terça-feira, 8 de maio de 2012

A missão









Bom dia senhor Marques!

Foi mais ou menos assim que começou, ou parece ter sido, porque ninguém pode ter a certeza.

A verdade, a bem dizer, é que o Senhor Marques era muito rigoroso nessas coisas de cumprimentos pois, dizia ele, pela maneira de cumprimentar nós podemos avaliar da educação das pessoas.

Mas isto é apenas retórica, pois a questão assenta em princípios muito mais sérios e que, na verdade, não pudemos abordar aqui.

Pois a senhor Marques gostou da forma clara e franca daquele Bom Dia e, isso foi o suficiente para olhar com simpatia o homem que se apresentou na sua frente.

Era alto, elegante, com ligeiras entradas que lhe davam um ar de respeitabilidade. O fato azul assentava-lhe como uma luva e a gravata grená realçava a brancura da camisa. Os dentes não estavam, propriamente, no melhor estado o que era uma pena, pois seria, talvez a única coisa que destoava no conjunto.

O senhor Marques aprovou, gostou da apresentação, da postura e sobretudo da educação.

- Mas balbuciou, o senhor Marques, como sabe o meu nome?

O personagem afivelou o melhor sorriso, fez uma leve inclinação de cabeça antes de responder:

-Foi o chefe que me indicou o senhor.

Bom, sendo assim é porque o assunto é importante e de grande respeitabilidade, pensou o nosso homem.

Se o tenente Desidério, era esse o nome do chefe da esquadra, o indicou decerto era importante, havia que dar atenção.

O senhor Marques era um conceituado comerciante no ramo dos secos e molhados e, agora tinha enveredado pela linha gourmet, com um estabelecimento nas avenidas novas.

Loja de grandes montras espelhadas e prateleiras onde o presunto pata negra se encontrava alinhado com as alheiras de caça, as trufas faziam companhia ao foie gras de pato, as garrafas do Porto Vintage faziam parceria com o champanhe Dom Pérignon assim como outras iguarias, a que só alguns, muito poucos, tinham acesso.

Mas, penso eu, já me estou a desviar do cerne da questão, pois o que interessa é a chegada desse personagem que de forma tão delicada conquistou a atenção do senhor Marques.

Olhou, atentamente, a figura antes de perguntar:

-Mas afinal qual é a sua graça?

Bom, balbuciou, antes de responder:

-Trate-me por Álvaro, apenas Álvaro!

O senhor Marques não gostou do nome, trazia-lhe más lembranças, vinha-lhe à memória um tipo que o tinha enganado, e bem enganado.

Mas, pensou, nomes são nomes e não são eles que fazem as pessoas e este tipo parecia de linhagem, bem vestido, educado, bem-falante e além disso conhecido do Desidério, colega da escola e companheiro de armas.

Enquanto cogitava nestes pensamentos, ia olhando de lado o tal Álvaro que, como por encanto aqui lhe apareceu enquanto gozava uma nesga de sol, neste domingo, na esplanada do Café “O Rodopio”.

De verdade não lhe apetecia muito qualquer palratório, não estava voltado para conversas de negócios num dia de descanso, mas se o 
Desidério o mandou não podia fazer desfeitas, o amigo não merecia.

Olhou mais uma vez e pensou que o homem tinha pinta.

Apontou-lhe uma cadeira antes de dizer:

-Então continua ai de pé, porque não se senta?

Puxou a cadeira, passou a mão para certificar que estava limpa, arregaçou levemente as calças deixando ver umas meias pretas com uns vivos da cor da gravata, só depois se sentou.

Bem, pensou o senhor Marques, porra que o gajo até nas meias tem estilo, um pouco amaricadas mas com classe.

Estendeu as pernas, não por descortesia mas somente porque as articulações, por vezes, já lhe iam dando indicações de algum desconforto. Estalou os nós dos dedos, sinal que estava nervoso, mas o aparecimento do homem deixou-o um pouco desconcertado, não sabia porque, mas a verdade é que o deixou.

