Estava sentada num banco junto à muralha,
pernas delicadamente cruzadas.
Era uma posse estudada, pois o brilhante
bronzeado, descaindo de uma curta saia e terminando numas sandálias vermelhas,
era motivo para muitos olhares.
O rosto, parecia, perfeito pois uns enormes óculos de sol escondiam a maior parte, mas deixavam ver uns lábios carnudos onde, um leve carmim, contrastava com uma blusa branca atada de forma, quase, displicente deixando perceber dois hemisférios, tão bronzeados como as pernas.
Estava serena, contemplando o mar, como se mais nada existisse em seu redor.
Elias estava vidrado, a visão daquela deusa era superior a tudo o que alguma vez tinha imaginado.
Era linda, de uma beleza calma e tranquila.
Os homens passavam num embasbacamento,
misto de admiração e desejo, as mulheres não deixavam perceber mas transpiravam
uma inveja difícil de disfarçar.
Aproximou-se quase como se flutuasse e, consegue jurar, que apenas queria ver mais de perto a obra perfeita do criador. Muito timidamente perguntou:
-Posse sentar-me, aqui, no banco?
Sem mudar um milímetro, nem o rosto mexeu,
respondeu:
-Caro senhor, o banco é público e desde que tenha lugares, pode estar à sua vontade!
Elias ficou sem jeito, queria replicar mas a frase ficou como que enrolada na garganta. Olhou ao longe tentando esconder um certo constrangimento, mirou o mar que, calmamente, se desfazia em espuma contra as rochas. Ganhou coragem para retorquir:
-Peço perdão, quis apenas ser delicado, não tome as minhas palavras como uma tentativa de nada, só quis partilhar o gosto por observar o mar.
A moça, sem alterar a posição sorriu:
-Mas não tomei a mal a sua pergunta, achei natural, mas eu não observo o mar, apenas o escuto, sinto o seu cheiro e aqueles sons que apenas, ele, nos sabe transmitir.
Hoje já tenho a minha parte, não tarda vai arrefecer!Boa tarde cavalheiro!
Ergueu um braço num gesto de quem chama alguém.
Um senhor, que pareceu surgir do nada, deu-lhe a mão e encaminharam-se para um descapotável prateado.
Elias nem teve tempo de responder, foi tudo tão rápido. Uma meia despedida, um gesto e um homem que aparece como se sempre ali tivesse estado.
Não devia ser marido, não tinha aliança e era demasiado velho e demasiado formal.
Seria motorista? Era isso, ainda há pessoas que têm, também, dessas coisas.
******
Elias ficou naquele desespero, que é um
misto de impotência e de aselhice, primeiro porque não sabia o que fazer e
depois, porque não soube reagir e tentar saber algo mais, sobre a moça que o
perturbara daquela maneira.
Ficou em trivialidades como um pateta, falar sobre o mar! Sim como se fosse o mais importante! Nem lhe perguntou o nome.
O mar continuava ali, onde sempre esteve, mas
ela foi, quase, numa áurea de mistério.
Era mesmo burro!
Agora só lhe restava a esperança de que um
dia voltasse.
Sempre, desde que adivinhasse um raio de sol, ia passear à beira mar e sentar-se naquele banco, talvez Deus o brindasse, novamente, com aquela celestial aparição.
Todos os fins-de-semana, Elias, vestia a sua melhor roupa, salpicava o corpo de Davidoff, o seu predilecto. Uns Ray-Ban, espelhados, davam-lhe aquele ar que, pensava ele, o deixava irresistível.
Andava no cais num passo miúdo, olhando todos os cantos onde o sol pudesse aquecer os corpos, onde um banco servisse de recanto a quem, com cabelos cor de fogo, olhasse o mar como se nada mais valesse a pena.
De soslaio adivinhava um descapotável que,
também, primava pela ausência.
Foram semanas seguidas de desespero. De vez em quando, talvez pela necessidade de não desistir, parecia-lhe ver a mulher mistério mas, quando se aproximava caia na realidade, não era ela.
A frustração começava a fazer parte do seu dia-a-dia, não só por não voltar a encontrar a deusa mas, sobretudo, pela burrice de não ter perguntado algo mais.
Nem sequer o nome!
Para a semana, pensou, ia alargar a procura, todos os dias percorreria o espaço, pois, a meteorologia anunciava sol, o que aumentava a expectativa.
Segunda-feira ia recomeçar a viver a esperança, que aos poucos se ia diluindo, pois a semana estava a terminar e nada que lhe desse animo.
Foi no sábado, um grupo de crianças brincavam numa alegre algazarra e, no mesmo banco, quase na mesma posição, estava a sua diva.
Os mesmos óculos de sol, os lábios com o mesmo brilho de sensualidade.
Uma t-shirt branca, com uns desenhos bizarros, da cor dos curtos calções rosa, davam maior realce ao brilhante bronzeado das elegantes pernas.
Estava tão concentrada no leve e suave bater das ondas que, imaginou, nem deu pela sua chegada.
Ficou quieto, a embriagar o seu espírito no quadro, que estava perante os seus olhos. Meu Deus era uma visão quase divina!
Ia abrir a boca para a desnecessária pergunta, mas ela antecipou-se:
-Não vai pedir permissão para ocupar um lugar vago e que não me pertence?
Sentou-se e esperou que o fitasse mas não, continuava observando as águas como se nada, mais, existisse.
Ganhou coragem para desabafar:
-Porque me castigou? Ando, há três semanas, na esperança de a voltar a ver e só hoje a sorte me bafejou.
Voltou a cara na sua direcção, era linda embora os óculos não deixassem ver-lhe os olhos, sorriu num sorriso que ofuscou, por momentos, o brilho do sol, antes de responder:
-Posso ver melhor o seu rosto?
Ficou vaidoso, fez o melhor sorriso, que
não lhe deve ter saído muito bem, abanou a cabeça e foi dizendo:
-É isto que está à vista mas pode ver à sua vontade!
Ergueu umas mãos delicadas, dedos longos,
unhas cuidadosamente tratadas. Com suavidade percorreu-lhe o rosto, os dedos
deslizaram suavemente na depressão das suas órbitas, deslizaram pela testa e,
com vagar, desceram às maçãs do rosto e quedaram-se num leve deslizar no
contorno dos seus lábios.
Recolheu as mãos, voltou a olhar o mar e ergueu o braço, naquele gesto que já conhecia.
O senhor apareceu e estendeu-lhe a mão. Levantou-se, olhou-o de frente, sorriu e deixou numa despedida:
-É muito bonito! Foi o que os meus
sentidos me disseram, já que os meus olhos, são os deste senhor que me
acompanha.
Dirigiram-se para o carro, não era o mesmo, mas tal como o outro, desapareceu suavemente na avenida marginal.
Burro! Gritou. Nem sequer lhe perguntei o
nome!