quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A jornada




Peguei na minha mochila e enchia-a com os meus sonhos, arrumei as minhas ambições, guardei as frustrações de uma vida carregada de aspirações e meti-me ao caminho.

Andei pelas estradas da vida, percorri os trilhos que o destino me descobriu.

Calcorreie as veredas e os atalhos que se abriram no meu incessante caminhar.

Numa curva encontrei três alegres crianças que faziam rodopiar um pião que em círculos se ia imobilizando á espera da guita que o levasse de novo ao remoinhar.

Lembrei-me quando, também eu, fiz o meu girar ao compasso das voltas de um baraço e o deixava morrer num serenar na palma da minha mão. Quando o meu arco saltava nas pedras da calçada em alegres cambalhotas num estridente música de emoções. Lembrei os meus coloridos berlindes que saltavam dos meus dedos como projecteis, na ânsia de acertar no do meu companheiro de brincadeiras.

Continuei a minha caminhada olhando o entardecer pardacento que ofuscava o longínquo horizonte.

Noutra curva, um pouco mais apertada, três mancebos faziam soar os acordes de violas que dedilhadas com graça deixavam no ar uma melodia que me transportavam a um tempo distante.

Lembrei-me de uma velha gaita-de-beiços que eu fazia gemer em acordes roucos e nostálgicos. Recordei a concertina que nas noites de verão, no largo da igreja, matizava de sons alegres e vivazes o estiolar de mais um dia.

Olhei o negro da borrasca que se anunciava e segui como se o hoje ainda fosse o ontem e como se o amanhã pudesse ser tal com o hoje. Caminhei sentindo que os meus passos já eram diferentes, o torpor já se ia apoderando meu corpo, o cansaço da jornada começava a pesar na neve que principiava a cobrir a minha cabeça.

Encontrei a última curva desta imensa jornada. As flores que enfeitavam o meu caminho começavam a estiolar. O brilho do Sol era menos intenso.

Três velhos sentados num banco, rostos de pergaminho, mãos bordadas por fios azuis de veias dilatadas, bocas entreabertas num largo sorriso desdentado. Olharam-me nuns olhos piscos pelo cansaço de uma já longa jornada. Esperavam, tranquilamente, o dia que iria chegar.

Sentei-me ao seu lado esperando, tal como eles, que a longa jornada chegasse ao fim.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A mulher o escritor e a pdi.



Há coisas que me baralham mas tenho que aprender a viver com elas. São os tempos e as mentalidades. Devo estar a ficar senil e com falta de abertura para algumas modernices que de vez em quando se enraízam nos hábitos das pessoas.

Mas os tempos são outros e eu tenho que me habituar, mas só acostumar porque aceitar vai ser um pouco difícil.

Não sei bem a que propósito vem esta prosápia, mas talvez sejas influência de uma notícia dos jornais. Falam eles da mulher e do escritor, e eu que sou um linguarudo, acrescento e da pdi.

Dar a uma menina de 5 anos um noivo ou namorado de 35 seria um crime, uma pedofilia, uma imoralidade.

Mas se a menina tiver 18 anos e o homem 48 a coisa já começa a ter laivos de normalidade. Vejam os casos concretos com que todos os dias nos deparamos.

Se ela, ou ele, tiver 30 e ele, ou ela, 60 tudo bem, é normal. Pelo menos assim parece.

Que interessa que daqui a 15 anos um com 45 anos plenos de energia e outro com os seus 75 mije os sapatos ou pelas pernas abaixo cada vez que vai á sanita.

Em todos os casos a diferença é, sempre, igual. São trinta anos. Porque admirar? Porra, seu sou mesmo bota-de-elástico.

Eu sei e até compreendo que quando nos cruzamos com alguns desafiadores monumentos fiquemos com uma tesão do caraças, que a nossa testosterona, ou o que resta, emerja com toda a pujança e que os calores nos invadam num frenesim que podemos controlar com uma Super Bock bem fresquinha, nunca com uma Sagres.

Não liguem, isto deve ser cobiça, se calhar até estou a ser parvo. Possivelmente deveria esquecer a pdi e ir, também, em frente a fingir que estou tal e qual quando tinha 20 anos e até pode ser que os outros acreditem.

Na verdade não sei bem se estou a ser burro ou se estou com inveja.


domingo, 23 de agosto de 2009

Os safões do compadre Agostinho




-Bom dia compadre Agostinho. Onde vai tão cedo com a burra tão carregada?

-Nem por isso, só leva a albarda, o alforge com o avio e a minha espingarda. Não é tanto assim compadre Januário.

-Mas tão cedo e assim carregado não é costume.

-Pois é, os coelhos e as lebres andam-me a dar cabo do meloal e eu vou passar lá umas noites para ver se os cães os espantam. Como sabe a minha Perpétua foi passar uns dias com o filho a nora e os netos. O meu filho queria que eu também fosse, mas por causa das terras e dos animais tive que ficar.

-E já está com saudades da comadre Perpétua?

-Oh homem se tenho! Ando a açorda de alho, pão com azeitonas e queijo, não tenho jeito para a cozinha. Tenho cá umas saudades da comida da patroa, do caldo de baldoregas (beldroegas), de um caspacho (gaspacho) com sardinhas assadas ou de um caldo de peixe do rio com poejos. Só de me lembrar já sinto água na boca. Mas como lhe estava a dizer, preparei a malhada e vou ficar umas noites a tomar conta das coisas que tenho semeadas.

