Sérgio tem uma doença, até certo ponto rara, e que muitos colegas confundem com astigmatismo ou miopia, mas não, sofre mesmo de Ceratocone, houve uma grande distorção, degeneração da córnea, e a doença está muito avançada.

Vamos fazer o tratamento, mais adequado, inscreve-lo na lista de espera, pois só um transplante, da córnea, pode resolver o problema.
Mas é novo e tudo se vai resolver, não vamos perder a esperança!


****

Sérgio foi visitar a avó, faz hoje 96 anos.

Sentiu, nos seus dedos, o rosto magro e rendilhado e, no alto da cabeça a trança, mais fraca, o cabelo já não era o mesmo.

A avó estranhou, a forma, como ele a tacteava e perguntou:       

-Estavas com saudades da avó Carolina?

Apenas respondeu:

-Também avó, mas estava a despedir-me desta sensação. Sabes avó, quando voltar já te vou poder ver, os dedos vão deixar de ser os meus olhos!

-Mas o que aconteceu? Perguntou a avó, um pouco assustada.

-Fui chamado, para um transplante, quando regressar já te posso ver, com os meus olhos. 
Com a ajuda de alguém, que foi, mas deixou a luz para eu continuar a ver.
Mas com os meus olhos!





terça-feira, 18 de agosto de 2015

Uma Vida


Um amigo, ex-seguidor do meu Blogue, por perca de visão teve que se afastar da Blogosfera, tem grande dificuldade em ler ou escrever, só em negrito em formato muito grande.

Para conseguir escrever este pequeno texto necessitou de 3 semanas.

Emigrou ainda criança, correu alguns países e está, neste final da etapa, na Suécia.

Vou publicar esta pequena autobiografia, com autorização do autor, como homenagem a um homem que lutou e acredita num Portugal melhor.

Qualquer erro é fruto das dificuldades da falta da visão.













Heróis do mar, nobre povo,

Nação valente, imortal,

Levantai hoje de novo

O esplendor de Portugal!

Entre as brumas da memória,

Ó Pátria sente-se a voz

Dos teus egrégios avós,

Que há-de guiar-te à vitória!


Às armas, às armas!

Sobre a terra, sobre o mar,

Às armas, às armas!

Pela Pátria lutar

Contra os canhões marchar, marchar!



A Portuguesa


Aí pelas 5 da madrugada o rapaz é acordado, pelo som da Banda da Música. Subindo a ladeira do Arrabalde tocando uma música que lhe era desconhecida. Ouve um grande vozerio. O moço, que era pequeno mas bem curioso. Veste-se à pressa e vem à porta da rua. Vê subindo a Rua Luiz de Camões a Banda seguida de grande multidão, de archotes acesos. Cantando: 

Heróis do mar, nobre povo,

Nação valente, imortal...


Ele junta-se ao cortejo e pergunta. Qual o motivo de tão grande algazarra?!

Dizem-lhe que é a celebração de se terem livrado do jugo Castelhano.

Como a melodia era bonita o moço tenta aprender a cantar a letra que era bem bonita. Mas não entendia o significado de todas as palavras. Pergunta a um dos figurantes do cortejo. O que queria dizer a palavra Imortal. Disseram-lhe que nunca se morre.

O garoto ficou contente por dentro e disse para consigo: Ena pá, nunca se morre! Vou ser iguala Deus! Lá na catequese dizem que Deus nunca morre!”


A Charanga depois de ter percorrendo as principais rua da Vila regressa a Sede a qual estava no antigo Cinema.

Celebra-se o grande evento; com os adultos comendo figos passados acompanhados de aguardente. O rapaz come apenas uma broa de milho doce.

Como a manhã está um pouco fria. Acende-se uma fogueira rodeada dos principais figurantes do cortejo.

Em volta da fogueira o rapaz escuta historias sobre esta Nação Valente Imortal ...

Dizia um: “Afonso Henriques era homem valente; com a sua espada bem pesada e afilada derrotou em Ourique[1] cinco Reis Mouros”.

Um outro fazia lembrar: "Não te esqueças do nosso pai Viriato, do qual herdamos o nome de Lusitanos, que foi um valentaço ao derrotar os Romanos lá nos Montes Herminios!"

