Hoje não lhe apetecia ir trabalhar,
não lhe acontecia muitas vezes, mas hoje estava com uma preguiça que o
ultrapassava.
Deu uma volta na cama, puxou a roupa e voltou a adormecer.
Deu uma volta na cama, puxou a roupa e voltou a adormecer.
Acordou sarapantado, olhou para o relógio e deu um salto, estava atrasado. Bem não era só atraso era já, quase, uma desgraça.
O que ia dizer ao senhor Silva, o chefe, que era implacável na pontualidade.
Tinha que arranjar uma fatalidade, mas muito convincente, nada de tretas, pois o homem era difícil de enganar.
Muitos dizem que o senhor Silva até não é má pessoa, dizem, mas ele não concorda.
É um militarista com ideias muito
rígidas, não sorri e olha as pessoas, sempre, de sobrolho franzido, Dizem que
foi coronel e que chegou a andar na guerra.
Dizem, e se calhar até é verdade, mas ninguém pode
confirmar.
Mas atrasos e desculpas, de
meias-verdades, isso não!
Horários são para cumprir! É o seu lema.
Estava mais do que atrasado, a cabeça trabalhava rebuscando uma desculpa, mas nada saía de jeito.
Estava mais do que atrasado, a cabeça trabalhava rebuscando uma desculpa, mas nada saía de jeito.
Já se Imaginava, submisso a desculpar-se:
-Senhor Silva desculpe este atraso! O senhor sabe que sou dos mais pontuais mas hoje, mesmo que quisesse, não conseguia. Ainda tentei, juro que tentei, mas se não me apresso nem à casa de banho chegava, era mesmo ali. Foi toda a noite por cima e por baixo, uma desgraça. Uma autêntica tragédia!
Foram os malditos ovos, só podiam ser
os ovos, não comi mais nada que me pudesse fazer mal.
Ao mesmo tempo via o senhor Silva, sobrancelhas franzidas, bigode repuxado num ar de dúvida e aquele sorriso tão sardónico que irritava.
Ao mesmo tempo via o senhor Silva, sobrancelhas franzidas, bigode repuxado num ar de dúvida e aquele sorriso tão sardónico que irritava.
Imaginava o velho, sim ele era velho,
escondia a idade, ninguém sabia quantos anos tinha. Mau como as cobras, sem
coração.
Parecia que o estava a ouvir:
-Oh senhor Narciso quer que eu acredite nessa de gastroenterite? Era só o que faltava! São coisas que só lhe acontecem às segundas-feiras. Convém não é senhor embusteiro?
E sabe que mais, pode ir para casa tratar da caganeira porque este dia vai-lhe ser descontado!
-Oh senhor Narciso quer que eu acredite nessa de gastroenterite? Era só o que faltava! São coisas que só lhe acontecem às segundas-feiras. Convém não é senhor embusteiro?
E sabe que mais, pode ir para casa tratar da caganeira porque este dia vai-lhe ser descontado!
******
O velho era tramado, fino e esperto, difícil de enganar. Estava a ver que essa do desarranjo intestinal não ia servir. Tinha que pensar noutra coisa. Talvez um funeral, Mas de quem?
O velho era tramado, fino e esperto, difícil de enganar. Estava a ver que essa do desarranjo intestinal não ia servir. Tinha que pensar noutra coisa. Talvez um funeral, Mas de quem?
Nada de desculpas, só a verdade, ia enfrentar a fera.
Ia dizer que o despertador não tocou,
faltou a luz durante a noite e o relógio ficou a piscar e não o acordou.
Não era verdade, mas podia suceder e
ele tem que acreditar e aceitar. São coisas que acontecem e não é um
desconfiado, insensível e sem coração de um chefe, que até era família do patrão, que
vai por em dúvida a verdade do Narciso.
Já sabia que lhe iam descontar o dia
mas que se lixe. Ganhava pouco e um dia descontado fazia alguma diferença. Mas
que fazer? Ter emprego já era uma sorte!