-Disse senhor Álvaro, não foi?

-Para os amigos apenas Álvaro, disse com um sorriso o visitante.

Era uma situação caricata, dois homens desconhecidos, sem jeito, tentando não se olharem directamente, palavras desarticuladas e sem sentido.

-Mas, disse o senhor Marques, afinal o que tem para tratar comigo?

Álvaro coçou o sobrolho e denotou alguma preocupação.

*****

Entrou num mundo de cogitações, os pensamentos acotovelavam-se dentro do cérebro sem saber descortinar o que se estava a passar.

Nunca foi um homem acanhado e muito menos de medos, mas as coisas imprevistas deixavam-no um pouco perturbado, sem raciocínio e numa total descoordenação de ideias.

O que lhe podia dizer agora? Nada preparado para esta situação, apenas para dar sequência a uma situação pré-programada, agora assim o que ia dizer a este humano?

Roeu a unha do indicador direito. Estava desconfortável, não se tinha preparado para isto, este Senhor Marques era um pouco desconcertante.

O chefe disse-lhe que era a primeira missão e, ele, pensou que estava tudo preparado. Mas não!

Levantou-se da cadeira e com a mesma cortesia, pigarreou antes de dizer:

-Bom hoje, acho, que não tenho tempo para continuar, volto noutro dia.

O Senhor Marques tentou dizer alguma coisa mas não teve ocasião, a figura desapareceu travessa abaixo, como um personagem que se vai esbatendo num horizonte longínquo.

O tipo deve ser maluco, pensou, não joga de certeza com a bola toda. 

Amanhã vou falar com o Desidério pois ele é o culpado disto tudo.

***********************

O senhor Marques começou a sentir frio, um frio intenso, tentou levantar-se da cadeira mas, estranho, não conseguiu pousar os pés no chão, levitou, começou a elevar-se e a subir.

Não sabia mas tinha acabado de morrer.

********************************

Álvaro apareceu e pegou-lhe na mão e, suavemente, encaminhou-o para aquele túnel de luz que se abria na sua frente

Afinal conseguira.

Tinha acabado de cumprir a sua primeira missão.











19 comentários:

Laços e Rendas de Nós disse...

Manuel

Às vezes somos colhidos pela surpresa da Vida e da Morte.

Muito bem estruturado este conto, aliás como o Manuel já nos habituou.

Este é o meu novo visual. Deixei para trás a acácia. Estávamos um pouco fartas uma da outra. Vou ficar um tempo numa espécie de limbo e depois logo se verá. Faltam-me as palavras.

Mas virei lê-lo sempre. Ainda em nome da acácia rubra um bem-haja pela companhia e amizade e força que, sem saber, me foi dando.

Com muito carinho, um beijo

Laura

rosa-branca disse...

Olá Manuel, bem meu amigo volto a repetir que este final foi de mestre e quem ficou com o frio fui eu. Ainda bem que não recebi a visita de nenhum Álvaro, senão lá se concluía mais uma missão. Adorei meu amigo e sabe que adoro lê-lo. A minha avó dizia-me muitas vezes, que cada qual é para o que nasce e o meu amigo nasceu para a escrita. Boa semana e beijos com carinho

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Manuel

Eu bem digo sempre que é uma pena estes escritos ficarem na gaveta...fico sempre desconcertada com os finais inesperados que arranjas.PARABÉNS é só o que posso dizer.

Beijinho com carinho
Sonhadora

Flor de Lótus disse...

Oi,Manuel!Obrigada pelas suas palavras e carinho de sempre.Tão bom receber esse carinho do outro lado do Atlântico,mas que parece tão pertinho.Esse é com certeza o anjo, entidade ou sabe lá o que mais temido, e mais cedo ou mais tarde ele virá nos buscar.
Beijosss

Anónimo disse...

Manuel,
vc é a pessoa mais doce do mundo!!!!!!
Depois volto para comentar o texto viu?!!!!!
Bjssssssssssssss

Sónia da Veiga disse...

