segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A Vida - Parte 5










Foi de coração acelerado. A imagem ia com ela, que homem tão diferente de todos os que conhecia.
Distinto, educado e tão bonito.

Teve que dizer  para ela própria "Joana tem juízo!"


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Andava de cabeça no ar, foi um dia de tantas emoções que lhe parecia estar a viver um sonho e tinha medo de acordar.

Não ia contar nada aos pais, por enquanto, afinal pouco tinha para dizer, eram sonhos que podiam não se concretizar. Mas eram sonhos muito bons.

Logo, se a coisas se encarreirassem como desejava, ia contar tudo, ou quase tudo, mas o fascínio que aquele homem lhe provocou não ia contar a ninguém.

Foi algo que a ultrapassou, sentiu a sensação da Ana nas “Cinquenta Sombras de Grey”, havia emoções que se infiltraram na pele, tomavam conta dos sentidos e a deixaram numa espécie de desejo/medo, não sabia explicar mas algo a deixou muito perturbada.

Era um desejar e um não querer, ao mesmo tempo, algo que a estava a transtornar e, que em simultâneo,  lhe dava uma sensação de prazer.

O Domingo amanheceu com uma enorme trovoada, relâmpagos rasgavam o espaço e iluminavam o quarto, de Joana, que deu um salto na cama quando o trovão ribombou, encolheu-se debaixo dos cobertores, tinha medo, autentico pavor.

Quando o telemóvel tocou, tomou coragem para por os pés no chão, a trovoada já se ouvia muito ao longe, estava a afastar-se mas não atendeu. Era o Maurício.

Todos os dias, mais do uma vez, tentou mas ela foi rejeitando as chamadas, não queria falar com ele, não havia nada para dizer, não lhe tinha raiva nem ódio, alguma frustração pela forma como as coisas aconteceram.

Ela nunca o obrigou a nada, mesmo a nada, talvez, e não estava arrependida, não tinha ido com ele para a cama, mas não aceitava os comportamentos de muitas colegas. Hoje um, amanhã outro e sempre curtindo, como diziam.

Ela não se considerava um modelo de virtude, nem sequer moralista, mas tinha regras a que se impôs, só quando tivesse a certeza se entregaria, totalmente, a um homem.

Um dia ia atender a chamada, ia ouvir mas tinha a decisão tomada, nada de Maurício, o coração tinha arrefecido. Se calhar pouco existiu, possivelmente, foi apenas porque ele era giro, porque era dos mais cobiçados, vestia bem e tinha um carro que dava nas vistas, sim tinha tudo isso mas o outro, o senhor presidente, tinha isso e muito mais.

Uma elegância, um charme, um olhar enleador, um sorriso cativante e a voz, ai aquela voz, embalava os sentidos e fazia uma dormência que paralisava a vontade.

Deu um leve suspiro e meteu-se no duche, para acordar em definitivo,  e começar a ter ideias mais reais.

*****

Maurício não queria acreditar, era sempre o mesmo, agindo por impulsos, sem pensar um pouco além do momento. 


Mas sempre foi assim, já o avô Inácio lhe dizia, muitas vezes, "Maurício conta sempre até dez antes fazeres asneira".


Mas nunca contava e agora ia ser pior, Joana moderava-lhe as precipitações e refreava-lhe os impulsos.

Tinha esperança de, a voltar, a reconquistar ela ia compreender que foi apanhado numa armadilha, Lisete deu-lhe um isco e ele, nem pensou engoliu isco e anzol.

Não sabia bem o que fazer, na faculdade, ela, trocava-lhe as voltas, não atendia o telefone, rejeitava as chamadas. 


Já pensou ir bater à porta, mas ai contou até 10 e, achou melhor não o fazer, podia estragar o resto de esperança que ainda acalentava.

Tinha fé num milagre, ia dar um tempo.


******

Maria do Rosário, mãe de Joana, saiu daquele estado de crisálida onde andava, há muito refugiada, e perguntou ao marido:

-Não achas que a Joana mudou muito?

-Mas muito como! Exclamou o homem.