À medida que a fogueira ia morrendo; as histórias iam se enfraquecendo também. Pôs-se mais algumas cavacas no borralho e a labareda voltou e com ela retomava-se a contar feitos do povo Valente que derrota os Castelhanos em Aljubarrota. Um dos participantes da fogueira comenta: “Aquela padeira foi uma valentaça. Com a pá do forno mata três Castelhanos!” Um outro acrescenta: “Três não. Foram mais!” Mas não disse o número. Um outro, que devia ser bem infundado em História Portuguesa. Diz: vocês estão a esquecer o Valentão do Condestável Alves Pereira! Que duma virada, matou sei is Castelhanos. E na batalha de Valverde, nem sei quantos! No final da sua vida. Cansado de matar Espanhóis, virou Santo.

Do grupo um homem bem vestido. Talvez perito em navegação. Conta toda a Epopeia de Vasco da Gama, tintim-tintm por tintim-tintm. Desde do Restelo até à costa da India.

Por uns minutos faz-se grande silêncio, ouvindo-se apenas o estalar das brasas vivas.


O silêncio é quebrado por una voz ressonante mais sabida: “No futuro, segundo as trovas do Bandarra, vamos ser uma Grande Nação e que com a volta do Desejado, às vezes chamado, Encoberto. Iremos ser o Quinto Império[3]”.


Em 1975, até chegou a pensar que tinha chegado a hora. O povo “Valente” cantou: O Povo unido nunca será vencido”. Mas foi Sol de pouca dura. Com a formação dos partidos o Povo se desuniu Como nunca tinha ocorrido na sua História.

O slogan que se cantou. Se diluiu nas brumas do esquecimento. Sendo apenas palavras sem conteúdo e sem sentido.


O moço sonhador agora velho com os olhos gastos. Vê de longe o que se passa; no Jardim à beira Mar plantado.

Que uma corja de gatunos e charlatões invadiu o Jardim.


Em homenagem e à memória dos Verdadeiros Heróis.

Que os que governam o País. Ou mudam o texto da Portuguesa ou então mudam de atitude!



Um outro fazia lembrar: “Não te esqueças do nosso Pai Viriato[2], do qual herdamos o nome de Lusitanos, que foi um valentaço ao derrotar os Romanos lá nos Montes Hermínios!”


À medida que a fogueira ia morrendo; as histórias iam se enfraquecendo também. Pôs-se mais algumas cavacas no borralho e a labareda voltou e com ela retomava-se a contar feitos do povo Valente que derrota os Castelhanos em Aljubarrota. Um dos participantes da fogueira comenta: “Aquela padeira foi uma valentaça. Com a pá do forno mata três Castelhanos!” Um outro acrescenta: “Três não. Foram mais!” Mas não disse o número. Um outro, que devia ser bem infundado em História Portuguesa. Diz: vocês estão a esquecer o Valentão do Condestável Alves Pereira! Que duma virada, matou sei is Castelhanos. E na batalha de Valverde, nem sei quantos! No final da sua vida. Cansado de matar Espanhóis, virou Santo.

Do grupo um homem bem vestido. Talvez perito em navegação. Conta toda a Epopeia de Vasco da Gama, tintim-tintm por tintim-tintm. Desde do Restelo até à costa da Índia.


Por uns minutos faz-se grande silêncio, ouvindo-se apenas o estalar das brasas vivas.

O silêncio é quebrado por una voz ressonante mais sabida: “No futuro, segundo as trovas do Bandarra, vamos ser uma Grande Nação e que com a volta do Desejado, às vezes chamado, Encoberto. Iremos ser o Quinto Império[3]”.

 O moço que era pequeno e não era educado em letras. Desta vez não entendeu nada de todo aquele palavreado. A não ser as palavras: Quinto Império


A fogueira se extinguia. Cada um recolheu a sua casa para gozar o feriado do 1º de Dezembro.

O garoto também voltou para casa eufórico por todas as maravilhosas e grandiosas histórias, que tinha ouvido sobre o Povo Valente Português. Foi dormir o resto da manhã sonhando com o Quinto Império...


