segunda-feira, 28 de abril de 2014

Uma Valsa











Perdi, um pouco, a noção das horas. Ouvi as badaladas do relógio, da Igreja, mas os pensamentos desviaram-me a atenção e perdi-lhe o conto.
Olhando a tonalidade da luz, que entrava pela janela, pensei, que deviam ser 11 horas, ou talvez mais, acordei tão tarde que perdi a noção do tempo.
Nem sempre foi assim, antes, era como o galo da manhã, ainda o Sol estava escondido no horizonte e já, eu, andava dum lado para o outro, mexendo aqui, remexendo além, numa falsa actividade, como dizia o meu pai.
Agora tudo mudou, não por querer, mas a vida pregou-me uma partida, digo que foi a vida mas a minha imprudência foi a principal culpada.

Como todos os dias, quando saía da faculdade, vinha naquele ziguezagueia por entre os carros, aproveitava todo os espaços e ia escapando habilidosamente à confusão, sempre me saia bem, chegava cedo a casa, e ficava com tempo para preparar os trabalhos, encontrar-me com os amigos, no café do Chico Inácio, para uma alegre cavaqueira.

Um dia, estava escrito, dizia a minha mãe, as coisas não correram da mesma maneira, a chuva foi pouca e as ruas eram autênticas ratoeiras, eu que o diga, a curva foi além do que imaginava e as rodas da mota descontrolaram, fui jogado violentamente contra o passeio, o capacete que devia estar no sítio certo, ia enfiado num braço, e foi a cabeça que embateu, com violência, na esquina do passeio.

Para mim, acabou tudo naquele momento, acordei passados três dias numa cama, que não era a minha e num quarto que não conhecia. Numa total confusão de tubos e tubinhos que me mantinham agarrado às máquinas, onde luzes mostravam gráficos que eu não entendia.

Do meu lado uma voz trouxe-me à realidade:

-Então Fernando, vamos acordar?

Era um médico ou enfermeiro, pela bata, mas tinha um sorriso lindo!

-Há quanto tempo estou aqui? Perguntei.

Olhou aqueles gráficos, com um ar de conhecimento, antes de me responder:

-O importante é que estamos, aqui, a falar e ontem ainda não tinha a certeza de que isso seria possível. Agora vai ter visitas da família, só uma de cada vez, elas vão contar-lhe como tudo aconteceu.
*********

Foi difícil, parece que tive um acidente, não muito aparatoso mas grave, bati com o pescoço e a cabeça na esquina do passeio.
Não me lembro de nada, total escuridão no meu pensamento.

Estive três dias em coma, acordei sem a noção de nada, sem recordações e, o pior, sem sentir o meu corpo.

***

Estou há oito meses no hospital, vou sair hoje melhor do quando entrei, diz o meu irmão, entrei inconsciente, de maca, vou sair consciente, numa cadeira de rodas.
Não é bom, mas ele tem razão, entrei muito pior.
Vou ter uma grande luta pela frente!

****

Agora ouvi bem, é meio-dia, foram 12 sonoras badaladas do velho relógio da Igreja. Esta minha impaciência é porque às 4 horas, da tarde, chega a Susana, a minha fisiatra, a mulher das mãos mágicas.

A Susana é da equipa de fisioterapia do hospital, é linda e de uma paciência que a torna especial, durante oito longos meses, todos os dias, as suas mão fizeram milagres, com os dedos, longos e delicados, procurava e estimulava os meus nervos e músculos, movia de forma suave e cautelosa as articulações, que teimavam em estar rijas e insensíveis.

Quando saí, do hospital, os meus braços já tinham recuperado toda a mobilidade, as pernas é que não respondiam aos apelos do cérebro.

Fiquei de voltar, semanalmente, para continuar a recuperação mas, os meus pais, queriam mais e contrataram a Susana, para diariamente, tratarem da minha recuperação e em boa hora o fizeram.

