segunda-feira, 16 de julho de 2012

A noiva






Quando desceu os degraus da Igreja o bruaá de espanto ecoou como se a admiração tivesse um som.

Parecia quase irreal nos contornos de um corpo cinzelado pelo bom Deus num dia de muita inspiração, nas faces onde o resplandecer de um sorriso, quase divino, fazia o brilho do Sol empalidecer.

Era a noiva. Ao seu lado um homem demasiado discreto, ia realçando, ainda mais, toda a formosura da donzela.

-Que linda noiva, exclamou a Dª Rosa!

-Boa como o milho, disse o Chico!

-Mal empregada, suspirou o professor Osório!


***

Foram uma família feliz até que a desgraça, numa tórrida tarde de Agosto, deixou o senhor Meireles agarrado a uma invalidez para o resto da vida. O tractor quando se empinou, numa vala, atirou o pobre homem deixando a coluna de tal forma que se lhe acabou a vida abaixo da cintura, agora dependia da mulher para tudo até, como dizia, para mijar.

A Junta de Freguesia conseguiu, com a ajuda da população, comprar-lhe uma cadeira de rodas para amenizar tanta desgraça.

A vida não era fácil, pois a pensão de invalidez era pequena e os trabalhos de costura não abundavam, o que lhes valia era o rendimento de uma pequena courela que tinham alugado, pois ele não a podia cuidar.

Naquela quente tarde de primavera, mãe e filha, deixaram o senhor Meireles sentado à porta da rua para poder ver quem passava e, ao mesmo tempo, entretido com os amigos que paravam para deixar uma palavra de carinho.
Iam fazer as pequenas compras semanais.


***

Isa, assim se chamava a filha, foi a primeira a sair do minimercado, carregando os sacos de plásticos, e ficou surpreendida pelo olhar lupino de um rapaz que se encontrava na esplanada do Café Central.

Sentiu-se, um pouco, incomodada e comentou com a mãe:

-Vistes aquele lingrinhas? Parecia que me ia comer com os olhos!

A mãe sorriu e perguntou:

-Não sabes quem é aquele rapaz? E antes que a filha tivesse tempo para responder, foi acrescentando, o moço é o filho do Senhor Engenheiro Timóteo, o homem mais rico desta região. Dizem que tudo que a gente avista muitas léguas em redor é dele e aquele rapaz é o único filho e um dia toda a riqueza vai ser dele. Devias ter retribuído o olhar e até um sorriso não tivesse sido despropositado.

Isa estava admirada com a conversa da mãe, parecia estar interessada em qualquer coisa.

Fez de conta que não percebeu e continuou o caminho.


***


Tinham acabado de jantar e estavam ajeitados para ver a telenovela quando bateram à porta.

Foi a mãe abrir e, quase teve um ataque, na sua frente estavam, de chapéu na mão, o senhor engenheiro Timóteo e o filho.

-Boa noite, disse o homem, pedimos desculpa por vir incomodar a esta hora mas aqui o rapaz não me deixou esperar mais, queremos falar consigo e com o seu marido. Pode ser?

-Oh meu Deus, balbuciou a mulher. Entrem, entrem!

Estava nervosa e ia fazendo do avental um rodilho de tanto o torcer, caminhando de lado ia dirigindo as visitas para a sala enquanto gritava:

-Oh Meireles, oh Isa vejam quem está aqui! Temos visitas importantes, o Senhor 
Engenheiro e o filho querem falar com a gente. Isto é mesmo uma grande honra.

Entraram todos para a sala perante a admiração da Isa e do pai.

-Mas entre Senhor Engenheiro, entre, insistia a dona Balbina.

Era um pouco confrangedora a situação, pairava no ar um incómodo desconforto.

Isa era a indiferença total, Meireles encolhido na sua cadeira parecia um pouco incomodado por lhe irem quebrar a rotina da sua telenovela. Só a dona Balbina parecia uma pura imagem de alegria.

Olharam uns para os outros perturbados e foi o engenheiro Timóteo a ter coragem para tomar a palavra:

-Bom, devem estranhar esta visita inesperada mas o meu filho insistiu tanto que me decidi, espero que me perdoem e compreendam a razão.

Olhou o filho e ficou esperando um sinal de aprovação, mas o rapaz só tinha olhos para a Isa que se encontrava encostada à parede numa total indiferença.

-Como ia dizendo, retomou o engenheiro, o meu filho há muito que anda de olho na vossa filha num total embevecimento e não se cansa de me dizer que encontrou a mulher certa, a única capaz de voltar a trazer alegria à nossa casa.

