terça-feira, 21 de julho de 2009

O lar.......



Decerto que o meu último escrito tinha explicita alguma violência, violência que faz parte do nosso dia-a-dia. Hoje vou ser muito prosaico e num texto simples e despretensioso deixo muita mais violência embora esteja, apenas, implícita.




Era estranho, hoje não era nenhum dia especial e o filho vinha vê-lo. Ficava sempre apreensivo com estas visitas inesperadas. Estaria alguém doente?

Normalmente as vindas do filho, muito espaçadas, só aconteciam em ocasiões muito especiais. Seria que hoje era o dia do seu aniversário e não se tinha lembrado? Já lhe tinha acontecido.

Mas não, o filho disse que era apenas rotina e preocupação por estar sozinho. Esquisito, pois desde que a doença lhe levara a mulher sempre esteve sozinho e nunca se preocupou.

-Sabe pai, a sua idade já começa a ser muita e é sempre perigoso estar só, pode acontecer tanta coisa.
-Mas João, a tua mulher nunca gostou de mim, nem da tua mãe, e não é agora que me vai querer na vossa casa.
-Nada disso pai, estava a pensar irmos ver um sítio que eu descobri e que pode resolver todos os nossos problemas.
-Mau, mau, os nossos ou os teus? Em que estás a pensar?
-Vá vestir a sua roupinha e venha comigo.

Parou o carro à porta de uma vivenda com muros altos e com uma placa amarela em que falava de estabelecimento com Alvará. Que seria aquilo?

Fomos recebidos, á porta, por uma menina, com ar de professora, vestia uma bata às riscas azuis e brancas, o que não me agradou pois gosto, muito mais, do verde e branco.

-Mas isto é um depósito velhos! Qual é tua ideia? Não penses que me vais deixar aqui, prefiro que faças como antigamente em que diziam que iam abandonar os velhos na serra.
-Oh pai, não seja melodramático, facilite as coisas e não complique mais a minha já complicada vida.

Foi uma visita rápida, havia diversas salas onde os idosos se encontravam numa espécie de letargia, uns dormitavam, outros olhavam o vácuo na procura de um passado ainda vivo nas suas memórias.

Alguns olhavam uma televisão onde uma menina cantava uma canção muito em voga. Um dos idosos, de olhos tristes, olhou-me e disse:
-Vais ser nossa companhia?
-Nem pense, eu nunca.
-Eu disse o mesmo e estou aqui há dois anos.

Depois vimos um quarto, duas camas, um armário, uma mesa-de-cabeceira comum e na parede um quadro de um Anjo da Guarda a proteger duas crianças junto a um poço.

Fiquei num desconforto enorme, parecia-me que o resto dos meus dias estavam a ser decididos sem eu nada poder fazer.

-Mas João eu estou muito bem na minha casa. Não te dou trabalho nenhum, porque é que me queres meter num lugar destes?
-Tem que ser. Eu não tenho tempo para andar sempre cá e lá e quero estar descansado. Ficas acompanhado, não te falta nada e eu estou tranquilo.

Esta noite não consegui dormir, foi uma intranquilidade total. Pensar que me iam meter numa casa que não era a minha, acompanhado por alguém que não conhecia, vivendo como numa prisão, sem os meus conhecidos e sem poder ir beber a bica com os meus amigos. Eu não merecia isto. Trabalhei até cair para o João poder tirar o curso, para nada lhe faltasse. Agora a paga era esta.

Na segunda-feira depositou-me naquela vivenda de muros altos, com aquele senhora de bata azul e branca, naquele quarto com o anjo da guarda, com aquele velho de olhos tão tristes como os meus.

Passei o o dia calado, não falei com ninguém, mal toquei nas refeições. Quando a noite chegou, outra menina, também de bata com riscas azuis e brancas, levou-me para o quarto e ajudou-me a deitar.

Adormeci tranquilo num doce torpor de melancolia.

-Bom dia Senhor Doutor João.
Temos más notícias, o seu pai morreu esta noite durante o sono.
Esperamos por si.
As nossas condolências.
Obrigada.

2 comentários:

Filipa M. disse...

Ai Manuel... Nem sabe como estas histórias me deixam doente...

Fiz os meus 2 últimos estágios de curso na área de Geriatria. Vi, ouvi e acabei por viver coisas que... não tenho palavras para descrever!

Belo texto! (Mais uma vez...)

Ana Odete disse...

Sinceramente, não sei qual violência é pior...