-Como havia de ser, muito, muito! Anda no ar, passa tempos infindos ao espelho, experimenta vezes sem conta a roupa e, depois, mira-se e remira-se. Vaidosa, coisa que nunca foi!

-Se calhar, balbuciou o marido, é porque quer que o rapazinho, com quem namorisca, a ache casa vez melhor.

-Já vi que não notas nada, aquilo do rapazinho é um passa tempo que não leva a nada. Eu acho que por aqui anda passarinho novo. Ou me engano muito ou, a rapariga, está apanhada de todo por alguém. Vê lá que, ontem, estava a escovar o cabelo e a cantar uma cantiga estrangeira. A nossa Joana a cantar e ainda mais em estrangeiro. Onde se viu!
Fala com a rapariga, ela, é mais aberta contigo.

O pai não sabia por onde começar, afinal a Joana já era uma mulher e nunca tiveram nada para lhe apontar, mas a mulher estava com ideias na cabeça e, quando era assim, tinha que fazer qualquer coisa.

Ia arriscar, com muito cuidado:

-Joana não tens nenhum segredo para o teu velhote?

Joana pareceu surpreendida:

-Nem é velhote nem eu tenho segredos!

-Não precisas contar mas andas muito feliz, tão feliz que ontem, enquanto te penteavas, até estavas a cantar e não era em português, ouviu a tua mãe.

-Só estava a trautear o I'm Knockim', ouvi na radio e gosto muito, não foi nada de estranho.

Mas pai eu não tenho segredos para contigo, ando a tentar uma coisa que é boa para todos. Não te importas que te conte no fim, para não dar azar?

O pai deu-lhe um abraço enquanto foi acrescentando:


-Quando quiseres conta, não fiques preocupada! Estava com medo que fossem assuntos do coração.

Suspirou, deu um beijo no pai, e foi saindo deixando, no ar, apenas um suspiro:

-Também são, também!

*******

Albino ficou perturbado, não era normal mas alguma coisa naquela rapariga lhe inquietou o pensamento.


Não a conhecia e tinha a sensação de já a conhecer, há muito tempo, nunca lhe tinha visto o rosto mas tinha a sensação de sempre o ter acompanhado.


Era linda, irradiava uma frescura e simpatia contagiante, tinha uma doçura calma no olhar e ao mesmo tempo uma certa felinidade.

Recostou-se na secretária, pegou no telefone e deu uma ordem seca:

-Peça, por favor, à doutora Cândida para passar pelo meu gabinete.

Foram dois minutos, precisamente dois minutos, e a doutora estava a entrar no escritório do presidente.

Saudou-a com cordialidade:

-Cândida, com estamos no processo das bolsas de estudo?

A doutora abriu um volumoso dossier, e respondeu:

-Calculei que me ia fazer essa pergunta, tenho aqui todo o processo. Houve 238 candidaturas que estão analisadas. Foram escolhidas as 12 que correspondem ao exigido, só falta a aprovação do senhor doutor.

-Óptimo Cândida! E aquela sua amiga, não me lembro o nome, conseguiu corresponder aos parâmetros?

-Está aprovada. Deixe-me confirmar, cá está, Joana Reis é a terceira.

O presidente pediu o processo, desfolhou-o e ficou muito atento aos elementos da Joana, olhou mais do que uma vez, voltou atrás e ficou com um ar pensativo, algo lhe perturbava o pensamento.

Assinou o que tinha que assinar, devolveu, com as seguintes instruções:

-Cândida, notifique todos os candidatos aceites, se possível hoje, dê instruções para as transferências para os NIB's que indicaram, mas eu quero falar pessoalmente com a Joana, telefone-lhe e combine.


 ********


Joana recebeu o email, da atribuição da bolsa e, quase, em simultâneo uma chamada da doutora Cândida:

-Olá Joana, então! Estás satisfeita?

-Oh...senhora doutora, respondeu, estou satisfeita, feliz e quase não acredito, e já posso contar aos meus pais!

-Pois podes, disse a doutora, mas tens que nos fazer uma visita, o Senhor Presidente quer falar contigo. Que dizes, aqui, na quinta-feira às 15 horas?

