domingo, 19 de outubro de 2014

A Vida - Parte 4











-Não te preocupes! Agora já podes ir de férias para o Algarve.

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Talvez fosse influência do dia, chuvoso e com muito frio à mistura, mas Albino olhou pela vidraça e pensou que se não fosse a reunião com o presidente do Banco de Nova York, hoje de manhã, não ia por os pés na rua.

O que lhe apetecia, verdadeiramente, era um pouco de liberdade, esquecer reuniões em que apenas se discutiam formas de aumentar os lucros, de conseguir mais dividendos para distribuir pelos accionistas, não interessava como, apenas interessava o resultado.

Foram anos difíceis, mas apesar de tudo tinha saudades, do cheiro das bolos quentes que chegavam em grandes tabuleiros de lata, e do ar circunspecto do senhor Jerónimo, entre as portas do armazém, com dois dedos, de cada mão, enfiados no cinto ia espiando cada momento, nada escapava ao dono da pastelaria. Passados todos estes anos tinha a certeza de que, aquele homem, que apenas estudou na cartilha da vida era um dos maiores gestores, com quem alguma vez se cruzou e já, foram muitos.

Mas, isto, eram apenas cogitações pois o motorista já o esperava à porta, com um enorme chapéu-de-chuva, para o conduzir à viatura.

A reunião  foi um acertar do que já há muito tinham estabelecido, nada de novo nem de especial, apenas um partir pedra para justificar os acordos e mostrar, através da imprensa, que estavam a trabalhar para bem do povo. 
Ninguém já acreditava mas insistir é bom, pois a população, depois de tanto os ouvir acaba por ir acreditando. Mas podia dizer que correu bem, pelo menos, foi o que disse à imprensa.

*****

Albino andava um pouco deprimido, tinha tudo, estatuto, dinheiro e poder, muito poder, mas faltava-lhe aquilo que nunca, verdadeiramente, teve e sempre desejou para se sentir realizado. Amor, carinho e afecto apenas faziam parte do seu vocabulário, mas nunca os sentiu e tanta falta lhe tem feito.

O motorista deixou-o à porta do apartamento, a chuva tinha parado e o Sol, muito timidamente, tentava espreitar por entre as nuvens.

Albino não lhe apetecia ir para casa, estava abatido, havia uma nostalgia que não sabia explicar, a cabeça fervilhava de recordações, daquela casa onde abriu os olhos para a vida, da professora que tanto acreditou nele, do mestre Crispim, de plaina na mão, a acertar madeiras e, muito no senhor Domingos, homem de coração grande, que entre garrafões de lixívia e latas de limpa metais, ainda arranjava tempo para dar atenção a um miúdo que passava perdido na vida. Ainda hoje guarda,  com muito amor, um lápis Viarco como se fosse uma preciosa relíquia.

Eram recordações, pedaços de vida que o alimentavam e faziam dele, aquilo que agora era. Frio, astucioso, sem sentimentos mas, no fundo, tinha um coração enorme pronto a desfazer-se em afectos se, o Senhor das Coisas, lhe desse uma oportunidade.

Pensou ficar em casa em cogitações, a por em ordem o turbilhão de remorsos, recordações, frustrações mas, não podia, tinha um compromisso de marketing político que o obrigava a dar a cara.

O Instituto a que presidia, por indicações da tutela, ia atribuir 12 bolsas de estudo a jovens universitários.


*****

Joana jurou que não iria verter uma lágrima.

Ia ser diferente, já era muito bonita ia tentar ser ainda mais, era elegante mas ia realçar, melhor, todos os atributos, os homens já a olhavam com cobiça, pois iam olhar muito mais.

Não podia dizer que ficou indiferente, ela gostava do Maurício e pensava que os sentimentos eram recíprocos, mas afinal ele era volúvel, não sabia esperar até que, a confiança mútua, os fizesse ir até onde ele desejava. Ela tinha razão, o gostar dele, não era amor, era apenas desejo.

Sabia que, na faculdade, era natural cruzarem-se e não queria demonstrar fraqueza, iria passar indiferente, sem raivas, sem palavras azedas, sem emoções, como se tivessem sido apenas dois amigos que se conheceram mas, que tinham gostos e objectivos diferentes.

*****
Maurício não queria acreditar, as coisas aconteceram, quase sem ele dar por isso. Encontrou, por acaso a Lisete que o convidou para um café, porque eram amigos.

Ela começou numa de sedução e deixou-se ir, nunca imaginou a namorada por ali. Agora sabia que nada havia a fazer, conhecia a Joana e tinha a certeza que, nunca o ia perdoar, mas ia tentar.

*********

Joana andava preocupada, tinha um trabalho de, microbiologia, para preparar, mas a cabeça não a deixava descansar.

Foi o acabar do namoro, custou um pouco, afinal ainda foram, quase dois anos, sabia das dificuldades dos pais para a manterem na faculdade, e o part-time que desejava estava difícil. O pai dizia para não se preocupar mas, tinha a certeza, que andavam a fazer muitos sacrifícios.

