terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Uma bica curta - Parte 2
Levantei-me bastante cedo. Noite povoada de sonhos estranhos, de mulheres lindas que de repente se esfumavam num riso sarcástico e provocante.
Depois de um banho ligeiro sai na procura de um suculento pequeno-almoço que me desse animo para enfrentar o dia.
O ar da rua estava gélido e as pessoas esfregavam as mãos tentando que a circulação desse uma ajuda nos enregelados dedos.
Entrei no café habitual e a Joana com um sorriso fresco serviu-me o costume.
O meu carro, contrariando os últimos dias, reagiu à primeira e o som do motor deu-me a satisfação de me embrenhar na confusa citadina.
Ia voltar ao café da senhora gorda, tinha que vasculhar melhor toda esta história que me estava a confundir e a deixar totalmente baralhado. Nunca, nada igual, me tinha a acontecido. Não me entrava na cabeça que uma morta me incumbisse de um serviço inexistente, me deixasse 1 200 Euros bem vivos e se esfumasse como se na realidade não existisse.
Estacionei o carro no espaço onde antes, segundo me disseram, existiu uma vivenda onde morava um casal composto por uma volátil deusa e o afortunado marido.
Quando entrei no café a Dona Inocência, assim se chama a gorda, olhou-me como se de repente o Arnold Schwarzenegger tivesse entrado no estabelecimento para beber uma bica curta, fez um sorriso cascavélico e perguntou:
-Então amigo gostou do meu café e voltou?
Mostrei-lhe os dentes e com a voz mais doce que encontrei retorqui:
-Gostei muito, mas também gostava de fazer umas perguntas.
Olhou-me com ar admirado.
-Mau, mau, mas que posso eu saber que lhe seja útil?
-Sabe aquela história do casal Cascudo? Preciso de saber algo mais e acho que a senhora me pode ajudar.
-Mas que posso ajudar mais?
Contei-lhe toda a história, a visita daquele monumento de mulher que me veio contratar, do pagamento que me fez.
Olhou-me de forma estranha, persignou-se e limitou-se a dizer:
-No seu caso ia falar com o padre.
Fiz esforço para não me irritar.
-Mas eu não acredito em coisas sobrenaturais!
Desta vez ela ficou feliz, e foi com uma gargalhada que disse:
-Mas o casal Cascudo era muito crente, ia todas as semanas à missa e o nosso padre era amigo e visita da casa, por isso acho que falar com o padre pode ajudar.
Raio da gorda que desta vez me passou uma rasteira. Engoli em seco, agradeci e sai.
Já tinha passado á Igreja mais do que uma vez pelo que foi fácil localiza-la.
Havia poucos fiéis quando atravessei o templo a caminho da sacristia, pois penso ser o local mais provável para encontrar o padre.
Era um homem com um ar muito doce, sereno e de modos muito delicados. Olhou-me com grande curiosidade e perguntou:
-Meu filho em que lhe posso ser útil?
Estudei as palavras, não queria criar desconfianças, e com o melhor sorriso respondi:
-Obrigado por me atender. Tenho uma grande necessidade em tirar a limpo uma situação que me tem dado cabo da cabeça e para a qual não consigo encontrar explicação. Contei tudo o que tinha acontecido desde a visita daquela senhora a contratar os meus serviços.
Olhou-me de forma interrogadora e fiquei sem saber se estava a duvidar ou se pensava que eu tinha perdido o juízo. Pigarreou, limpou os lábios com um lenço de papel, olhou-me por cima dos óculos e quase com esforço disse-me:
-Sabe, meu amigo, que não sei bem o que pensar. Eu fui muito amigo desse desditoso casal, bons cristãos, pessoas de bem, beneméritos que muita falta ficaram a fazer a esta paróquia mas, essa descrição que me fez não corresponde à Dona Marta. Era uma mulher muito interessante, bonita mas dessas coisas de “monumento”, como disse, percebo pouco. Era, de facto, uma mulher linda e de grande vivacidade, muito recatada e de grande sensibilidade.
Fiquei inquieto, algo estava a ficar descontextualizado, o caso começava a ficar no reino de inverosímil. Insisti:
-Mas Senhor Padre o que me pode adiantar mais? Os óbitos foram confirmados? Quem era a família? Quem mandou demolir a vivenda onde o casal habitada? Conte-me tudo que me possa ajudar a resolver este imbróglio em que me meteram.
Coçou, ligeiramente, a orelha direita e voltou a catarrear. Olhou-me com simpatia e, pareceu-me, que com algum desconforto contou-me:
-Como lhe disse, eu, era amigo pessoal do casal e fiquei muito consternado quando me chegou a notícia de tão grande desgraça. Como deve calcular não me preocupei muito com confirmação do óbito, as autoridades devem ter feito o suficiente para confirmar.