*******
Ia no autocarro fazendo o filme na cabeça. Imaginava o senhor Silva, na secretaria, olhando por cima dos meios-óculos, enquanto com os dedos enrolava as pontas do farto bigode. Farto, russo do fumo do tabaco, pontas enroladas.
E ele, Narciso, perfilado na frente, com ar castrense, ele que nem sequer foi tropa, a ouvir uma reprimenda como se fosse um miúdo.
Ia no autocarro fazendo o filme na cabeça. Imaginava o senhor Silva, na secretaria, olhando por cima dos meios-óculos, enquanto com os dedos enrolava as pontas do farto bigode. Farto, russo do fumo do tabaco, pontas enroladas.
E ele, Narciso, perfilado na frente, com ar castrense, ele que nem sequer foi tropa, a ouvir uma reprimenda como se fosse um miúdo.
******
É verdade que estava nervoso, garante que estava, mas tinha vontade de, chegar, poder manda-lo para um certo sítio, voltar-lhe as costas e ir embora para voltar para a doce preguiça da cama.
Saiu do autocarro, era quase meio-dia, ia chegar ao escritório, quase na hora de saída para o almoço mas era de propósito, assim o senhor Silva mais apressado não lhe ia xingar tanto o juízo.
*****
Quando saiu do elevador deu de caras com a Lucinda, logo a Lucindinha, o borracho, que tanto mexia com ele. Tinha um fraco por aquela rapariga mas, ainda não teve coragem para uma aproximação, receava levar uma nega. Assim mantinha a esperança e até, quem sabe, ela pode um dia mostrar algum interesse, e ai, já se pode afoitar.
Fez o mais rasgado sorriso andes de perguntar:
-Como está a fera?
-Quem? Perguntou Lucinda.
-Quem havia se ser! O Silva, esse gajo que gosta de se aproveitar das desgraças alheias. Passei uma noite, que só eu sei, agora tenho que o ouvir e quem sabe ficar sem um dia de ordenado!|
-Ah! Exclamou Lucinda, então ainda não sabes!
-Bom, respondeu, cá o rapaz sabe tudo, tudinho, nada lhe escapa. Mas o que há de novo? Ainda não li o jornal de hoje. Acabei de chegar, agorinha mesmo.
-Então prepara-te para a más notícias, mas mesmo muito más!
Narciso começou a ficar nervoso.
Mas, muito más noticias, só podia ser um
despedimento, o velho já lhe deve ter feito a cama e todos já sabem. Até estava
com medo de o enfrentar, se era despedido nada tinha a perder, ia-lhe ao
focinho e abalava porta fora.
-Mas, continuou Lucinda, não sabes o que se passou?
-Como posso saber se acabei de chegar! Respondeu.
-Calculei! Disse a Lucinda, hoje o Senhor Silva chegou muito cedo, como de costume, e foi para o gabinete.
-Mas, continuou Lucinda, não sabes o que se passou?
-Como posso saber se acabei de chegar! Respondeu.
-Calculei! Disse a Lucinda, hoje o Senhor Silva chegou muito cedo, como de costume, e foi para o gabinete.
A dona Amélia estava a acabar a
limpeza, nem o viu chegar, só ouviu o barulho da queda. Foi a correr e deu com
o pobre estendido no chão a espernear. Chamou o segurança. Telefonaram para o
INEM que o levou para o hospital, mas dizem que não escapa. Pobre senhor Silva!
Narciso nem se apercebeu, mas saiu-lhe:
-Más notícias?
Narciso nem se apercebeu, mas saiu-lhe:
-Más notícias?
-Boas, queres tu dizer!
-Sabes? Começo a acreditar em Deus!
17 comentários:
Coisas da vida.
Sei quanto custa aturar chefes que sabem tudo e que são intolerantes,mas também sei dos que arranjam todos os estratagemas para se safarem e ficarem como se nada fosse...
Acontece também aos Silvas arrogantes e sem respeito pelas fragilidades alheias, tombarem mesmo durante o seu horário de trabalho.
rsssssssssssssssssss....Pobre Sr Silva que teve o tombo e internação para alegria do funcionário que nem precisou "gastar" suas desculpas esfarrapadas... Gostei muito! abração,lindo domingo! chica
Este conto é a prova de que todos acontecimentos têm o lado B, é questão de virarmos o disco e percebermos que não toca o mesmo.
