segunda-feira, 14 de junho de 2010

A casa à beira mar





Era uma casa à beira mar, bonita mas a precisar de umas boas obras. O tempo, a intempérie e a salinidade tinham-se encarregue de todas as mazelas que apresentava.

Apesar de tudo continuava a ser uma bela casa, amplas janelas rasgadas para um oceano alteroso, onde as vagas num contínuo vaivém deixavam no ar os sons poderosos da natureza.

A casa fascinava-me, não sei explicar muito bem porque, mas havia um encantamento que se colava à minha pele.

Dizem os mais antigos, não sei se è verdade, mas os mais velhos embora enredados pelos sonhos que lhes povoam a cabeça encontram sempre laivos de veracidade nas suas recordações. Mas, como ia dizendo, contam os mais antigos que foi ali que morreu de forma estranha Maria do Amparo.

Era, contam eles, a rapariga mais bonita e alegre que conheciam, cabelos de oiro emolduravam um rosto angelical, onde dois olhos da cor do céu pareciam enfeitiçar quem se atrevia a fita-los.

Era, diziam, linda como os anjos, doce como o mel e radiosa como a estrela polar.
Não havia homem na aldeia que não sonhasse, todos os dias, com a candura daquele sorriso que os levava enlevados.

José da Bernarda, diziam, era o único que parecia prender o interesse da Maria do Amparo mas, por desgraça parecia ser o único que não se mostrava interessado na rapariga.

Os olhos dela, lagos de água cristalinos, capazes de afogar o mais afoito bem se derramavam sobre o homem que o seu coração assinalara como o eleito, mas ele parecia arredado e indiferente aquela paixão que se deixava adivinhar.

Um dia, contam os antigos, a rapariga em rodeios de mariposa pôs a delicada mão no ombro do José e com um sorriso capaz de encadear o Sol e convidou-o para um café.
José com um sorriso delicado, retirou a mão que havia aterrado e pediu desculpa por não aceitar, mas corajosamente explicou que as mulheres não lhe despertavam interesse.

Dizem, os mais antigos, que Maria do Amparo nunca mais saiu de casa e definhou como uma flor arrancada da terra.

Deixou de aparecer e quando foram por ela encontraram o cadáver sentado em frente à janela onde uns olhos já apagados pareciam querer abarcar o mar que ondeava indiferente.

Passaram muitos anos e a casa continua vazia, as paredes sentem as mazelas do abandono e, como dizem todos, a alma de Maria do Amparo continua a encher nas noites escuras a casa à beira mar.


9 comentários:

FERNANDINHA & POEMAS disse...

OLÁ MANUEL, ADOREI ESTE MAGNÍFICO TEXTO...!
VOTOS DE UMA BOA SEMANA... ABRAÇOS DE CARINHO,
FERNANDINHA

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Manuel
Quase não conhecia o teu cantinho, está lindo.
Quanto à lenda, muito bem contada, adorei.

beijinhos
Sonhadora

Sónia da Veiga disse...

Andamos a brincar com o design, hã?!?

E que tal pôr um fundo um pouco mais alegre?!?

Peça um desenho ao netinho e ponha-o como base para o blog para poder ter sempre a boa lembrança dele quando cá vem escrever em vez de ficar soturno com o actual!

Quanto à história, é muito bonita, mas a mocinha escusava de ter desistido assim...
Se aquele não era o seu caminho, devia ter curtido a neura e seguido em frente...

A felicidade está à nossa espera, mas não acena vigorosamente nem fala muito alto - temos que nos esforçar por a encontrar no meio da vida!!! Especialmente com a barulheira das vuvuzelas que mais parecem vacas em cio!!! ;P

Beijinhos!

Gina G disse...

Estranhei a ausência. Tivesse eu um contacto seu e teria mandado mail a perguntar se está tudo bem. :)

Durante a minha adolescência li um livro chamado 'A Rosa do Adro' do qual não lembro o autor e este texto fez-me lembrar a história desse livro.

P.S. Não gosto de ler em blogues de fundo preto, cansa-me por demais os olhos. Devo dizer que entrei aqui ontem já tarde mas deixei a leitura para depois porque devido ao cansaso do dia não consegui ler.
Não é por isso que vou deixar de ler o seu blogue... pois claro. Gosto muito dos seus textos, são claros e revelam grande sabedoria. O Manuel tem uma maneira muito própria de revelar essa sabedoria. E sendo que a sua escrita é muito diferente da minha, é por isso que gosto tanto de o ler.

Cumprimentos

Sónia da Veiga disse...

Está lindo!!!

Lindo e bem adequado ao bom tempo que se passa aqui no blog, como se se passeasse no meio da erva alta, sentindo a brisa suave, vendo os dentes de leão desfazer e voar...

Lindo, lindo, lindo!!!

Assim já sei onde hei-de vir quando precisar d'ânimo!!! ;P

Sandra Gonçalves disse...

Tantos mistérios, tantas histórias, tantos sentimentos, se enclausuram dentro de quatro paredes...
Bjos achocolatados poeta que andou sumido, senti sua falta, some mais não viu?

Unknown disse...

Olá Manuel!

Vim retribuir sua gentil visita e me deliciei com seu maravilhoso texto.

Abraços

Lia♥
Blog Reticências...

Guma disse...

Manuel estimado amigo!
Folgo que esteja de volta.
O seu regresso com este conto / lenda, que nos eleva para patamares de um amor sublime é de extrema candura, porque lhe emprestou o seu dom da escrita escorreita que nos entusiasma em ler com atenção todos os pormenores até ao fim.
Bem-haja e receba o meu sincero e amigo kandando,

Luz disse...

Amigo Manuel,
Mais um belo conto pleno de sentimento e, também desalento, desilusão, desamor... Será que todos temos que sentir assim desta forma tão intensa como o sentiu a rapariga do conto? Valerá a pena viver o que de mais profundo temos em nós desta forma? Não será mais sensato seguir em frente quando outros caminhos se nos abrem ainda que permaneça na nossa memória algo que passou!?
Pois, eu que falo tanto de amor, tristeza, de solidão, de saudade e, tudo o que se assemelhe, mas a verdade é que também há vida, há alegria em mim mesmo no meio das minhas reflexões mais tristes, porque a vida é tudo isto, apenas temos que saber viver com a mesma e, sermos bem resolvidos para assim continuar de bem connosco e, consequentemente com os outros que nos rodeiam e são peças fundamentais na nossa vida, não podemos ter uma visão redutora da vida nem do viver. Há que saber viver com a alegria e com a tristeza, eu vivo com ambas!
Desculpe ter-me alongado, mas tanto podia aqui dizer...

Grande beijinho da amiga Luz