Sei que o Senhor José Maria tinha uma irmã e um sobrinho embora, segundo me parece, não havia um grande relacionamento. A Dona Marta tinha os pais e um irmão, que vivem na terra natal e que se dedicam à agricultura. É tudo quanto sei. Despediu-se.
Voltou atrás para dizer que a vivenda, segundo sabia, era alugada por isso era natural que os proprietários a tivessem demolido. Saiu de vez e encaminhou-se para o altar onde o esperavam para dar início a uma cerimónia.
Quando me dirigia ao local onde tinha o carro vi disparar um Audi branco tendo ao volante a mulher que me tinha criado todo este sarilho. Arrancou muito rápido mas tive tempo para ver a matrícula.
Tentar seguir era pura utopia, pois o meu velho chaço não tinha qualquer hipótese.
Voltei ao café da gorda que me recebeu com um sorriso capaz de fazer murchar uma flor.
-Então Senhor Detective vem mais santo?
Olhei-a de tal forma que o sorriso voltou para o mesmo sítio donde tinha vindo.
-Não viu parado ali em frente um carro branco? Um que arrancou fazendo uma chiadeira dos diabos?
Olhou-me irritada e, quase, gritou:
-Eu estou cá para encher uns copos aos bêbados que por aqui vão vegetando e para tirar umas bicas curtas aos detectives que me caem de pára-quedas, não tenho tempo para olhar para os carros da rua. Boa tarde!
Saí, o sítio cheirava mal, entrei no carro e segui para a cidade.
-Merda de dia!
Perdi o dia embrenhado em cogitações e deambulando na esperança de voltar a ver o carro. Em vão.
Fui jantar ao Bar do Elias e segui para casa.
***
Manhã cedo fui direito ao Registo automóvel, tinha lá um amigo que me devia alguns favores e, que agora, eu ia cobrar.
Quando me viu exclamou com satisfação:
-Olha o meu amigo Gilberto por estes lados. Gaivota em terra temporal no mar. De que é que precisas?
Sorri, ele estava bem-disposto.
-Olha amigo preciso saber tudo o que me possas dizer sobre este carro. Dei-lhe um cartão com a matrícula.
Olhou com atenção e, franzindo a testa, introduziu alguns dados num computador e esperou, enquanto ia coçando o ouvido com o dedo mindinho. Andou com o cursor para trás e para a frente, observou, franziu a testa antes de me dizer:
-Estás com azar pá! Este carro já não existe, foi abatido em Outubro do ano passado, teve um acidente, ardeu totalmente ele e os ocupantes, por isso já não existe.
-Fogo, exclamei! Começo a ficar farto desta trampa. Como pode não existir se ainda ontem o vi?
Soltou uma gargalhada, antes de dizer:
-Foi depois de um bom almoço e já não vias bem as coisas!
-Nada disso. De quem era o carro?
-Dum tal José Maria Cascudo.
Agradeci e sai para o frio do dia.
Que sorte a minha!
-Será que a tipa morreu mesmo?
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9 comentários:
Meu querido Manuel
A história está cada vez melhor...fico ansiosa esperando mais um capítulo.
Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora
Isto está a complicar-se.
Vou rever todas as dicas e depois volto.
Beijo
Olá amigo Manuel,
Está a ficar interessante, complicado como escreveu a Acácia.
Bom feriado e meu kandando.
Manuel,
Acho que a tal pinta é uma defunta fresca...rs
Um beijo, estou gostando muito de acompanhar o conto.
ℓυηα
Concordo com os comentadores anteriores: o enredo adensa-se!!!
E eu que nem sabia que o Bruce Willis cantava...
Boa semana e boa inspiração para o próximo capítulo.
Olá, meu amigo escritor!
Isso não vale, vi?
Você embromou e não contou contou o resto da história.
Beijinhos.
Brasil
Isto está a ficar cada vez mais interessante.
Aguardo o próximo capitulo :)
Beijinhos
Manuel
Fico com pena de não apareceres é tão perto...
Se puderes vai tomar o café e já levas o livro...
Deixo apenas...POESIA...
um beijo
SOLIDÃO
O que é afinal a solidão?
Solidão será que é estar só?
Solidão será afinal o quê?
Solidão é sentir que estou só
Mesmo só, mesmo tendo muita gente
Gente que me rodeia mas não a vejo...
E assim a solidão entrou aqui
Entrou e resolveu fazer do meu eu
A sua morada permanente.
E a solidão que é mesmo solidão
Está no meu coração e dói...
Sinto-a mesmo estando rodeada de gente
E então penso como combatê-la
Como parar esta solidão que aleija
Fecho os olhos e penso que ao acordar...
A solidão partiu para sempre
E foi procurar outro peito, outro eu
Para poder morar...
E ao sonhar
Tenho a Esperança
De não mais
Sentir a solidão...
LILI LARANJO
Eita ...VOu esperar a proxima, amei amigo.ufa que agonia...rsrsr
Bjos achocolatados
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