Joana estava fora de si, só de pensar que ia ver, novamente, aquele homem.

-Serei pontual e poderei, pessoalmente, agradecer a sua atenção e carinho.

-Vem, então, e nada tens a agradecer, o mérito é todo teu!

Joana ficou aos saltos, parecia possuída, os pais acudiram atónitos. A filha correu e abraçou os dois no mesmo amplexo, e só sabia repetir:

-Ganhei uma bolsa de estudos, já temos dinheiro para as propinas, para os livros e para tudo.

O pai, como era normal, deixou as lágrimas deslizarem e, a mãe, naquele ar doce que a acompanhava sorria, apenas sorria. Mas a mãe sorria sempre.


Quinta-feira, Joana, acordou mais cedo, havia um enorme dia pela frente. Tinha duas aulas na faculdade, Imunologia e Semiótica Clinica. Mas tinha tempo.

Esperava estar de volta a tempo de compor a cara e escovar o cabelo.


O pai, já tinha combinado, dava-lha boleia até ao ISSERS para, antes das 15 horas, estar presente.


*******


A doutora Cândida era uma mulher muito inteligente e de grande sensibilidade. Ficou viúva aos 43 anos, sem nunca ter concretizado o maior sonho da sua vida, ser mãe. O destino não deixou, Deus não quis e, ela, tinha aceite a sua vontade. Foi distribuindo o amor por todos, com quem ia privando e uma parte já a tinha destinado à Joana. Gostava da rapariga.



*****


Faltava um quarto para as três quando Joaquim Isidoro, pai da Joana, a deixou à porta do Instituto.


Deu-lhe um beijo e pediu:

-Pai deseja-me boa sorte!

Saltou do carro e correu em direcção aos elevadores.


*****

Pontual como sempre, faltavam cerca de 10 minutos para a hora marcada e, Joana, aguardava que o Senhor Presidente a mandasse entrar.


Estava nervosa, confessa, não sabia se iria controlar as emoções que aquele homem lhe provocava. Mexia com ela, fazia que sentisse a garganta seca, mariposas a bailar e um profundo desejo de o abraçar.

Não foi a doutora Cândida que a mandou entrar, foi outra senhora, que não conhecia.

Quando entrou, no gabinete, o Presidente levantou-se e foi à porta de mão estendida para a receber.

Com aquela voz, quase sussurrante, que tanto a fascinava perguntou:

-Curiosa por te ter pedido para estar aqui?

-Não, Senhor Doutor, respondeu, pensei que era o habitual.

O Presidente sorriu, um sorriso que aqueceu o coração da rapariga, antes de responder:

-Não, não é habitual, sou uma pessoa muito atarefada, mas contigo houve algo que me deixou intrigado. A tua cara!

Joana começava a ficar, um pouco desconfortável, que poderia a cara dela ter de diferente das outras?

Mas o presidente continuou:

-Não fiques preocupada, a tua cara não tem defeitos, é linda, fresca e de uma simpatia que dá vontade de a guardar no pensamento.


O caso é que eu já vi o teu rosto, eu já conheci esse olhar, mas noutro corpo, há muito, mas mesmo há muito tempo.

Já o devia ter esquecido, mas não consigo. Olho para ti e vejo o rosto da minha mãe, sim da minha mãe, quando eu ainda tinha mãe.

Joana estava confusa, não sabia o que dizer, a muito custo, as palavras saíram-lhe da boca:

-Senhor doutor dizem, que todos nós, temos um sósia num lado qualquer!

-É verdade, respondeu o presidente, mas o nome da minha mãe era Maria do Rosário Vicente Malcata e o nome da tua é Maria do Rosário Vicente dos Reis, se houve um divórcio e um novo casamento é natural que o ultimo apelido seja diferente.


Muita coincidência!


Mesmo muita coincidência!

Não sei o vai ser da minha vida! Não sei se devo olhar como até aqui te olho, ou se te devo chamar de irmã!

Aproximou-se de Joana, colocou-lhe a cabeça no ombro e começou num choro compulsivo.