É sempre bom quando alguém nos leva pela mão nas caminhadas mais difíeis!

Muito bonito Manuel e, como sempre, inesperado! :-)

Beijinhos e bom fim de semana! :-D

Unknown disse...

As surpresas da vida.
Algumas mais bem vestidas, escolhendo trajes finos e de grande delicadeza.

As apresentações nem sempre serão nossas conhecidas.
Quando menos se espera e com o sonho a comandar o dialogo acontece a partida e inicia-se um novo ciclo.

Menina do cantinho disse...

Bem, com um final destes é que eu não contava.
Vou estar atentas aos Álvaros que aparecem naminha vida. Nunca se sabe a missãoque trazem ehheh

Beijinhos e bom fim e semana

chica disse...

Nooooooooooooooossa! Que final surpreendente.Eu estava indo bem atenta por outro caminho, imaginando o que haveria de vir...

Maravilha teus contos! Sempre um prazer te ler. Sabes que quando te vejo chegar, já salvo o link e só quando tenho tempo de degustar leio!

abração,lindo fds!chica

Magia da Inês disse...

Cheguei a pensar que o tal Alvaro era um bandido, mas a morte!?
Bom fim de semana!

¸.•°`♥✿⊱╮
❤♡
BOM DOMINGO!!!

Beijinhos.
Brasil
°º °♫♫♪¸.•°`

Laços e Rendas de Nós disse...

Começo hoje um continuar de estar e, por isso, não tem linhas demarcantes este meu novo blogue.
Talvez olhe, muitos dias, para a velha acácia do ontem e para as suas flores e sinta a saudade do céu azul, rendilhado de tons vermelhos, e do sussurro distante do mar, do meu...
Estou aqui, assim... em http://quem-es-que-fazes-aqui.blogspot.pt/ mais uma vez.

Beijo

Laura

Anónimo disse...

Como sempre um belo conto, Manuel.Que o Álvaro demore a nos encontrar... rs

Beijinhos e bom fds.

Flor de Lótus disse...

Olá meu caro amigo!Passando aqui para desejar-lhe um ótimo começo de semana!
Beijosss

Vivian disse...

Olá,Manuel!!

Puxa,meu amigo!!!Um conto impactante!!Tuas histórias sempre surpreendem e causam grande emoção!
Beijos e meu carinho!!!
*Estive ausente porque minha filha pegou uma virose(não passou bem da barriga...), e depois meu filho pegou também...estão melhorando.

Smareis disse...

Olá amigo,
A vida tem cada surpresa.
O final me surpreendeu.
Grande abraço e ótima semana.

BlueShell disse...

Homem...que me apanhaste de surpresa...previa todos os finais exceto este. Esta ainda a gozar o rmenor das meias...e a pensar que, também eu, tenho dores nos joelhos...quando me morre o Marques??? Assim, de súbito..sem que nada o fizesse prever...surpreendeu-me...mesmo! Mas foi muito bem rematado! Sim senhor...GOSTEI!!!

E é assim...quando a gente menos espera..."puff"...lá está o "tunel"!
Porra...acho que vou ficar deprimida!!!

Obrigada, Manuel..por este momento de leitura e ...posterior reflexão!
BEIJOOOSE!!!

Isabel /blueshell

BlueShell disse...

Já ia no estado do Texas...quando me lembrei que me tinha esquecido de dizer que GOSTO IMENSO do Josh Groban...especialmente desta música cuja letra tem uma mensagem lindíssima...
Obrigada por isso também.
BShell

Unknown disse...

Manuelamigo

Uma missão é uma missão e só no final é que se sabe se era assim ou se era assado. Mais um excelente texto - e o resto são cantigas.

Álvaros há muitos, como os chapéus. Mas... este será aquele que? Oxalá não.

Abç

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Manuel

Passando para agradecer o teu carinho e deixar um beijinho.

Sonhadora