Escrevi
e publiquei este conto em 2009, um amigo que por aqui costuma passar e que está
a passar um momento muito grave, pediu-me para o voltar a dar a conhecer.
Por
ele, esperando um milagre, aqui fica.
Era um
amor feito de coisas velhas, estranho, desbotado pelo tempo, mas era um amor,
embora impregnado de mistérios e camuflado em beijos amorfos e sentimentos que
há muito tinham morrido.
Nem sempre foi assim, pois começou numa tarde amena de Primavera, ao som de um slow que obrigava a cingir os corpos em passos vagarosos e sensuais numa "salle de danse" em Paris.
Depois, foi o encanto de tardes de mãos dadas, noites intensas em plenitude de corpos fundidos em arroubos de desejos incontidos.
Tardes no Melody, ao som de uma imitação de Jaque Brell, no lamento de um fastidioso “Ne Me Quites Pas”, sorvendo em pequenos goles um, intragável, Bacardi como se fosse a melhor bebida do mundo. Ela, na saia travada, ajeitava as pernas escondendo dos olhares, dos homens, que à socapa iam mirando as coxas firmes generosamente expostas. Ele, intelectual vanguardista, citava frequentemente Cesar Vallejo, como se nas palavras conseguisse arranjar remédio para a falsa dialética com que se arvorava no caminho da cultura.
Casaram numa manhã de chuva, no Consulado, perante a autoridade e quatro acompanhantes, dois militantes de um partido ecologista, a Paulette empregada da pensão e o namorado, um português transmontano, dono de um pequeno bar.
Não houve lua-de-mel, não era necessária, pois já andavam há muito nesse enlevo.
********
Foram dois meses de encanto, longos passeios ao longo do rio que lavava as margens da cidade.
Os serões eram passados em tertúlias onde se discutiam “Les nouvelle vagues”, se bebiam Pastis e se recitavam versos de Neruda, Borges e Rimbaud. As gargalhadas confundiam-se com o cheiro do canábis, que iam inalando até o entorpecimento tomar contas dos corpos e toldar os pensamentos. Matilde assistia, primeiro, na curiosidade da descoberta, dos falatórios que não percebia, dos versos que nada lhe diziam, das discussões pseudo-intelectuais sobre liberalizações, globalizações e outras coisas que não entendia. Depois, foi o enjoo daquela bebida onde o sabor de anis lhe deixava um travo acre na garganta, o adocicado e enjoativo cheiro daquela maconha em que iam imbuindo a mente, na procura de uma liberdade que os prendia.
As noites mágicas perderam a magia e passaram a ter a monotonia das processionárias.
*****
Deixou de acompanhar o marido, tinha náuseas e tédio dos velórios em que se tornaram as noites macambuzianas, das retóricas, dos cheiros e das palavras soletradas, por desenraizados, na procura de algo que nem eles sabiam bem o que.
Matilde começou por passar as noites só, depois com Paulette ia até ao bar do transmontano. As pernas, na saia travada, continuavam a prender os olhares gulosos que em sorrisos as iam conquistando e, ela, começava a apreciar toda essa embasbacação.
Depois foi fácil, a troca de olhares, as conversas em redor de uma bebida, as mãos que se tocavam numa casualidade provocada, o sortilégio dos homens que se diziam sós e carentes.
Eram sortidas rápidas, mas o suficiente para restabelecer o equilíbrio e a estabilidade.
*****
Matilde e Balduíno continuam o seu amor.
Ele, durante o dia, dorme na ressaca do Pastis, do entorpecimento da erva e da interiorização das prédicas das noites “tertulianas”.
Ela, passeia pelas cosmopolitas ruas de Paris.
À noite encontram-se no quarto da pensão, cruzam-se antes das suas missões.
Trocam um beijo cansado, amorfo e desbotado, um beijo do que resta do amor.
Eles
continuam a amar-se, num amor estranho, desbotado pelo tempo.
É o seu amor!
19 comentários:
Que lindo,Manoel e estavas sumido?
Fico na torcida junto para que tudo fique bem e que o milagre aconteça para teu amigo! abração,chica
Boa noite
A vida trama-nos se não abrimos os olhos e se não renovamos os olhares, os modos e os quereres.
Fingir que tudo vai bem não interessa.
É preciso que esteja bem e que cada um faça por estar bem.
Triste quando a paixão acaba e cada um vai para um lado, mesmo estando juntos.O seu conto é maravilhoso, Manuel.Faço votos de melhoras a seu amigo.
