segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Olhos negros……




Escrevi este mini conto em 2006, mas hoje assisti de novo a tudo o que tinha escrito. Está actual.



Estavam ao meu lado os olhos mais negros que jamais me tinham fitado.
Corpo esguio, cabelos desgrenhados pela sujidade acumulada, rosto magro e vincado pelos infortúnios do dia-a-dia.
Não tinha mais que oito anos mas parecia arrastar em si a decadência de uma geração.
Mirava-me do fundo daqueles escuros lagos de escuridão com uma súplica nos lábios gretados. Na mão estendida a caixa de pensos rápidos, no rosto a tristeza vincada por muitos medos que um sorriso triste não conseguia disfarçar.
Olhei fascinado para o mundo de tristeza e desespero que aquele olhar deixava aperceber.
A custo uma cansada voz, deixou o pedido:
-Compre senhor!
Fiquei fascinado pelo sumido grito de desespero, pela súplica do apelo.
Os olhos negros, profundos, presos na montra dos doces e a mão estendida com a súplica na voz entoavam no mundo vazio que me rodeava.
-Queres um bolo? Perguntei para quebrar o drama de uma vida e disfarçar a vergonha que de mim se apoderou.
Estendeu um magro dedo e apontou.
Agarrou e com um sorriso cinzento arrastou o corpo esquálido para o Sol que, lá fora, continuava a brilhar.
Deixei o donutt, larguei o café e sai envergonhado por andar indiferente ou não querer ver os dramas escondidos à vista de todos.


2 comentários:

Filipa M. disse...

Estou arrepiada... O que fez é o que podemos fazer, de vez em quando. Não se sinta envergonhado. Não poder dar a mão a todos os que precisam não é sinónimo de indiferença. Um grande beijinho Manuel.

Luz disse...

Desde já quero agradecer a visita que fez a um dos meus espaços, assim como as palavras sábias que deixou e que subscrevo por inteiro.

Agora o texto do Manuel. Pois, infelizmente é uma realidade com a qual nos deparamos diariamente e que muito nos entristece e consegue muitas vezes deixar-nos meio sem jeito... Posso dizer-lhe que também já passei por situações dessas, creio que todos nós e, não podemos fazer mais do que dar um pouco de nós tal como o fez o Manuel e, acredite se todos o fizessem, já seria muito bom, afinal é apenas um pedaço que se for somado pode significar muito.
Por isso, não se sinta envergonhado, ainda que compreenda ao que se refere, fez o melhor que podia no momento.

Se me permite, um beijinho para si com muita luz.