domingo, 22 de janeiro de 2012

Minha rica orelha ou uma coisa melodramática






Não sei se era o Sol que de repente começou a entrar pelas frestas da persiana, ou se era o cantar dos pássaros que em suaves trinados me iam despertando, A verdade é que abri os olhos com a sensação de não saber onde me encontrava.

Olhei com curiosidade tudo o que me rodeava, uns quadros na parede com motivos campestres que me eram, totalmente, desconhecidos e no tecto um candeeiro de vidrinhos que iam brilhando à medida que a luz ia rompendo a penumbra do quarto.

A pouco-e-pouco as ideias iam surgindo de uma forma difusa embora as minhas recordacões não me permitissem, ainda, descobrir porque estava a despertar num ambiente que me era desconhecido.

Tirei uma perna com dificuldade, o corpo doia-me e havia em mim um torpor desconfortante, mas a custo conseguí por-me de pé e cambaleando aproxime-me da janela para expreitar onde me encontrava. Foi com multo custo que conseguí levantar as persianas e olhar atravez de umas grossas grades que me separavam de um terreiro onde algumas árvores de fruto amenizavam a aridez do terreno.

Arrastando o corpo, onde todos os ossos reclamavam, tentei a porta do quarto que nem se mexeu, embora o meu muito esforço.

Voltei a sentar-me na cama a tentar recordar como vim aquí parar e o que podía ter acontecido para me encontrar nesta clausura. Voltei a insistir, mas a porta apenas me causava gemidos, à medida que os meus músculos se esforçavam na tentativa de fazer ceder a cortina que me separava do dia lá fora.

Aos poucos os vapores que me toldavam o cérebro estavam a libertar os meus pensamentos. Havia como que uma imagem difusa, a bebida, a mulher e aqueles dois homens que me ampararam quando tombei.
Depois uma escuridão que não me deixa ver mais nada.



Quando entrei no bar, senti o sorriso e aquele olhar eivado de promessas e o jeito dengoso de mil caricias.
Quando me perguntou se lhe pagava um copo, eu já estava naquela fase parva em que passei pensar com a parte menos adquada do corpo.
Afivelei o meu melhor sorriso antes de peguntar o que estava a beber.

Olhou-me, quase descarada, sorriso de mel escorrendo nuns lábios de cerejas maduras.

Ajeitou o corpo na cadeira e pestanejou antes de me responder:

-Estava a beber um daikiri mas bebia outro.

O empregado olhou-me esperando o meu assentimento.

-Traga dois por favor.

- Espere, eu vou buscar e coleou o corpo num jeito que me deixou embasbacado.


Voltou com os dois copos e poisou as bebidas, enquanto com um olhar doce me ia seduzindo.

Antes de pegar no copo, estendeu-me uma mão esguia e bem cuidada.

-Sou a Jenice e o senhor, se não me engano, é o doutor Seabra?

Mas, balbuciei:

-Como sabe o meu nome?

-Mas quem não sabe? O jovem mais desejado, o futuro herdeiro da família Galiano Seabra !

-Bom, muito me conta, e eu que pensava vir a um bar, beber um copo como qualquer, passando despercebido.

Não me estava a sentir muito bem, era a cabeça que girava de forma descoordenada.

Senti-me desfalecer e, ainda, me apercebi de uns braços fortes que me arrastaram antes da queda.

Depois, só o escuro.



Era isso! Foi a bebida que me drogou e agora estou encerrado neste quarto com uma porta à prova de arrombamento e com umas janelas com poderosas grades.

Só não sabia o motivo.

Alguém estava a abrir a porta, ia finalmente saber o porque desta clausura.

Era um gajo enorme, de tal forma que a pistola que empunhava parecia um brinquedo.

Deu-me um empurrão que me atirou, como se fosse uma folha,contra a parede.

Largou uma gargalhada perante a minha fragilidade antes de sibilar

-Ouça rapazinho mimado, vamos ver se os seus paizinhos largam o gito antes de cortar uma orelha do seu menino! Vão saber que não estamos a brincar. Têm dois dias para arranjarem a massa.

Deu uma gargalhada, deixou um prato de alumínio com algo que devia ser a minha refeição. Cerrou a pesada porta e, pelo barulho dos passos, afastou-se.

Era então isso, fui raptado e os velhotes estavam a ser pressionados para pagarem um resgate. Tinha que pensar, tinha que arranjar uma maneira de escapar. Mas como?