Beijinhos
Bom dia Manuel
Sempre há o outro lado não é?
E o Narciso nem precisou das desculpas esfarrapadas ante a desgraça que acometeu o temido chefe.
Gostei da irreverência do conto meu amigo
Um ótimo domingo
Um grande abraço,
Gracita
Uma vez disse a uma coordenadora que eu faria o que quisesse, mas que ela tinha que saber o que queria e não andar indecisa , rrsss
Claro que paguei caro essas e outras atitudes.
Porém , valeu a pena!
Bom domingo
Manuel, voltei pra agradecer o teu carinho lindo por lá! abração,chica
É pra se acreditar, na providência divina. Sempre um final surpreendente...:como gosto!
Confesso que já tive chefes, para os quais não tive "bons pensamentos"...
Boa semana, Manuel!
Beijo carinhoso...
O projecto de desculpas nem sempre serve ao projectista. O Narciso precisava duma boa lição. Não a teve porque o homem põe e Deus dispõe.
Uma delícia de Conto com sabor a "verdades" correntes.
Magnífica imaginação, Manuel.
Abraços
SOL
Amigo Manuel, embora esteja em falta, já tinha saudades de ler os seus contos. Não precisou de se desculpar...É, a vida ás vezes tem dessas surpresas. Adorei meu amigo. Beijos com carinho
Oi Manuel!
Tudo vira ouro, coisa de primeira qualidade quando você combina letrinhas.
Muito bom esse conto, você é um artesão das palavras. Começo, meio e fim excelente!
Coitado do Senhor Silva, talvez ele se acalme depois desse acidente rs.
As vezes o destino cuida das coisas sem a gente precisar mover um dedo, quer dizer pregar uma mentirinha, rsrs.
Essa coisa de caganeira não é bom nadica de nada kkkkkk.
Goste muitooo Manuel, adoro ler suas história.
Obrigada pela leitura.
Tem postagem atualização por lá!
Um beijo!
ótima semana!
Oi,Manuel!Td bem?Desculpe o sumiço!A correria dos dias tem me feito visitar pouco os amigos. As segundas-feiras a preguiça é grande mesmo e que sorte teve o seu Narciso, ufa porque essas coisas de não acordar cedo acontecem com todos.
Beijossss
⋰˚هჱ⊱
Ahhhhhhhhh.... coitado do Silva!
HAPPY VALENTINE'S DAY!
Muita paz, muita saúde e muita harmonia nesse fim de semana!!!!
Beijinhos do Brasil
╰╮هჱ⊱
O que faz o medo, por vezes, injustificado.
As melhoras do chefe Silva, sinceramente.
Bom domingo!
Boa tarde Manuel,
Ai que este seu personagem, o Narciso, também saiu cá uma "estrela"...
abç amg
Manhoso, esse Narciso! Não gostei dele!!!
Ainda por cima, congratular-se com a morte do velhote só pelo alívio de não ter que pensar em mais desculpas.
A verdade acima de tudo, evita tanta dor de cabeça...
O Manuel lá arranja estas historietas, bem engendradas, nem que sejam na base de tretas! Ehehehe.
Um abraço!
ツ
Amigo... esse cãozinho com cara de abandonado e triste não tem nada a haver com o Sr. Silva, tem?
Boa semana! Beijinhos do Brasil.
。ه✿ྋ°•..
Olá Manuel.
Esse Narciso ficar feliz com a desgraça do seu patrão só porque se atrasou que horror, que bom que só é um lindo conto feito por você, mas infelismente na vida existe pessoas assim que só pensam no seu lado, em vez de desejar o bem de todos. Quanto ao atraso com certeza a verdade sempre, quem nunca se atrasou, acho que ninguém, a verdade liberta, a mentira aprisiona. Uma feliz noite meu amigo, colocando em dias os seus contos que não li ainda.
Beijos.
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