Falta um pouco para acabar, espero tenham paciencia...



12 comentários:

Unknown disse...

Manelamigo

Eu bem te disse: estás quase a chegar (vá lá) à novela, pra não dizer ao romance. Juntas todos os episódios e - já está...

E uma pergunta talvez desnecessária: não publicas a CAPA?

Abç

dilita disse...

Olá Manuel,

Hoje vim cedo à procura, e foi em boa hora, porque outro capitulo me esperava.
Não dou palpite, prefiro saber aos poucos, e no fim conhecer o desfecho, imprevisto como é costume.

Abraço.
Dilita.

chica disse...

Demorei pra chegar, pois gosto de ler com muita calma! Lindo mais esse capítulo! abração,chica

Mirtes Stolze. disse...

Bom dia Manuel.
Amando a historia, como todos que leio suas, imaginava que o outro seria o seu irmão,mas com sempre, me surpreende. No aguardar do final.
Uma lindo dia.
Abraços.

Bell disse...

A vida sempre surpreende \o/

Maria Luisa Adães disse...

E a vida vai na parte 5!...

E a escrita se torna cada vez mais nossa e é uma pena estar a acabar...mas tudo tem de acabar!

Manuel, estou a pensar em "Fechar comentários" e coloco apenas as visualizações e deixo o google +, com acesso de escrever.
Que me dizes?
Eu pouco posso responder às pessoas e elas são cada vez menos e me assombra
que estes poemas sejam comentados por tão poucos e visualizados por tantos.

Sei que não vais concordar, mas o penso fazer, por estes dias e fico em paz, comigo mesma.
É evidente que tenho amigos (como tu) a quem vou escrevendo sempre que possível!

És a primeira pessoa a quem falo nisto e creio que o faço e fico com mais Paz!
Há uma troca, por troca e para isso, eu não tenho saúde!
Eu os entendo e dou razão, mas é impossível agradar a tantos! Com ternura, te deixo meus pensamentos,
pois mereces muito a minha atenção!

Beijo, Maria Luísa

Smareis disse...

Ola Manuel,
Mais um lindo capitulo!
Seus contos sempre me surpreende nas partes finais.
Aguardo os próximos capitulo!

Beijos e ótima semana!

Tem postagem nova la no blog!

São disse...

Vamos então esperar...

HW, que esteja em paz !

Abraços

SOL da Esteva disse...

Hoje, Amigo, fiquei comovido e com um nó na garganta. Não posso deixar de me "amedrontar" com o final real.
Continua a manter o mistério que a "verdade" virá ter connosco.


Abraços


SOL

Unknown disse...

Este episódio parece mais carregado de ternura e de sorrisos encantadores.
Aguardo que nos contes o resto do que falta para perceber uma meada tão bem elaborada...

Unknown disse...

Manuel, tu sabes mesmo como conduzir uma história onde existe de tudo um pouco: mistério, drama, tragédia, romance, tudo aquilo que compõe um enredo que prende, que fascina, e que a cada capítulo nos deixa ansiosos para saber a continuação.
Mas não adianta ter pressa, e apesar de saber que a história já está delineada na memória, o escritor pode alterar o rumo dos personagens à medida em que vão crescendo as ações de cada um na sua mente.
Se a história se torna cada vez mais fascinante, também nos tornamos mais propensos pacientemente a esperar pela continuação. Como se, com este gesto, estivéssemos a dizer que entendemos a demora, pois são personagens tão ricos em suas personalidades que sabemos ser um processo complicado situá-los com maestria em seus papéis. E tu o fazes muito bem!
Que sorrisos e estrelas estejam a enfeitar o teu momento criativo.
Helena
(http://helena.blogs.sapo.pt)

Lúcia disse...

A última parte que li de A Vida, já tem algum tempo. Chego aqui hoje e percebo que tenho que "recuperar" três (3)partes. Não tem problema, tenho tempo...(hoje é domingo). Esta Parte 5 foi estupenda: irmão encontrando irmã! Vou lá pra sexta...e sétima! Até, Manuel