quinta-feira, 23 de junho de 2011

O baile





Os homens voltavam do trabalho e os carros puxados pelas bestas cansadas, faziam uma enorme chiadeira nos solavancos das pedras da calçada.

O dia ia, lentamente, desaparecendo no horizonte. A noite adivinhava-se fria, pois o Sol não chegou para aquecer a terra.

Os rapazes e as raparigas da aldeia andavam num frenesim, pois hoje era o grande dia do baile da festa.

Na Sociedade Recreativa a azáfama era enorme.

O conjunto musical, composto por quatro rapazes, afinavam os instrumentos num desafinado conjunto de sons e sopros.

Não tardava os homens mais aperaltados, do que o habitual, iriam mirar as raparigas que a pouco e pouco ocupavam as cadeiras distribuídas ao redor do salão.

As mães, nas filas mais recuadas, estavam atentas não fosse algum rapaz mais atrevido abusar do tesouro que com tanto cuidado guardavam.

Olhei em redor e desde logo fiquei preso numa deusa que sobressaía entre as demais.

Estava na primeira fila. Toda vestida de branco, dum branco tão alvo que se confundia com a leitosa cor da tês. Naquele conjunto só o negro dos cabelos que em suaves caracóis lhe emolduravam a doçura do rosto angelical, punham alguma nota de cor.

Quando o conjunto, num som dissonante, começou pedi de imediato àquela visão para dançar. Enlaçou-se nos meus braços com uma leveza que mais parecia uma pena a deslizar ao sabor de uma brisa. Tinhas uns olhos negros, profundos, como dois lagos que me contemplavam com tanta doçura que as minhas mãos tremiam nas costas de tão suave criatura.

Não era da aldeia, segundo me disse, era da vila e viera de propósito ao baile.

Mas, perguntei eu:

-Quer dizer que depois vais embora e não te voltarei a ver?

-Nem pensar, estarei sempre na terra à tua espera. José Romão é o meu pai e todos o conhecem. Não tarda terei que abalar, à meia-noite alguém me vem buscar.

Encostou-me o rosto que estava gelado. A noite, de facto, prometia ser muito fria.

Tirei o meu cachecol vermelho e cobri-lhe os ombros.

-Amanhã já tenho um pretexto para a ir visitar, vou buscar o meu agasalho.

Sorriu de uma forma tão doce e desapareceu muito rápida no escuro da rua.

Foi uma noite de insónias. A moça não me saia da cabeça e nem sequer lhe tinha perguntado o nome. Mas decerto não seria difícil.

Mal acabei o pequeno-almoço tomei o rumo da vila, ansioso para contemplar aquele sorriso que me deixava tão transtornado.

Era uma jornada rápida, mas o tempo parecia não ter pressa de passar.

Cheguei à povoação. Um homem, à porta dum café, olhava-me curioso.

-Boa tarde, onde mora o senhor José Romão?

-Amigo, vem tarde o Zé Romão morreu, ou fez ou vai fazer um mês. Com ele já não pode

-Mas....eu... propriamente, gaguejei, não queria falar com ele, mas com a filha,
não me lembro do nome.

-Dá no mesmo. O Zé, a Celestinha e a mãe morreram no mesmo desastre. Foi além na curva que vai para a ponte do ribeiro. Como lhe disse deve ter sido há um mês. Foi uma desgraça muito grande.

-Não pode ser! Estive ontem a dançar com a Celeste!

-Alguém mangou consigo, amigo. Mas vá além ao cemitério e vai ver três campas novas ao fundo da vereda, tem lá as fotografias.

Agradeci, ganhei coragem e fui, e lá estavam as três campas.

Não precisei de ver mais nada.

O meu cachecol vermelho estava estendido em cima da pedra, junto a uma foto esmaltada da Celeste.

Não olhei para trás, entrei no carro e desapareci na curva da estrada.

Nunca mais danço com estranhas



8 comentários:

chica disse...

Prendes a atenção dos leitores até o fim.Lindo e triste final... abraços,chica

Jacque disse...

Amigo Manuel... Obrigada pela visita...
Gosto muito de Chopin...

Bom Fim de Semana

Vivian disse...

Ah!Manuel!!

Não tens ideia de quanto gosto destes contos!!!Estas histórias me prendem e fascinam, minha vó me adorava nos assustam quando pequenas com as histórias de assombrações...apesar do medo, não conseguíamos deixar de ouvir e pedir mais!!!
*Mas bem que me pegou direitinho...já estava pensando que teria um final feliz!!rsrsr
Mas o final surpreendente , ficou perfeito!
Adorei!!Bom final de semana pra ti!

AFRICA EM POESIA disse...

Manul

è bom sentir a tua presença e ver o bonito com que me tratas a mim e à minha poesia.


encontro a caminho da Hungria para umas férias curtas mas que vou tentar aproveitar.

Um beijo

SOL da Esteva disse...

Manuel

Um Conto destes tem a especial referência ao Amor e ao sobrenatural.
Prende até se chegar ao imprevisto final.
Muito bela trama. Muito bem contado. Soberbo!

Abraços

SOL da Esteva
http://acordarsonhando.blogspot.com/

Magia da Inês disse...

✿ • ˚.
Kkkkkkkkkkk!!!
Desculpe-me amigo, é muito engraçado... só você mesmo... muito criativo!...
✿ ˚ •.
°. ✿ ° °.
● / ✿
/ ▌
/ \ Beijinhos. ✿
˚. ✿ Brasil

Guma disse...

Olá Manuel, estimado amigo.

Nos bailes de aldeia, quando pedia a uma moça para dançar, na medida do possível, aos poucos ia dirigindo o pé de dança para o meio da pista, na tentativa de os olhares fiscalizadores dos pais não atrapalharem. Mais que uma música com a mesma menina era demasiado notório, pelo que se tinha de gerir bem as coisas até ao final da festa.
Sorte minha nunca ter dançado com tão volátil mocinha. Ou talvez não... Uma experiência destas se calhar não é de se perder!

Gostei muito Manuel. Diverti-me com esta estória muito bem narrada e com seu cunho muito pessoal.

Venho trazer-lhe um kandando amigo, desejar-lhe um óptimo fim de semana e os votos que da mesma "gaveta" venham mais umas.
Inté...

Menina do cantinho disse...

Mais um final surpreendente. Adorei como sempre. Beijinhos