Estava entre quatro paredes, num quarto estranho, uma espécie de cela com uma cama, uma mesa redonda e uma cadeira com um forro desbotado, ao canto detrás de um biombo uma sanita e um pequeno lavatório.

Perscrutei o que a minha prisão me mostrava, para além das arvores mal tratadas, mas apenas me era dado um céu muito azul matizado com pequenos cirros.

Estudei as grades, mas além de grossas estavam bem entroncadas na parede de pedra pelo que seria impensável qualquer tentativa por este lado, restava a porta que parecia solida como um rochedo.

Comi o que me deixaram no prato, uma massa espapaçada com carne. Não sei se foi a fome ou se a cozinheira era boa, pois apesar de tudo estava saborosa.

Comecei num quase desespero e sentia o que os meus pais estariam sofrendo, se saberem bem o que deviam fazer. O meu pai era um grande empresário mas, ultimamente, era eu quem geria os  negócios, pois a sua saúde não era a melhor.

Mandar uma mensagem era impensável, pois tinham-me tirado o telemóvel.

As idéias andavam baralhadas no turbilhão no meu pensamento, fugir era impossível, mandar mensagem estava fora de questão . Alem de não ter telemóvel também não sabia dizer onde me encontrava.

Pensei, idéia louco, atacar o guarda quando ele voltasse a aparecer mas era tão grande e ainda armado que seria pura loucura ou suicídio.

Sentei-me no chão, ao canto da sala, cogitando uma solução.

Da fora, muito ao longe, escutei o barulho de uma mota, sinal de que havia um caminho não muito longe.

Lentamente ia escurecendo e eu sentia uma tristeza e impotência que me mantinha totalmente em alerta. Ouvi, novamente, uns passos que se aproximavam, o desespero tomou conta de mim. Olhei em redor e nada que pudesse servir de arma.

Abriram a porta e senti um grosso ferrolho que, certamente, a fechava por fora.

Era outro, também, grande e atlético como o anterior mas menos agressivo.

Disse boa noite, tirou o prato e deixou uma tijela de sopa e um naco de pão.

Tinha uns olhos frios e pouco amistosos, mas apesar de tudo não usou de nenhuma violência, apenas disse:

-Coma porque tudo se vai resolver. Deixou um sorriso tão duro que senti como se uma lâmina de aço me tivesse atravessado.

Senti o fecho a trancar a porta e uns passos a subir, ou descer, uns degraus. Depois o silêncio.

Tinha que agir depressa pois o tempo começava a jogar contra mim, não tardava e vinte e quatro horas estariam gastas e, essa ameaça, de cortar uma orelha podia ser a sério.

Foi uma noite de insônias, sonhos tenebrosos, um barbeiro com uma afiada navalha de barba corria atrás de uma pobre orelha. Tão estranho uma orelha separada do corpo.

Acordei cedo, ao longe ouvia um galo cantar, e o sol começava a despontar. Não sei as horas pois o meu relógio desapareceu.

A minha cabeça não parava na procura de uma idéia, algo que me ajuda-se a encontrar uma saída, uma pista para me libertar.



Uma ideia começou a florir na minha mente, era quase louca mas o que me restava afinal? Tinha duas alternativas, uma a mutilação, até mais certo a morte, na outra a esperança de lutar pela sobrevivência. Lembrei os meus pais o que estavam a sofrer, e de uma forma especial a minha mãe com todos os problemas de coração.

O plano era simples se eu conseguisse algo que servisse de arma, um tubo, um pau ou algo para dar uma pancada forte e pôr a dormir uma dos gorilas que me visitava.
Era isso mesmo, a cadeira, se eu conseguisse tirar uma perna era uma boa arma.

Foi uma tarefa difícil mas ao fim de algumas hora e a muito custo, consegui.

Era um bom pedaço de madeira dura que usado de forma certa e com força podia resultar.

Agora tinha que engendrar o resto do plano.

O que sobrou da, cadeira, foi para debaixo dos lençóis que juntamente com as almofadas davam a sensação de estar alguém deitado. Dei os últimos retoques e pareceu-me perfeito. Agora ia esperar ouvir os passos, esconder- me detrás da porta e rezar para que tudo resultasse.


Não tardou uns passos no exterior anunciavam a indesejada visita.

Entrou e gargalhou:

-Então o menino quer o jantarinho na cama?

Reuni toda a minha força e descarreguei, violentamente, a improvisada arma na cabeça do carcereiro. O pau partiu mas ele tombou como que anestesiado.

Retirei-lhe a pistola, fiz o lençol em tiras para o amarrar e amordaçar.