A minha sensibilidade é diferente, já reajo a alguns estímulos e, bem amparado, já consigo ficar de pé, por curtos momentos, mas é uma enorme vitória, da Susana e também, da minha vontade.

Diz, ela, que para o ano posso voltar à faculdade e, está esperançada, que dentro de três anos possa deixar a cadeira de rodas.

Eu acredito intensamente, quero acreditar!

***

Ouvi bem, é meio-dia, faltam 4 horas e estou impaciente.

A Susana, é de uma beleza muito especial, não tem nada que se realce, é uma comunhão perfeita. Os olhos são doces e com uma suavidade que nos prendem e não pudemos deixar de os fixar, a boca, pequena, tem um recorte que a torna especial e os cabelos fulvos caiem, sobre os ombros, em suaves canudos.

Não sei o que outras pessoas pensam mas, para mim, é a mulher mais bonita que alguma vez conheci.
Além do mais, é terna, suave no falar, paciente e com uma doçura que a tornam especial. Já sei que vão pensar que sou, uma espécie, de aluno apaixonado, pela professora, mas juro que não,  ela é mesmo especial.
Mas tenho que guardar todos estes pensamentos, a cadeira de rodas prende-me e  não deixa libertar tudo o que o meu coração sente.

Chegou, ainda não eram 4 horas, tirou o casaco e vestiu uma bata, como sempre o fazia, com um sorriso lindo incitou-me:

-Vais tentar, sozinho, levantar da cadeira, não tenhas receio estou aqui para te amparar.

Foi difícil, mas consegui!

Ajudou-me a estender na mesa, que servia de marquesa, e com um belo sorriso exclamou:

-Boa! És formidável! Que perseverança e coragem, tenho a certeza que, em três anos, vais recuperar totalmente!

Devo ter perdido a cabeça, mas foi mas forte que a minha vontade e, o pensamento, saiu-me boca fora:

-Só espero que, nessa altura, estejas descomprometida, para eu me poder candidatar a conquistar o teu coração!

Depois corei e senti, mesmo, umas lágrimas rebeldes a escorrerem no meu rosto. Só consegui proferir:

-Desculpa Susana, sou mesmo parvo!

Continuou, em movimentos suaves, a fazer o meu pé articular. Parecia não me ter ouvido, o que me deu algum sossego, mas ouviu e bem, estava apenas a coordenar as ideias.

Levantou os olhos e com a mesma doçura de sempre apenas me disse:

-Sabes uma coisa Fernando, enquanto pensares assim não te recuperas. És um homem maravilhoso, qualquer mulher, incluindo-me a mim, ficaria orgulhosa em te ter como companheiro! O meu coração já o conquistastes, há muito!

Ouvi sinos dentro da minha cabeça, as pernas pareciam ter força para pularem de alegria, não arrisquei, mas os meus olhos agora deixaram cair todas as lágrimas, de alegria, que há muito tinham desaparecido.

*******

Vamos casar! Estão todos convidados, apareçam no domingo, pelas 13 horas, na pequena Igreja da nossa paróquia, venham assistir ao meu casamento e da Susana.

Vai ser uma cerimónia linda, vamos entrar ao som da valsa nupcial, de Mendelssohn, foi a Susana que escolheu.
Vou na minha cadeira de rodas, a minha noiva vai a empurrar mas, um dia, vou voltar pelo meu pé, bem agarrado ao braço da minha mulher.

Prometo!
Vá lá! Não faltem, espero por vós!

Quero compartilhar, com todos, a nossa felicidade!



15 comentários:

Janita disse...

Ah, agora vi melhor o título e entendi.

"Uma Valsa"! Na verdade gosto de dançar a valsa, mas actualmente prefiro a salsa.
No tempo do filme "Sissi" é que eu a dançava bem. Agora está um pouco démodé, mas não deixo de achar que não há festa de casamento em que não entre uma valsa de Strauss.
Domingo, falamos! :)
Para o Fernando um grande abraço de felicitações.