-O gajo não joga com a bola toda, pensou Isa!

-É mesmo o Euro milhões, matutou Balbina!

-Não estou a perceber nada, cogitou Meireles!

-Mas, continuou o engenheiro, como devem saber eu fiquei viúvo faz três anos e tenho, sem ajudas, criado este filho, Bernardo, que tem sido o meu grande amparo e a minha maior força, só tem 19 anos mas pensa como um adulto.

O senhor Meireles ajeitou-se na cadeira, ganhou folego e coragem para dizer:

-Senhor Engenheiro sabe que nós temos muita consideração por vossemecê, pela sua bondade, pela forma como tem ajudado esta terra, pelo trabalho que tem dado a este povo. Mas deve compreender que terá que ser a Isa a decidir, ela têm 25 anos e nós não podemos falar por ela.

Dona Balbina não se conteve e foi acrescentando:

-Oh Meireles é nossa filha e nós temos obrigação de a aconselhar e não me parece que…..

Não teve tempo de completar a frase, a filha interrompeu com as lágrimas a quererem saltar dos lindos olhos:

-Bom, eu, não quero ofender ninguém, acho e compreendo o acanhamento do senhor engenheiro, pois não deve ser fácil aparecer numa casa, onde nunca entrou, a pedir uma mulher de 25 anos para um miúdo de 19. Não quero ser desagradável mas deve compreender que o seu filho ainda é uma criança.

O silêncio caiu naquela sala, olharam uns para os outros sem saber. Isa desatou num choro convulsivo, Meireles retesou-se na cadeira como se fosse possível levantar-se, dona Balbina começou a rezar baixinho, o Bernardo mordia os lábios num nervosismo confrangedor e o engenheiro Meireles gesticulava na tentativa de por ordem ao desarranjo que acabara de causar.

-Bem, falou por fim, vamos embora não nos compreenderam e criamos uma grande confusão.

Foi então que o que o rapaz mostrou que também estava presente:

-Pai, espere porque aqui vai uma enorme confusão, eles não perceberam e pensam que estamos a pedir a mão da Isa para mim, tem que explicar que não, tem que dizer que é o pai que está interessado em casar com a moça e que eu apenas ajudei a escolher.
O silêncio parecia doer.

Meireles meditava, não estou a perceber nada disto.

Balbina pensava, é para o pai, que pena eu não ser livre

Isa não se conteve:


-Mas senhor engenheiro, explique melhor porque ficamos todos confusos e peço desculpa por mim e pelos meus pais.

O engenheiro empertigou-se, passou os dedos pelos cabelos grisalhos e, com um ligeiro tossicar disfarçou o nervosismo que parecia que o tinha tolhido.

Alisou, mais uma vez o cabelo, aclarou a garganta e com a voz entaramelada começou:

-Vou explicar, há muito que eu anda de olho na Isa, acho que é uma rapariga muito especial e, confesso, sinto por ela uma grande atracção. Pedi, como faço sempre, a opinião do meu filho que só me disse que não devia perder mais tempo e, hoje, quase me obrigou a tomar coragem. Por isso estou aqui para pedir a mão da vossa filha.

Olhou a moça e num gesto quase teatral pediu:

-Isa aceitas casar comigo?

Meireles e Balbina pareciam ter voado para bem longe, tal era o alheamento, mas Isa estava presente para responder:

-Aceito senhor engenheiro!







23 comentários:

Edilene disse...

Excelente teu conto e com desfecho excepcional! Incrível como com as palavras consegues nos conduzir a teu gosto.

Beijos e boa semana

Edilene disse...

Excelente teu conto e com desfecho excepcional! Incrível como com as palavras consegues nos conduzir a teu gosto.

Beijos e boa semana

Edilene disse...

Excelente teu conto e com um final inesperado e surpreendente! Amei!
Beijos e boa semana!

chica disse...

Que bela trama,Manoel!!Sempre me encanto e quando pensava que Isa estava esnobando o filho, ela aceitou o pai...Legal! abração praiano,chica

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Manuel

Uma história que acontecia muitas vezes, o senhor rico a apaixonar-se pela menina pobre, eu conheço uma história assim.
Como sempre é um gosto ler-te.

Um beijinho com carinho
Sonhadora

Smareis disse...

Olá Manuel,
Sua história é excelente, e bem real. Conheço caso assim como esse.
Engraçado que suas história sempre nos leva a acontecimentos por vezes reais. Senhor engenheiro se deu bem.