Era um corredor e estava vazio, tinha que me despachar antes que estranhassem a demora. Ao fundo uma janela, sem grades, dava para o terreiro das árvores que atravessei numa corrida, até uma estrada deserta.

Corri doidamente na esperança de um carro que me pudesse salvar. Apareceu uma carrinha, gesticulei desesperadamente até que o condutor parou.

A polícia conseguiu apanhar os três meliantes, dois homens e a tipa que compartilhou comigo a maldita bebida.

Minha rica orelha! Ufa!


21 comentários:

Anónimo disse...

Ah Manuel querido,
sou sua fã nº 1!!!
Bjs.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Manuel

Sabes que as tuas histórias prendem que lemos de um sorvo até ao fim...como sempre adorei.

Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora

rosa-branca disse...

Adorável como sempre os seus contos. Manuel, nunca pensou escrever em livro? Ou já o fez? Adorava adquiri-lo. Beijos com carinho

Smareis disse...

Oi Manoel que história vixe! Fiquei roendo a unhas de nervoso e lia sem tomar folego. Deve ser triste ser sequestrado. Aqui no Brasil ele cortaram a orelha de um rapaz. Ainda bem que o pedaço de madeira foi a salvação do rapaz. Corajoso ele, imagine se não desmaiassem o cara. Nessa hora a orelha ja tinha ido pro beleléu risos. Adorei a história.
Beijos e ótima semana.

Vivian disse...

Olá,Manuel!!!

Nossa!!!Foi por pouco!!!!
Um texto maravilhoso, envolvente!!E muito real...acontece muito...infelizmente na maioria das vezes não acabam bem...
Beijos meu amigo!!!
Tudo de bom!

Sandra Gonçalves disse...

Nossa amigo que teto heim? Vc é demais. Bjos achocolatados

Magia da Inês disse...

Amigo... uma orelha pode ser um incentivo e tanto!...
°º✿ Muito bom... amei o conto.
º° ✿ ✿⊱╮ Beijinhos.
❤ Brasil.

Unknown disse...

Gostei da história e segui cada passo para a liberdade.
Hoje a situação repete-se e o sonho da liberdade faz o milagre.

Vivian disse...

Olá,Manuel!!!

Tenha um ótimo dia meu amigo!!!
Deixo meu carinho e admiração!
Beijos!

PERSEVERÂNÇA disse...

Passando para ler seus textos maravilhosos e dizer que faz tempo que não visita o Perseverança.
Sinta-se sempre a vontade para comentar e seguir está humilde página.
Abraço fraternal e uma linda quarta-feira.
Nicinha

PERSEVERÂNÇA disse...

Passando para ler seus textos maravilhosos e dizer que faz tempo que não visita o Perseverança.
Sinta-se sempre a vontade para comentar e seguir está humilde página.
Abraço fraternal e uma linda quarta-feira.
Nicinha

PERSEVERÂNÇA disse...

Passando para ler seus textos maravilhosos e dizer que faz tempo que não visita o Perseverança.
Sinta-se sempre a vontade para comentar e seguir está humilde página.
Abraço fraternal e uma linda quarta-feira.
Nicinha

BlueShell disse...

Ena...esteve difícil...é preciso cuidado! Fiquei encantada com a narrativa.

Olha...te agradeço teu apoio numa hora de dor. não o esquecerei. Bj
BS

Sandra Gonçalves disse...

Passando pra te deixar um beijo e desejar dias suaves pra ti. Bjos achocolatados

Palavras disse...

Maravilha de texto caro amigo.

Não me canso das suas palavras.

Grande abraço

SOL da Esteva disse...

Manuel

Contos narrados deste modo, prendem até á última frase(Não vale ir ao fundo ver o final!...)
Bela e bem montada teia.

Abraços

SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/

Sónia da Veiga disse...

Boa, um final feliz!!! :-)

Esta foi daquelas de ficar colada a ler até ao fim com medo de perder alguma coisa importante! :-)

Beijinhos e bom fim-de-semana!

Gina G disse...

Olá, Manuel.

Gostei da surpresa final, o Manuel soube terminar o texto duma forma irónica. :)

AFRICA EM POESIA disse...

Adorei ler-te és genial meu amigo


depois...
só vim hoje pois é noite de Alegria
beijinho

Smareis disse...

Oi Manoel passei pra deixar um beijo e te desejar uma excelente semana. Um abraço meu amigo.

Edilene disse...

Linda narrativa, consegue nos levar em seus textos. Grande beijo!