domingo, 23 de janeiro de 2011

Angelina




A morte é velha e gorda
Mas não tem rugas na cara…
(Cristovam Pavia)


Era tão pequeno que ninguém lhe dava a idade que tinha.

Tão magro, que as costelas vincavam a camisa e lhe punham esse ar desajeitado que o tornava tão diferente.

Olhos fundos de um azul tão claro que mais pareciam de água.

A boca era apenas um pequeno traço que parecia suportar um nariz fino e delicado.

Andava pelos 17 anos, ninguém lhe dava mais de 14.

Tinha um sorriso tímido mas tão cativante.

Sonhava ser artista e cantar nos palcos de todo o Mundo.

Sabia de cor as músicas do Elton Jones, do Cat Stevens e do James Brown, que cantava sem sotaque e sem saber uma palavra de Inglês.

As letras entravam na sua cabeça e ai ficavam como se fizessem parte do seu corpo,
palavras que não sabia o que queriam dizer, mas estavam de tal maneiras coladas à sua memória, que saíam como se fizessem parte da sua existência.

As músicas embalavam-lhe a vida e o ritmo batia ao mesmo compasso do coração.

Começava o dia pensando ser um Cat Stevens:

Oh, I’m bein followed by a moons hadow.............And are you gonna stay the misht?
Moonshadw…………..

E terminava o dia como se fosse um James Brown:

Whoooau! I feel good; I knew what I would now!
I feel good…………………………So good, so good, I got you

Pouco tempo depois de fazer dezassete anos a mãe chamou-o ao seu leito de enferma e pediu:

-Filho canta aquela cantiga de que a mãe tanto gosta. Quero ficar com ela nos ouvidos para sempre.

-Mas mãe, gostas de tantas!

-Amadeu, aquela especial que tu cantas muitas vezes para mim, aquela que tem o meu nome.

O som encheu o quarto, do quarto passou para a rua, da rua invadiu a cidade, da cidade alagou o mundo e parecia que todos acompanharam a melodia.



Well, it's always been my nature to take chances
My right hand drawing back while my left hand advances
Where the current is strong and the monkey dances
To the tune of a concertina

Blood dryin' in my yellow hair as I go from shore to shore
I know what it is that has drawn me to your door
But whatever it could be, makes you think you've seen me before
Angelina

Oh, Angelina. Oh, Angelina

His eyes were two slits that would make a snake proud
with a face that any painter would paint as he walked through the crowd
worshipping a god with the body of a woman well endowed
and the head of a hyena

Do I need your permission to turn the other cheek?
If you can read my mind, why must I speak?
No, I have heard nothing about the man that you seek
Angelina

Oh, Angelina. Oh, Angelina

In the valley of the giants where the stars and stripes explode
The peaches they were sweet and the milk and honey flowed
I was only following instructions when the judge sent me down the road
With your subpoena

When you cease to exist, then who will you blame?
I've tried my best to love you, but I cannot play this game
Your best friend and my worst enemy is one and the same
Angelina

Oh, Angelina. Oh, Angelina

There's a black Mercedes rollin' through the combat zone
your servants are half dead; you're down to the bone
Tell me, tall man, where would you like to be overthrown
maybe down in Jerusalem or Argentina?

She was stolen from her mother when she was three days old
Now her vengeance has been satisfied and her possessions have been sold
He's surrounded by God's angels and she's wearin' a blindfold
And so are you, Angelina

Oh, Angelina. Oh, Angelina

I see pieces of men marching; trying to take heaven by force
I can see the unknown rider, I can see the pale white horse
In God's truth tell me what you want, and you'll have it of course
Just step into the arena

Beat a path of retreat up them spiral staircases
Pass the tree of smoke, pass the angel with four faces
Begging God for mercy and weepin' in unholy places
Angelina

Oh, Angelina. Oh, Angelina

Foi um momento de êxtase.

Mágico.

A mãe continuava de olhos fechados e com um sorriso que nunca antes lhe tinham visto.

Acabara de partir, mas com tanta felicidade que o Sol brilhou mais, as aves chilrearam como nunca o tinham feito.

No Mundo, por momentos, não houve maldades, não nasceram crianças deficientes, as guerras pararam como por encanto, a fome foi mitigada na boca de todos os que a sofrem.

A dor desapareceu, não houve cheias, vulcões, maremotos, tufões.

Os maus esqueceram que o eram e sorriram.

Nenhum filho partiu antes dos pais.

Os ditadores proclamaram a democracia.

Os pedófilos amaram como se devem amar as crianças.

Não houve corrupção no futebol.

Nesse dia, dizem, que até o mentiroso, pela primeira vez, falou verdade.

Só ele nunca mais foi o mesmo.

Ninguém mais o ouviu cantar.



7 comentários:

Vivian disse...

Bom dia!!

Belíssimo conto!!!Encheu meu coração de amor e ternura.
Angelina é um nome muito especial para mim, é o nome da minha avó.
Está música eu não conhecia...
Gostei muito!!
Ótima segunda-feira!!

Sónia da Veiga disse...

Lindo!

Mai' nada!

Menina do cantinho disse...

Muito bonito Manuel.
Gostei.

Beijinhos

Sandra Gonçalves disse...

Que lindo amigo...Musica linda e letra linda...Bjos achocolatados

Carla Diacov disse...

Embeveci das vistas! Manquei das faces, orelhas e babas, de novo! Incrível, Manél!!!... Beijos!

Carla Diacov disse...

ah, ...
Estou na campanha do além, buscando visitadas opiniões aqui no nichosdamortaquasemenoria.blogspot.com , onde vitrines tentam indenizar ensejos amortalhados, onde morte é como coisa vivida em finalmente arder, arder até vir a crer...enfim, quando der, apareça, sim!? Ficarei contente do tipo viva e saltitante!
Beijos vivos!

MH disse...

Um conto como este não deixa ninguém indiferente. Gostei e fiquei na expectativa como sempre que passo por aqui.

Continuo vestida, sou uma alma sempre vestida mesmo quando se "despe" :)