Beijinhos e bom fds.
Olá, estimado Manuel!
Então, desta vez, temos uma história real, pertencente a um amigo seu, que passa pelo seu blogue e que está à espera de um milagre.
Não sei, não entendo, como é que há pessoas, que conseguem continuar a viver uma paz podre, como lhe chamam.
Com esse quadro de alucinogéneos, ninguém pode continuar a amar outra pessoa. Ou a pessoa altera a sua conduta, ou há que arranjar novo amor.
Bom fim de semana.
Beijos da Luz, com amizade.
Oi,Manuel!saudade de ti e de vir aqui te ler,belo conto, com o tempo as coisas muitas vezes caem na rotina e as pessoas esquecem que o amor assim como uma planta precisa ser regado e cuidado pra sobreviver.
Beijosss
Manuel
Que o milagre aconteça na vida de teu amigo!
Já que na história o encanto se perdeu para os dois, que pelo menos ele e a vida reativem uma relação de amor incondicional.
Abraços e beijinhos
Carinhosamente venho desejar
um feliz e abençoado final de semana.
Anjo lindo você esta entre amigas e(os)
Destaque do mês esta no final da postagem.
Beijos e carinhos na alma...
Evanir...
Como "vês", Manuel, os Contos podem ter Caminhos paralelos com a realidade.
A vivência de cada um é uma porção de um Conto; e tu bem aproveitas essas oportunidades para nos surpreenderes e fazeres com que meditemos em algo.
Parabéns
Abraços
SOL
olá amigo, encontrei seu blog através dos destaques da amiga evanir, parabéns!!! lindo seus textos, sua forma de escrever, este conto é maravilhoso.. beijos mil e ótimo domingo..
¸.•°♡♡
Que história escabrosa!
Amor, onde está o amor???
Canabis não combina com nada, nada mesmo!!!!
É um história triste.... todos se perderam!... na primeira curva do caminho!...
Amigo, adoro seu jeito de escrever, mesmo quando as histórias são tristes.
Bom domingo!
Beijinhos do Brasil.
¸.•°♡♡
Olá, estimado Manuel!
Então, como está a decorrer esse seu domingo?
Um sol, muito tímido, que agora, se lembrou de aparecer, pelo menos, em Lisboa.
Deixei resposta no meu blogue, ao seu comentário, a que achei muita graça. Sou "bombástica", mas não, mulher bomba, não é?
Desejo-lhe um resto de bom domingo e de melhor semana.
Parece que vamos continuar com chuva.
Beijo da Luz, com estima e apreço.
Se a tristeza vier por qualquer motivo,
Evite as sombras que ficaram para trás,
olhe o caminho a sua frente e siga sempre.
Assopre o pensamento triste,
deixe escorrer a última lágrima,
vá até o final do poço, mas volte renovado.
Então respire fundo tirando da
natureza a energia para elevar sua alma.
E a paz que você procura será encontrada dentro de
você onde DEUS deixou um pedacinho de si.
Uma semana na graça e na paz de Jesus.
Beijos no coração carinhos na sua alma.
Evanir..Minha mensagem com muito Amor
Há amores assim, amarelecidos e cansados...
Um belo conto que...
Beijo
Laura
(que tudo chegue, por bem, ao seu amigo)
Bom dia !!!!
Uma história triste, espero que tudo
se resolva entre os dois, e ele se recupere ..nada melhor que um bom entendimento
Desejo sempre o melhor pra vc
Abraços com carinho
Rita!!!!
Vidas que o destino une, mas que morrem antes do tempo, por já não ter acessa a chama inicial...Conto bem constituído e belo. Interessante, o pedido do seu amigo, de bom gosto!
Desejo que o milagre aconteça.
Beijos!
Oi,Manuel!Passando aqui pra te deixar um forte abraço e um beijo estalado.E que as flores da primavera floresçam teu caminho.
Oi,Manuel!Passando aqui pra te deixar um forte abraço e um beijo estalado.E que as flores da primavera floresçam teu caminho.
Olá,Manuel!!
Ah!Meu amigo...que triste este desbotamento do amor...não creio que o tempo seja o responsável...
Lindo conto!! E creio lembrar dele!
*Que tudo fique bem com seu amigo!
Deixo um beijo e meu carinho pra ti!
Gostei muito deste conto, Manuel. o amor tem as formas todas, eu creio nisso.
Beijinhos
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