Manuel disse...

Janita deixou um novo comentário na sua mensagem "Uma Valsa":

Eu lá podia faltar a uma cerimónia tão linda e emocionante? No Domingo por volta do meio-dia já lá estarei na Igreja dessa Paróquia. Vou uma hora antes para ficar lá bem na frente do altar e não perder pitada da troca dos vossos juramentos nupciais.
Gostaria muito de ter sido convidada para madrinha, mas não se pode ter tudo.
A Marcha Nupcial escolhida pela noiva é linda!

Só há aqui um pequeno pormenor que me está a escapar! Porquê "A Valsa"?
No Domingo, durante o copo-de-água, vai explicar-me tudinho!

Já sei que vou chorar...


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Publicada por Janita em navoltadotempo a 28 de Abril de 2014 às 22:47

rosa-branca disse...

Amigo Manuel, fiquei emocionada com esse conto belo e maravilhoso. A música é linda. Adoro dançar a valsa. Beijos com carinho

Sónia da Veiga disse...

Há lista de casamento?
É que não quero aparecer sem prenda! ;-)
ADOREI!!! E sei que o Fernando vai conseguir!!!
Beijinhos e boa semana,
Sónia

São disse...

Desconhecia esta peça musical!

Que o amor seja duradouro e que o noivo se erga e ande por si o mais rapidamente possível...

Bons sonhos

chica disse...

Que lindo e que os noivos sejam felizes e ele, caminhe,fique bem! abração,chica

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

emocionante e muito bem narrado.

o final não foi tão imprevisível como os outros contos.

gostei!

;)

Magia da Inês disse...

.°º。✿✿° ·.

Isso prova uma coisa: os limites estão na nossa cabeça... devemos sempre lutar para ultrapassá-los.

Bom fim de semana!
Ótimo mês de maio.
Beijinhos.
Brasil..°º。
✿✿° ·.

SOL da Esteva disse...

Um Conto, uma História, uma Vida. Que são três anos a percorrer, com Amor? Ninguém desiste numa situação destas.
É um Conto com "miolo" dentro. Algo previsível, mas com ternura misturada.
Bom final.


Abraços


SOL

Smareis disse...

Olá Manuel
Uma história linda e muito bem construída, fiquei emocionada com os detalhes.
Adoro valsa, mais não sei valsar muito bem risoss.
Que a felicidades do noivos seja completa e duradoura, e que o desejo do noivo em caminhar por si seja realizado logo.

Deixo um abraço!
Ótima semana!

vieira calado disse...

Interessante, a música.
E o texto, claro!
Um abraço!

Unknown disse...

Manelamigo


Como certamente já sabes, estou (infelizmente…) de volta a este vale de lágrimas em que os criminosos que dizem que nos governam reina a felicidade e até consegui(mos?)ram uma saída limpa (???) depois de quase três anos de sofrimento, de penúria, de pobreza e de resignação. Somos assim, masoquistas, gostamos de levar na cabeça, que raio de vida e de estar de cócoras.

Goa ficou para lá voltar no próximo ano. Entretanto, estarei por cá e tentarei ir acompanhando, como habitualmente faço, este teu blogue. E, sempre que possível, comentando. Mas, hoje, ainda não comento…

Abç

Unknown disse...

Boa amigo. Sempre apaixonado e cativante.
O Domingo chegou ao fim e eu não fui ver, mas tenho a certeza que estiveram lá muitos curiosos e muitos outros que aceitaram o teu convite.
Aceita um abraço e votos de uma excelente semana.

Bloguinho da Zizi disse...

Ah caro amigo! És especial!
Até lágrimas tiraste dos meus olhos.
Tens o dom!
Beijinhos

AFRICA EM POESIA disse...

Manuel meu amigo.. perdoa o silêncio...


volto para dizer
A quem mesmo longe

foi visitando o meu blogue

Obrigada, senti a força e
E o abraço!...

Um beijo e muita amizade