Aos 13 anos, não de livre vontade, foi obrigado a deixar a Vila. Andando à deriva por alguns anos. Visto que s que tinham obrigação de o acolher não o quiseram em suas casas.


Aos 18 anos de idade emigra paras as Terras de Vera Cruz. Começou a estudar. Ali a História era outra. Abriu os olhos. E viu que lá na sua terra natal, lhe tinham lavado o cérebro, com lendas e outras trafulhices históricas.

 Depois de alguns anos de estadia. Deixa as terras do Pau-brasil. Vai percorrer Mundo. Vivendo em terras estranhas mas civilizadas.


Já homem, veio morar para a terra onde o Sol não se põe à meia-noite.

Durante muitos anos ele nunca esqueceu a história do Quinto Império. Que tinha ouvido quando era criança.


Em 1975, até chegou a pensar que tinha chegado a hora. O povo “Valente” cantou: O Povo unido nunca será vencido”. Mas foi Sol de pouca dura. Com a formação dos partidos o Povo se  desuniu Como nunca tinha ocorrido na sua História.

O slogan que se cantou . Se diluiu nas brumas do esquecimento. Sendo apenas palavras sem conteúdo e sem sentido.


O moço sonhador agora velho com os olhos gastos. Vê de longe o que se passa; no  Jardim à beira Mar plantado.

Que uma corja de gatunos e charlatões invadiu o Jardim.


Em homenagem e à memória  dos Verdadeiros Heróis.

Que os que governam o País. Ou mudam o texto da Portuguesa ou então mudam de atitude!




João Caridoso

Örebro-Suécia

2015 07 24







[1] Segundo o historiador Alexandre Herculano na sua História de Portugal. Nunca se localizou, geograficamente Ourique. A batalha é uma lenda. Ao tempo o Condado Portucalense de superfície muito reduzida. Não comportaria seis exércitos como consta a lenda.
Assim como Afonso Henriques nunca teve qualquer Exército.
[2] Uma léria do Romantismo. Querendo fazer Viriato nosso “Pai”. À região, da qual faziam orate os Montes Hermínios, foi dado o nome de Lusitânia. Muito de pois do assassinato de Viriato.
[3] Apenas uma bobagem esta história. É de lamentar que o nosso grande Poeta Fernando Pessoa; em seu livro Mensagem 82-84. A maior artimanha poética que já se escreveu  em Portugal.  Creia nesta besteira do Quinto Império.
 [1] Apenas uma bobagem esta história. É de lamentar que o nosso grande Poeta Fernando Pessoa; em seu livro Mensagem 82-84. A maior artimanha poética que já se escreveu  em Portugal.  Creia nesta besteira do Quinto Império

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O Grande Segredo
















Ninguém mais sabia, era um segredo tão bem guardado que, muitas vezes, pensava que o levaria para a cova.


******


Era estranho só viu o homem uma única vez mas foi o suficiente, foi esquisito, não era mulher, aliás rapariga, de emoções, era um pouco fria em relação aos sentimentos, nada de amores à primeira vista, nem se deixava atrair pelo aspecto pessoal. Isso não importava mesmo nada.

Era demasiado materialista, para ela, o aspecto económico era o seu lema, Tens dinheiro és importante, não tens és um borra-botas.

Amor? O que é isso se não tiver a dispensa cheia, os armários com boa roupa, uma boa casa, bem mobilada? Depois, mais tarde, filhos nos melhores colégios, carro com motorista à porta, sim isso é que era amor, o resto são sonhos que um dia morrem.

Mas hoje foi diferente, quando cruzou os olhos houve um faiscar, como que um choque, que lhe arrepanhou o corpo e fez o coração saltar. Não sabia explicar.

Porra, pensou, sou mesmo parva! Olhei para um gajo e, quase, fiquei com uma humidade que não sei explicar.

Ele também sentiu algo, fez um olhar de matador, mas não era preciso, já tinha fulminado.
Ficou apaixonada e esqueceu tudo o que considerava importante, afinal havia algo além do dinheiro.