A mãe continuava distante, parecia que os problemas, para ela, não existiam.

Ainda ontem, sentou-se no joelho e perguntou-lhe:

-O que achas se eu desistir do curso e procurar um emprego? É muito pesado, para vós, e eu não os quero ver preocupados!

Sorriu, a mãe sorria sempre, segurou-lhe a mão com carinho e disse-lhe:

-Continua os teus estudos, o dinheiro aparece sempre, não te preocupes!

Depois voltou para o seu mundo de pensamentos.


*******

Ontem quando ia a subir o carreiro que leva ao laboratório, viu ao longe o Maurício, conheceu-o por aquela maneira de puxar, com os dedos, os cabelos que lhe caiam na testa. Ficou satisfeita e não ficou muito perturbada.

No átrio, alguns colegas, pareciam muito curiosos com um aviso afixado na vitrina, Ia espreitar.

Era importante, o ISSERS tinha, 12 bolsas de estudo, para atribuir e indicavam o site e o endereço onde estavam as condições para candidatar. Nunca tinha pensado nisso, mas era uma forma que a podia ajudar, era boa aluna, boas médias e com uma família com rendimentos modestos. 
Hoje mesmo ia consultar e fazer tudo o que fosse necessário. Melhor, amanhã tinha tempo, ia em pessoa ao Instituto.

Não disse nada em casa, também não valia a pena, já sabia, A mãe ouvia abanava a cabeça, sorria e não dizia nada, o pai fazia um ar triste, ficava com os olhos com reflexos de lágrimas e, tal como a mãe, também nada dizia.


******


Manhã cedo foi a caminho do Instituto, queria saber tudo, como se podia habilitar à lotaria de uma bolsa, não estava com muitas esperanças, nunca teve muita sorte mas, como dizia alguém, tentar não custa nada.

Boa surpresa, foi atendida por uma doutora Cândida, simpática, competente e muito prática e, importante, gostou dela.

Deu-lhe todas as indicações e muitas esperanças, alias, achava que merecia conseguir uma das bolsas.

Terminou com um conselho em ar de confidência:

-És muito simpática, vai tratar do teu processo e vem ter comigo, prometo dar uma palavrinha ao Doutor Albino Malcata, que é o presidente.

Joana pensou, que finalmente, um raio de esperança se tinha cruzado no seu caminho.
***********


Era quinta-feira, um Sol tímido parecia querer romper uns cirros, de nuvens, que se vislumbravam no horizonte.

Joana caprichou na apresentação, vestiu a melhor roupa que tinha, amanhou o cabelo de forma a fazer realçar a beleza e frescura do rosto. Não usava muitas pinturas, apenas uns leves retoques nos olhos para dar mais realce ao seu brilho.

Não era muito vaidosa, nem precisava, mas hoje estava muito em jogo.

********

Quando chegou ao Instituto ficou, um pouco, preocupada, a doutora Cândida, estava a despacho com o senhor presidente. Se ia demorar? Não sabiam, podia ser meia hora ou, até toda a manhã.
Se quisesse podia esperar ou, então, alguém a iria atender. Ia esperar o tempo que fosse necessário.

Teve sorte, cerca de 40 minutos depois a doutora Cândida saiu, reconheceu-a, deu-lhe um beijo e perguntou:

-Tens tudo em ordem? Espera um pouco que estamos, quase, a acabar.

Pegou numa pasta esverdeada e, voltou, a desaparecer no gabinete.

Mais 20 minutos e saiu acompanhada de um senhor, por sinal muito jeitoso, que a cumprimentou com um leve movimento de cabeça.

A doutora Cândida aproveitou:

-Esta jovem é minha amiga e vem apresentar o processo a uma bolsa do programa "Oportunidades" do ISSERS.

-Então,  Cândida, trata de tudo e se estiver em ordem eu quero, depois, falar com a menina....não sei o nome!

-Joana! Respondeu, corando até às orelhas.

-Fique descansado senhor Presidente, eu trato.

Joana estava fascinada o senhor, sabia agora, era o Dr. Albino Malcata.
O presidente!

A doutora Cândida deu-lhe dois beijinhos e, à laia de despedida, segredou-lhe:

-Vai tranquila o senhor doutor mostrou interesse, o que não é normal!

********

Foi de coração acelerado, a imagem ia com ela, que homem tão diferente de todos os que conhecia.


Distinto, educado e tão bonito.

Teve que dizer para ela própria "Joana tem juízo!"





 Vou tentar abreviar antes que se torne chato, muito chato.










18 comentários:

Unknown disse...

Poisé, poisé...Tanta coisa...Muitos sonhos. Pode ser que consigas resumir ou talvez prolongar um pouco mais.
Desejo uma boa semana.

dilita disse...

Olá Manuel

Não tenho conseguido colocar comentários, porém insisto.

O seu conto cada vez me prende mais.
Espero que ainda esteja longe do fim...
Abraço.
Dilita

chica disse...

Chato? Não mesmo! estamos gostando.Continua!! abração, linda semana! chica

Unknown disse...