-E a espingarda?

-Pois, com a maltesaria que anda por ai, não faz mal um homem estar prevenido.

-Faz bem compadre, mas pelo que vejo não pensa ir á caça?

-Não penso não, mas como sabe?

-É fácil, estou farto de olhar e não vejo que o compadre leve os seus safões, e eu sei que sem eles o compadre nunca vai caçar.

-Vossemecê é tramado. Mas tem razão. Vou indo que se faz tarde.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Na praia




Eu vi… quando emergistes da onda como deusa das águas, cabelos revoltos em espuma, seios como promontórios de cumes rosados. Figura mágica de beleza que inebria.

Eu compreendi…os olhos dos homens embalados pelo teu andar. A inveja das mulheres quando caminhavas na areia encharcada da praia. Diva de corpo coleante, sorriso de marfim.

Eu senti…os teus olhos procurando os meus. Lábios de carmim húmidos de sensualidade, sorriso de Sol radioso. Beijo salgado que adoça a fome dos meus sentidos.

Eu entendi…o chamamento do teu corpo. Doçura de cabeça em descanso na almofada do meu peito. Corpo agitado, olhos ternos, boca ardente.

Eu percebi... o dia acabou. A noite vai começar.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Outeiro dos Milagres.



-Já viu amigo Jeremias aqueles moços que parecem iguais?

-Então amigo Meireles são gémeos, são os netos do Caga-Azeite. Aqueles rapazes são fruto de um milagre.

-Milagre?

-Sim milagre. A Isabelinha casou com um moço da Guarda Republicana, bom rapaz por acaso, e queriam á força ter um filho e nada. Até foram ao médico, mas a rapariga continuava seca como um carapau. Foi ai que alguém se lembrou de lhe dizer para ir ao Outeiro dos Milagres. Eles foram e o resultado está á vista.

-Conte lá isso melhor que eu não entendi nada.

-Então aqui vai. Pensam os mais antigos que quem tem algum problema para resolver e não consegue, deve ir ao Outeiro e levar uma enfusa de água que deixa ao luar. De hora a hora, conforme os casos, bebe um copo ou faz banhos com essa água. Dizem, eles, que se conseguem resolver todos os problemas.

-Custa a crer.

-Já viu um caso que até parece que foi lá resolvido. Até dizem, alguns, que os catraios foram lá feitos. Mas é o que se diz.

-Aconteceu homem. É uma coincidência.

-Coincidência nada, há mais. O filho do tio Zé da Velha tinha um problema nas virilhas. O rapaz não se dava conta com a comichão e as borbulhas que o apoquentavam noite e dia. Correu médicos e mais médicos. Experimentou todas as mesinhas, unguentos, poções e nada. O moço andava desesperado e até evitava arranjar namorada com a vergonha. Foi ao Outeiro, levou a água que pôs numa bacia ao luar e de hora a hora foi lavando as partes. Foi milagre, está curado, nunca mais teve problemas. Até já arranjou namoro com a filha do Lino Coveiro.

-Estou a ficar admirado.

-Vou-lhe contar mais uma. A Joana, filha da Alzira Coxa, nasceu-lhe uma coisa ruim na barriga. A rapariga andava descorçoada, até foi ao Hospital na cidade, onde a queriam operar. Mas não lhe prometiam nada, pois só depois de a abrirem podiam saber o que tinha. A mãe não se conformou e levou á rapariga ao Outeiro. Passaram lá a noite a por pachos com a água que estava ao luar, foi remédio santo. No outro dia, ouviu-se um estrondo e pum. Aquilo rebentou e encheu um balde de porcaria. Ficou curada.

-Se não fosse você a contar eu não acreditava, mas assim nem sei que dizer.
Até amanhã, passe bem amigo Jeremias.

-Então amigo Meireles que cara é essa?

-Sabe aquilo que me contou ontem sobre o Outeiro dos Milagres? Pois quando deixei o amigo, fui a casa, peguei na minha Perpétua, num garrafão de água e numa bacia e ala, fui a caminho do alto. Deitei a água na bacia que ficou ao luar. De hora a hora obriguei a mulher a lavar a cara com a água. Contrariada mas lá foi fazendo o que lhe disse.

-Então homem, qual era o problema da patroa?

-O problema, então não a conhece?

-Conheço e bem.

-Pois como pode ver não houve milagre nenhum. Foi feia e só não voltou pior, porque mais feia não pode ser.

-Valha-me Deus

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Anda......

Anda, enxuga essas lágrimas que emolduram o teu rosto e vem sentar-te junto a mim.

Deixa que toda a tristeza que o teu coração encerra fuja do teu corpo, como a névoa se dilui com o calor do Sol.

Solta a tua Primavera e não deixes que um qualquer Outono venha estiolar a força que a natureza te deu.

Sente a força do teu querer e não deixes que a subtileza das palavras cerceiem a tua pujança num acomodar atrofiador, transformando um presente numa vida serôdia.

Anda, encosta a mim as tuas palavras, deixa fluir os teus lamentos.

Vem, as flores viçosas não devem definhar, tem que manter toda a sua frescura, tem que ser regadas com as palavras que alimentam.

Anda, senta ao pé de mim e conta tudo o que tens para me contar.

Enche os meus ouvidos dessas frescas gargalhadas, deixa que o cheiro da tua juventude seja mais forte que um querer que não se quer.

Anda.

Vem, não tenhas medo.

Estarei sempre aqui.