Ele continuava, naquela olhar "galador", num semicerrar de olhos, num humedecer de lábios que a entontecia, mas não avançava, parecia estar a gozar a sensação de a ver, excitada, com todas as emoções à flor da pele.
Fazia sempre assim, elas que tomassem a iniciativa. Tinha mais pica.

E aconteceu, Foi ela que empinando o peito, para se tornar mais notada, perguntou:

-Está a olhar-me, de forma provocadora, porque lhe agrado ou, é apenas, para fazer charme?

Ele foi apanhado um pouco de surpresa, mas pouco, pois já tinha percebido que ia acontecer. Refinou o sorriso, a língua acariciou os dentes, de forma subtil, antes de responder:

-Nada do que diz, estou apenas fascinado, por tanta beleza numa única pessoa. Deus foi muito pródigo consigo!

-E diz isso a quantas raparigas? Não abuse em galanteios! Replicou Libânia.

Fez um olhar tão doce, mas mesmo tão doce, que a rapariga sentiu um calafrio que começou, no princípio do pescoço, e desceu até sentir um frio na barriga que a deixou totalmente entre o céu e a terra.

Tudo passou a ser diferente, os dias eram pequenos, para tanto amor, e as noites eram intensas de paixão e entrega.

Nunca se tinha sentido tão feliz, bebia as palavras, enchia os olhos da imagem do homem, que parecia ter enfeitiçado todos os seus sentidos. Era feliz!

Começou a ver, o mundo, de uma forma diferente, imaginou uma Igreja enfeitada de rosas brancas, uma noiva, com uma grinalda de flores, a dizer um sim ao "até que a morte os separe".

Depois uma casa cheia de coisas simples, um marido terno e carinhoso, crianças em alegres brincadeiras e uma gata, gostava de gatas, espreguiçando no peitoril da janela.

*************

Foi no domingo, apareceu mais arranjada do que o normal, até pintou os olhos e reavivou as pestanas com rímel, para as alongar e, lhe deixavam  um olhar mais sensual.
Ele, como sempre, desportivo, descontraído e um pouco convencido, do fascínio que exercia sobre as mulheres.

Ela, como sempre fazia, pendurou-se no braço num procurar de carinho e protecção.

Libânia, perdeu a personalidade forte e, esqueceu o pragmatismo que sempre a norteou, ficou mais feminina, mais romântica e cheia de sonhos cor de rosa.
Agarrou, com mais força, o braço do seu amor e sussurrou:

-Orlando sabes o que sonhei esta noite? Foi tão lindo!

-Calculo, respondeu ele, deves ter sonhado, cá com o rapaz e das coisas boas que fazemos.

-Não foi bem, mas quase. Sonhei que casamos, estávamos na nossa casa, com os nossos filhos e, calcula tu, até com uma gata na nossa janela.

-Pois, respondeu Orlando, só em sonhos. É melhor estares acordada. Casar, eu? Filhos e uma gata? Que grande pesadelo minha querida!

-Não sejas tonto, amor! Nem soa bem mas sonhei! É o meu sonho, ser tua mulher e ter-mos a nossa vida.

-Mas, começou Orlando, pensas que vou casar, ter putos ranhosos e gatos pulguentos? Tira daí o sentido! Isso nunca vai acontecer!
Sou um homem livre e, é, assim que vou continuar. Tenho as mulheres que quero, não vou ficar amarrado a uma, deixa os sonhos e vamos curtir a vida!

Ela continuou, agarrada ao braço, com as lágrimas a saltarem dos olhos. Não queria que ele visse que acabara um amor, que nascia um ódio.

Andaram toda a tarde, ele falou, falou e continuou mas, ela manteve a boca fechada.

Foram até Cascais à boca-do-inferno, andaram por entre as pedras, espreitaram o buraco fundo, onda as ondas faziam um som cavo e ameaçador.


*************
Passado algum tempo, a Libânia, seguia sozinha para a estação, onde apanhou um comboio para o Cais-Sodré.

*******

Foi há três meses atrás, nunca mais se ouviu falar do Orlando.

Libânia voltou ao que sempre foi, enigmática e calculista.

Mas agora tinha um segredo, um grande segredo.  

Estava feliz, voltou ao que sempre foi, e o segredo, esse, iria morrer com ela.