Manuel, dizer que está ficando chato deve ser desculpa porque estás com preguiça (risos). Nada disto, trate de deixar esta preguiça de lado e continuar logo este conto que está a nos encher de curiosidade com o destino destes personagens tão interessantes.
Pode acreditar, amigo, teu conto está excelente, digno de uma maior publicação. Tu sabes que tens o sangue de escritor a correr nas veias, portanto, nada de desânimo nem de imaginar desculpas para correr e terminar logo a história.
Ainda mais agora que o destino dos personagens estão a se entrelaçar.
Desculpe, amigo, pelas brincadeiras, mas bem sabes que ao leitor tudo é permitido, desde que haja respeito, principalmente quando a admiração pelo autor é tão autêntica.
Que te cheguem sorrisos iluminados de estrelas nesta semana que se inicia e que as alegrias venham enfeitar as horas dos teus dias.
Helena
(http://helena.blogs.sapo.pt)

Bell disse...

Continue queremos mais =)

São disse...

Chato?? Li bem?!

Boa semana :)

Unknown disse...

Então também fez anos dia 15 de Outubro.
Desejo-te muitas felicidades e longa vida com saúde e muitas alegrias.
Já tomei nota para te felicitar no próximo ano.
Um abraço.

Unknown disse...

Então também fez anos dia 15 de Outubro.
Desejo-te muitas felicidades e longa vida com saúde e muitas alegrias.
Já tomei nota para te felicitar no próximo ano.
Um abraço.

Unknown disse...

Manelamigo

Pelo andar (excelente) da carruagem ainda vais parar ao romance. Chato sou eu que peso 119,8 quilitos... Segue.

Abç

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Lembro-me de quando lia os romances, na minha juventude, ficava doida pra terminar mas, como a vida era também de estudo e trabalho, marcava a página, par continuar no dia seguinte, geralmente à noite...Nem pensar em "chato", Manuel, à cada parte, mais interessante fica! Pelo jeito, o romance entre Joana&Maurício, está "escrito nas Estrelas"...rsrs. Eu volto!
Um abraço.

rosa-branca disse...

Olá amigo Manuel, também entrei levemente...de mansinho e deliciei-me a ler. Pelo correr da história o Albino ainda vai encontrar o amor da vida dele e se calhar a mãe. Chato???????...nem pensar meu amigo quem escreve como você não consegue deixar ninguém farto, mas sim ansioso/a pelo seguimento da história, que é o meu caso. Obrigado pelo carinho lá no meu canto. Beijinhos com muito carinho

Mirtes Stolze. disse...

Boa tarde Manuel.
Hoje só passo para agradecer pela sua amizade e carinho, amanhá eu volto para ler tudinho e comentar.

Um forte abraço.

Sandra Gonçalves disse...

Amigo vc como sempre brilhante! Desculpe o sumiço amigo, mas meu marido encontra-se com cancer, no cerebro e tem exigido muito de mim, pois nem anda mais. O estado dele não é bom. Eu cuido dele sozinha e faço tudo sozinha. Mal entro no blog, estou só repostando pra que o blog não morra. Um bjo grande e continue indo lá no Meu Aconchego. Vc é um dos poucos que não me abandonou.

SOL da Esteva disse...

Acho "chato" que te designes tal. Soberba está a ficar a História/Conto/ou outra designação, neste algo "povoado" de mistérios.
Na verdade, os palpites certos só quando terminar o relato.
Entendo haver por aí uma surpresa que irá espantar, mais que surpreender.
Estou a gostar.
Parabéns, Manuel.


Abraços


SOL

Mirtes Stolze. disse...

Boa tarde Manuel.
Ontem curiosa para ler chegou os meus pequenos amores, por isso interrompi, mas agora já vim com muita curiosidade rsrs. Chato a suas historias , modesta meu amigo, as suas historia nós deixa fascinada e querendo sempre mais rsrs. Acho que por ela ser tão meiga está recebendo uma mão amiga do alto para receber a bolsa para realizar o seu sonho.
Um lindo dia.
Abraços.

Bloguinho da Zizi disse...

Aqui não tem nada de chato.
Pode prolongar!!!
É como um bom livro que nos absorve a atenção e que não queremos que acabe.

Continue por favor.....

Beijinhos

Janita disse...

Manuel,

eu sou como o tal João Pinto!

Se é para continuar, pois que siga a história!

'Prognósticos' ( adjectivos) só no final do romance!:-)

Um abraço.

Janita

fernando disse...

Pare IV

Vai a passo de -Boi Ratinho - ( expressão) , mas a coisa vai andando.

Pare IV, tão Boa como as anteriores.

Suspense.

Estou a recear, que o Romance, vá ter o desfecho trágico dos - Mais - Eça de Queirós

Cumprimentos e boa inspiração na Escrita

Jc

PS

Como gostaria , que Obra fosse publicada. Tem que ir bem alinhada.

Parece-me , eu vejo muito Mal que há uma "Gralha" . O população. Confira..

Não ds tá nada a ser Chato. Continue a escrever como até aqui!