Abraço amigo!
Ótima semana!

Unknown disse...

Um conto maravilhoso, e com a musica do video melhor ainda adorei, vc é
sensacional...Parabéns pela bela postagem, tenha uma noite linda
Abraços com carinho
Rita!!!!

Unknown disse...

Um conto maravilhoso, e com a musica do video melhor ainda adorei, vc é
sensacional...Parabéns pela bela postagem, tenha uma noite linda
Abraços com carinho
Rita!!!!

Sandra Gonçalves disse...

Muito bom teu conto amigo...Adorei do inicio ao fim...Bjos achocolatados

Janita disse...

Este filme fez-me chorar baba e ranho! Ouvir o António Prieto cantar La Novia, que chorava na Igreja por ir casar com um homem que não amava, marcou a minha adolescência. Mais tarde surgiu a versão do Trio Odemira, que também gostei muito!
No fundo, acredito que foram estas visões e ilusões meio lamechas que distorceram a realidade da vida de nuitas jovens do meu tempo.
Afinal, a vida não teve nada de cor-de- rosa!

Anónimo disse...

Admirável e bela a sua forma de conduzir a história, Manuel.Como sempre maravilhoso te ler.Adoro!

Beijinhos e bons sonhos.

Guma disse...

Caro amigo Manuel.

Gosto tive nesta oportunidade de aceder à net e ler, não só o que ainda não tinha tido oportunidade, assim como " A Noiva".
O amigo consegue a proeza de contar com pormenor e mesmo assim ser conciso, fazendo com que os seus contos sejam de interesse até ao fim e não serem extensos demais, embora eu não concorde com a ideia de nos blogs só resultarem textos não muito longos, pois quando a leitura é boa, prende-nos até ao fim.

Receba o meu kandando e o sincero desejo que esta fonte nos traga muitos mais textos com a qualidade que nos habituou.

Evanir disse...

Hoje minha postagem falo um pouco de mim
postei uma entrevista feita por uma amiga de todos nós blogueiros.
Creio que falei um pouco de tudo sobre mim.
Espero sua presença para comentar essa postagem.
Deixei um pedacinho de mim na postagem
quero compartilhar minha vida com as pessoas que faz parte
da minha vida.
Para mim amizade virtual não existe
a pessoa é aquilo que é na vida real ou virtual.
Os nossos valores jamais conguiremos esconder
nem alguns defeitos que todos nos temos.
Beijos no coração com carinho,Evanir.
Seu texto lindo e uma musica muito especial .

Vivian disse...

Olá,Manuel!!!

Que lindo e surpreendente conto meu amigo!!!Mas confesso que fiquei desconfiada quando Isa começou a chorar por entender que era o filho e não o pai que a queria.Ainda assim, sendo o amigo tão talentoso nunca se sabe.Fico sempre na dúvida do que virá!
Um final espantoso!
Beijos!
Meu carinho e admiração sempre!

Magia da Inês disse...

✿彡✿⊱╮¸.•°
Legal!
Até eu que sou mais boba que Isa também aceitava, uai!
Bom fim de semana!
Beijinhos.
Brasil
✿彡

PERSEVERÂNÇA disse...

Grande abraço e um lindo fim de semana regado de muita paz e saúde.
Nicinha

Unknown disse...

Uma história de agradável leitura.
Situações que se viveram outrora por essas aldeias e vilas.

Como os tempos mudaram...
Hoje ninguém pede nada a ninguem...
Se ...se entendem juntam os trapos e mudam-se de casas e bagagens por uns tempos...

Unknown disse...

Bom dia com alegria pra vc tbém!
Vim tomar um cafézinho com vc e desejar
o melhor pq sendo essa pessoa maravilhosa
merece todo meu carinho
Abraços
Rita!!!!

Menina do cantinho disse...

Para não variar presenteou-nos com mais um excelente conto e confesso que este não era o desfecho que esperava.

Beijinhos e bom domingo :)

J Araújo disse...

Manuel, para conhecer seu blog. Achei muito legal, o conto também achei interessante.

Abraço

Flor de Lótus disse...

Belo conto,meu caro amigo Manoel!E os finais sempre surpreendentes.
Beijossss

Sónia da Veiga disse...

Gostei da reviravolta!
E do facto dela ter aceitado no fim! ;-)

Tens um jeito especial de escrever, que nos envolve!

Beijinhos e boa semana!

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido amigo

Passando para te agradecer as palavras carinhosas que me deixas sempre e deixar um beijinho.

Sonhadora