quarta-feira, 10 de março de 2010

A última oração



Hoje sentia-se mais triste do que nos outros dias. Havia uma angústia que a invadia de forma diferente, quase confortável.

Não sabia explicar, mas olhou o dia cinzento de uma maneira desigual, sem recriminações.

Aceitou, pela primeira vez, sem protestar aquela rotina que lhe era imposta.

Enquanto tomava o pequeno-almoço, pão com aquela detestável margarina e um café com um leite que mais parecia água, olhou os companheiros de todos os dias. Os mesmos gestos cansados e resignados. Os mesmos olhares distantes, vagos e distantes.

De verdade, nenhum tinha pedido para vir para aqui, afinal todos se sentiam depositados como lixo, mas lixo que já não podia ser reciclado.

Mas agora, não sabia porque, as coisas estavam diferentes. Sentia como que uma leveza que a deixava etérea. Uma tranquilidade sem ressentimentos.

Estava, até, disposta a esquecer a maldade que os filhos lhe haviam feito.
Sim, pela primeira vez, estava preparada para os perdoar porque um dia, com palavrinhas meigas, a tinham levado para aquele lar.

Sentou-se no sofá de todos os momentos, procurou no bolso o terço que sempre a acompanhava e foi dedilhando as contas com gestos repetidos milhares de vezes.

Encostou a cabeça, sorriu como não sorria há muito.

Fechou os olhos e partiu tranquila.


4 comentários:

Unknown disse...

OH, Manuel.... triste fim o dos seres humanos... Será que nesse mundo tão moderno e tão rápido em suas mudanças, ainda teremos filhos cuidadno de seus pais? Quando eu era pequena, nem existia isso de mandar os pais pra asilo. Agora, tem de monte.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Manuel
Estou sem palavras, muito triste.


Beijinhos
Sonhadora

Menina do cantinho disse...

Ola!
Esta é infelizmente, uma realidade cada vez mais presente.
Os lares são sem dúvida importantes, temos muitos idosos abandonados pela familia e que ali encontram um porto de abrigo.
No entanto, penso que estamos a generalizar isso a todas as situações, e olhamos para os nossos idosos como se fossem um estorvo.
Haverá final de vida mais triste que esse? E mesmo assim essas pessoas repletas de sabedoria conseguem perdoar as pessoas que nem em pensamento a deveriam deixar lá.

É realmente uma realidade muito triste que deveriamos ter mais atenção.

Beijinhos*

Elaine Barnes disse...

Triste.Porém, lindo sem dúvida.Quando não impomos nossa pr´pria rotina,alguém impõe a gente.Sobre seu comentário, Também nunca ouvi o termo luz parida, confesso que me veio num lampejo ao imaginar o fósforo acendendo a vela,protagonista do texto. rs..Liga não amigo, sou meio maluca mesmo rs... Bjs